As voltas do parafuso: uma leitura de Angústia, de Graciliano Ramos

Felipe Oliveira de Paula

RESUMO: Em “As voltas do parafuso” investiga-se de que maneira a narrativa de Angústia é arquitetada de forma a representar o que se passa no pensamento do narrador-personagem. No romance, fica evidente que o presente não pode existir sem que o passado e futuro estejam de certa forma justapostos. O passado não vem à tona no presente sem ter uma utilidade. As lembranças de Luís da Silva nunca estão soltas na narrativa, embora, por causa da aparente desorganização temporal e das repetições erroneamente caracterizadas como desnecessárias, o leitor iniciante seja levado a tal interpretação. A narrativa é a expressão da desordem do pensamento de Luís da Silva as voltas com o passado.

PALAVRAS-CHAVE: Tempo. Luís da Silva. Pensamento.

ABSTRACT: In “As voltas do parafuso” we search how the narrative of Angústia is devised in a way to represent what goes on into the character-narrator’s thinking. In the novel, it is clear that the present cannot exist without the past and the future being intertwined. The past does not come to the present without a purpose. Luis da Silva’s memories are never free in the novel, although, due to the apparent time disorganization of repetitions wrongly named as unnecessary, the beginner reader is taken to have such interpretation. The narrative is the expression of Luís da Silva’s thinking disorder forward and backwards with the past.

KEYWORDS: Time. Luís da Silva. Thinking.

 

Angústia (1936) é o terceiro romance publicado de Graciliano Ramos, vindo antes Caetés (1933) e São Bernardo (1934). Trata-se das confissões de Luís da Silva, narrador-personagem. Uma história frustrada de uma pessoa solitária, que em certo momento se apaixona por sua vizinha e se entrega totalmente a ela com a intenção de constituir família e ingressar na ala dos casados. Contudo, como demonstra o narrador, sua noiva vinha se mostrando cada vez mais fútil, deixando-se levar pelas amabilidades de um sujeito burguês, Julião Tavares, até trocar seu noivo por este. Essa rejeição e toda lembrança de uma vida sub-humana acarretará o assassinato de seu rival. Toda a história é contada pela visão mórbida do narrador após ter praticado o crime e ficado doente por trinta dias.

O romance, escrito após a grande mudança que, entre outras coisas, a Primeira Guerra Mundial provocou na forma de pensar do homem moderno, é visto por nós como um livro que consegue abarcar a volta do homem para seu interior, enfocada na literatura moderna mediante a consciência do descompasso existente entre a realidade e sua representação. Visto que não seria mais possível, como era no século XIX, uma relação tranqüila entre realidade exterior e realidade interior, a obra de arte começou a descrever a realidade do ponto de vista da duração, através de métodos que foram reformulados ou criados pelo artista moderno. A consciência humana passou a ser o objeto de exploração dos romancistas modernos. Houve, para isso, a reformulação da noção de tempo e espaço dentro da literatura. Graciliano Ramos escreveu Angústia permitindo-nos propor que o fez em consonância com a mudança do pensamento histórico-formal. Nele é perceptível a utilização do tempo de acordo com a visão do homem moderno, da sociedade moderna, da literatura moderna.

Rui Mourão (2003) observou que Angústia gira todo em torno de Marina. Apesar de suas voltas serem muitas vezes tão distante que numa primeira leitura não conseguimos ver a relação com sua vizinha, o seu ponto principal é ela. É a partir dela, e das voltas em redor dela que vamos conhecendo Luís da Silva e sua vida. Trata-se de um romance cíclico, o seu início começa com o seu fim.

Propomos que as voltas da narrativa funcionam como voltas de um parafuso, já que o parafuso sempre gira em torno do mesmo ponto e cada giro é feito com a intenção de chegar a seu objetivo. A primeira volta em torno de Marina acontece logo no início do texto quando o narrador “entra em parafuso” ao tentar escrever um artigo e só o nome da ex-noiva vem à consciência, fazendo com que ele gire sobre o mesmo ponto: “em duas horas escrevo uma palavra: Marina. Depois, aproveitando letras deste nome, arranjo coisas absurdas: ar, mar, rima, arma, ira, amar. Uns vinte nomes.” (Angústia,2005 [i]. p.8). A partir desse nome, Luís da Silva vai recordar de processos, orçamentos, diretor, secretário, políticos, sujeitos que o desprezam, Dr. Gouveia, Moisés, até voltar para o mesmo ponto: “o artigo que me pediram afasta-se do papel. É verdade que tenho o cigarro e tenho o álcool, mas quando bebo demais ou fumo demais, a minha tristeza cresce. Tristeza e raiva, Ar, mar, ria, arma, ira. Passatempo estúpido” (A, p.9).

Assim como a consciência humana resgata as lembranças do passado e projeta as imagens do futuro com intuito de servirem de algum modo para a interpretação do momento presente, as lembranças da meninice do personagem Luís da Silva e toda “viagem” para um possível futuro são colocadas na narrativa com a intenção de demonstrar o que se tornou o ex-noivo de Marina e como ele chegará à angústia de ter praticado um crime, o qual envolve fatores pessoais e sociais.

Nada é solto no romance. As passagens que são vistas como desconexas oferecem um teor mais verossímil ao pensamento humano se criando. Luís da Silva ao iniciar sua narração nos deixa totalmente perdidos, não sabemos do que se trata, nem de quem ele pretende falar. No decorrer de nossa leitura identificamos pouco a pouco que, superficialmente, é uma história frustrada de amor. Contudo, no turbilhão de imagens com que nos defrontamos vamos percebendo que elas estão sempre mostrando algo que aconteceu ou poderia ter acontecido. Como sua frase inicial que diz, “levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente” (A, p.7), e só a compreenderemos no final do livro. Após falar que tivera visões durante esses trinta dias, ele muda o sentido, o parágrafo, e mostra que “há criaturas” que não suporta, “os vagabundos, por exemplo”, e ficamos sem entender o motivo de seu repouso e o porquê de seu desgosto com os vagabundos, o que vai ser entendido também ao longo do romance devido à figura de seu Ivô. O mesmo acontece com o trecho: “vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos, que emagrecem. As mãos já não são minhas: são mãos de velho, fracas e inúteis. As escoriações das palmas cicatrizaram” (A, p.8), que só terá sentido no final do romance quando Luís assassina Julião e machuca a mão: “as mãos esfoladas e grossas. […] Enxugava as mãos entorpecidas, lentamente, e quase não sentia as escoriações” (A, p.256-57), “esfreguei a cara com a mão estragada” (A, p.261).

Luís da Silva vai dando mostras de fatos já passados, mas que ainda serão narrados.  Aqui vale um parêntese: Luís da Silva sabe o que acontecerá, pois trata-se de uma “autobiografia” do narrador. Contudo, Graciliano demonstra que para um narrador moderno é inviável e impossível manter aquela linearidade causal vista nos romances do século XIX. Desse modo, Luís da Silva relata aquilo que vem a sua consciência sem se preocupar se tem ligação direta com a sua fala. É com esse recurso que Graciliano mostra na estrutura o pensamento confuso do personagem. Muitas pessoas que farão parte da narrativa são citadas nas primeiras páginas sem descrições que os esclareçam para o leitor, o próprio narrador nos relata como elas vão aparecendo: “Luís da Silva, a caminho da repartição, lesando, pensando em defuntos” (A, p.27). Defuntos, no caso, são os personagens que fizeram parte do seu passado. Embora sejam tratados como defuntos, eles têm um papel de muita importância na sua vida presente.

Um exemplo claro desta representação é que ao mesmo tempo em que o narrador-personagem está falando sobre um determinado assunto, com a técnica da “livre associação de idéias”, ele muda sem nenhuma demarcação. Apesar da palavra livre, esta associação tem um sentido dentro do texto. Um bom exemplo é a passagem no começo do livro quando Luís escrevendo sobre sua vida profissional lembra de Marina e de repente ele volta ao momento da enunciação e depois retorna a um passado mais longínquo:

Quinhentos mil-réis de ordenado. Com alguns ganchos, embirava uns setecentos. Podia até casar. Casar ou amigar-me com uma criatura sensata, amante da ordem. Nada de melindrosas pintadas. Mulher direita, sisuda. Passar a vida naquela insipidez, agüentando uma criada surda, reumática, cheia de manias!
– Ó Vitória, gritei ao ouvido da velha, quem é essa gente que chegou aí ao lado?
Vitória não sabia. Tentei ler um artigo político de Pimentel, mas estava distraído, pensava em Berta, na neta de d. Aurora e na rapariga do Cavalo-Morto. Deitei-me cedo. (A, p.46).

Neste trecho, podemos observar que da descrição de sua situação financeira, que o possibilitaria constituir família, ele começa a descrever uma mulher que não serviria para o matrimônio, daí, vem a lembrança de sua ex-noiva Marina, pois esta não era uma amante da ordem, uma vez que ela rompeu as normas que Luís da Silva herdou do avô Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva. Adiante, ele transfere sua narrativa para o momento presente e fala sobre sua vida insípida e do que tem que agüentar, “uma criada surda, reumática, cheia de manias!”, para só aqui percebermos que ele já não descreve a mesma pessoa que antes, mas sim D. Vitória. No último parágrafo, o narrador recupera outros passados, todos relacionados a mulheres com quem teve uma aproximação: a alemã Berta, prostituta, fora a primeira mulher “bonita e limpa” com quem teve relação sexual; a neta de D. Aurora, que tentou um contato amoroso, mas já no primeiro encontro desiste por questões financeiras; e a rapariga do Cavalo-Morto, outra prostituta com quem teve um encontro rápido, para voltar novamente ao momento presente.

Aqui podemos já notar que existe um ódio por mulheres pintadas, e isto só vai ser clareado ao longo do texto quando conhecemos Marina. Quando se reporta à segunda vez em que viu Marina [ii], e ele a descreve de modo mais detalhado, nota-se esse sentimento:

O vulto que se mexia não era a senhora idosa: era uma sujeitinha vermelha, de olhos azuis e cabelos tão amarelos que pareciam oxigenados. […]
– Sim senhor, disse comigo, muito poética, aí entre as roseiras, com os cabelos pegando fogo e a cara pintada. […] Virava a página muitas vezes, e quando isto acontecia, olhava, fingindo desinteresse, a mulher dos cabelos de fogo. Tinha as unhas pintadas.
– Lambisgóia! (A, p.40)

Ainda no que concerne a Marina, é possível vermos uma relação com Madalena, personagem de grande importância no romance São Bernardo. Madalena é relacionada por João Luiz Lafetá, em O mundo à revelia (1996), ao “dínamo emperrado”, uma vez que o dinamismo de Paulo Honório é travado com a não reificação de sua atual esposa, Madalena. Essa pedra no meio do caminho também pode ser vista na vida de Luís da Silva, uma vez que andava tudo muito bem com o personagem que, de neto de fazendeiro, passou a ser mendigo e agora estava conseguindo estabilizar-se financeiramente com o emprego na repartição pública, juntando um ordenado, “os meus negócios iam equilibrados, os chefes me toleravam, as dívidas eram pequenas’” (A, p.39), que o possibilitaria o matrimônio, como o vimos na citação da página 46, até ele encontrar com a filha do seu Ribeiro.

Um fato que também comprova a estrutura muito bem arquitetada do romance, mostrando que nada é gratuito dentro da narrativa e que só vamos compreendê-lo quando conhecermos a história completa, é o esbarro de Luís da Silva com a mulher grávida. Embora ele esteja acostumado a encontros, devido seu andar distraído, essa mulher lhe chamou tanto a atenção que são dedicadas cinco páginas para o relato do acontecimento. Notando que tal fato é narrado antes da narrativa de como o narrador tomou conhecimento da gravidez de sua ex-noiva, transcreveremos em seguida algumas partes:

A pessoa a que me referi surgiu de supetão entre a rua 1º de Março e a rua do Comércio. Eu ia dobrar a esquina, ela vinha em sentido contrário – e foi uma colisão feia. A aba do meu chapéu de palha bateu-lhe na testa, provavelmente feriu-a.
– Perdão! Perdão!
Dei um passo pra trás e distingui uma criatura enorme que também havia recuado com o choque e estava diante de mim, a mão cobrindo um dos olhos, onde tinha batido a aba do chapéu. […] Era uma mulher gorda, amarela, mal vestida, com uma barriga monstruosa. Não sei como podia andar na rua conduzindo aquela gravidez que estava por dias. A saia, esticada na frente, levantava-se exibindo pernas sujas e inchadas. (A, p.160)

Esta história que aparentemente não tem nenhuma relação com o que foi narrado até então funciona como certo prelúdio para a gravidez de Marina, já que diante de vários encontrões somente este é selecionado por sua memória. Fica evidente a sua revolta com a mulher só porque ela está grávida, “não sei como podia andar na rua conduzindo aquela gravidez que estava por dias”. Ele via nesta mulher de “pernas sujas e inchadas” Marina daqui a alguns meses ou anos, tanto que mais adiante “findo o primeiro encontro, aquela figura me provocara cócegas na garganta e um desejo idiota de rir” (A, p.161). Esse riso vem do fato de Marina ter feito a escolha errada ao substituí-lo por Julião Tavares, já que ela só abandonou o ex-noivo pensando que teria uma vida de luxos, de riquezas. Contudo, depois de grávida, Tavares nem sequer foi visitá-la, deixando-a na miséria como a grávida da colisão.

Esta idéia de que Luís da Silva associou Marina com a mulher grávida – por isso a narração desse fato – se solidifica ainda mais quando ele projeta como seria a vida de uma gestante do subúrbio:

Era do tipo da mulher do subúrbio mesquinho, que varre a casa, lava as panelas e prega os botões com as dores do parto, pare sozinha e se levanta três dias depois, vai tratar da vida. Vida infeliz, vida porca. O homem para um lado, ela para outro, arrastando a filha pequena, a barriga deformada, estazando-se, agüentando pancadas nos olhos (A, p.161).

Aqui, vê-se mais algumas semelhanças entre as duas “barrigudas”, como a de morarem num “subúrbio mesquinho”, de serem mães solteiras e a de terem que fazer os serviços domésticos e trabalharem para manter o orçamento familiar.

Observando que Luís da Silva ainda não tinha narrado a gravidez de Marina, evidencia-se a mistura dos tempos presente, passado e futuro. Presente é o momento da escrita, o passado é o da colisão, e o futuro é o futuro do passado, visto que ele passa a imaginar, reportando-se ao passado, como será Marina, ou seja, através de suas experiências passadas ele vai projetar um futuro. É evidente, assim, que a consciência do presente não existe desvinculada do passado, pois, no momento em que ele descreve um fato do passado, coloca suas impressões do presente.

O que queremos demonstrar é que não há como narrar uma história sem a interferência do passado, visto que nossa consciência é construída pelo que vivemos e pelo que pretendemos viver. O passado só vem à tona no presente caso seja vantajoso. Conforme Bergson (2006, p.171), a consciência rejeita tudo o que é supérfluo para “obter aquilo que é útil para o momento presente”. Desse modo, a memória de Luís da Silva só selecionou dentre tantos outros esbarrões o da mulher grávida porque esse tem uma função dentro de sua narrativa.

Existem trechos no romance que o narrador marca sutilmente a mudança do tempo, como num trecho em que ele se encontra dentro do bonde:

Às vezes há diversos ancorados. Rolam bondes para a cidade, que está invisível, lá em cima, distante. Vida de sururu.
Há quinze anos era diferente. O barulho dos bondes não deixava a gente ouvir o sino da igreja. O meu quarto, no primeiro andar, era um inferno de calor. (A, p.11, grifo nosso).

Saindo do momento presente, com a ajuda de um estímulo exterior – a figura do bonde – ele regressa ao passado de quando morava na pensão de D. Adélia.

Apesar de encontrarmos trechos onde os tempos são sutilmente marcados, a grande maioria não segue esta norma. Como mostrou muito bem Rui Mourão (2003, p.96), “o próprio personagem a certa altura se confunde, sem condições para decidir, no primeiro momento, se está no presente ou no passado”. Como no relato seguinte: “entro no meu quarto, procuro um refúgio no passado […] Fumo. Assisto a uma discussão do barbeiro André Laerte com o negociante Filipe Benigno. As palavras me chegam quase apagadas, destituídas de senso” (A, p.24). Nesta passagem não sabemos se o narrador fuma no passado e/ou no presente, se a discussão está ocorrendo no momento em que o narrador fuma ou se ele está lembrando da discussão enquanto fuma. Esta confusão se dá porque André Laerte e Filipe Benigno são pessoas que fazem parte de sua infância. Assim, fica salientado a confusão que é o pensamento de Luís da Silva.

Sustentando a idéia de John Gledson (2003, p.208) de que “Angústia não é, da parte de Luís, o produto consciente de uma intenção artística, mas ele o ‘escreve’ mesmo assim”, acreditamos que Graciliano retratou muito bem com o personagem-narrador a concepção moderna sobre a realidade do homem. Uma vez que nesse novo pensamento, os tempos passam a ser vistos não mais como imutáveis, mas sim percebidos em suas influências recíprocas, isto é, não é mais como coisa morta que entendemos o passado. Como destacou Maria Cristina Franco Ferraz (2007), a partir de Bergson, o virtual passa a influenciar o real, fazendo com que esse tenha uma grande parcela de virtualidade. Desse modo, não há como falar do presente sem que o passado e o futuro estejam nele impregnados.

Abrindo um parêntese de grande valor, vale notar que nesta obra é possível reconhecermos uma característica do pensamento moderno que é o pensar sobre o próprio fazer. Como afirma John Gledson (2003, p.206-207), “em Angústia, a condição socialmente comprometida da literatura vem ao primeiro plano […] Na primeira página do romance, os livros e seus autores são vistos como prostitutas, e somos brindados muitas vezes com diatribes contra os literatos locais”.

Luís da Silva é um escritor habilidoso que não aprofundou seu estudo, mas sempre gostou de ler romances e pode “com facilidade, arranjar um artigo, talvez um conto” e por isso vendia seus escritos para manter o ordenado. Com os livros “idiotas” que tinha que ler ele se animava ainda mais a escrever, “se não fossem eles, nem sei quem se atreveria a começar” (A, p.39). Ele via a linguagem como uma coisa natural, como o faz na sua própria narração, mas tinha que suportar os jornais elogiando livros que não têm valor e são aclamados só porque seus autores afirmam – como Julião Tavares – “em linguagem pulha que o Brasil é um mundo” (A, p.60).

Julião Tavares – denominado pelo narrador-personagem como “literato e bacharel” porque o primeiro encontro entre os dois foi num sarau que aconteceu no Instituto Histórico, onde Tavares declamava poesias ufanistas – vai demonstrar o estilo retórico de grande parte de nossa literatura até então vigente. Como demonstra Bulhões (1999, p.96), “a crítica à linguagem direciona-se para o estilo de Julião Tavares naquilo em que ele se identifica com o tom pomposo, com a re-utilização de termos desgastados, com a adjetivação esperada, como o chavão”.

No livro de Graciliano Ramos pode-se perceber através da oposição entre a narração de Luís da Silva e a crítica à Julião Tavares a concepção da literatura para o autor. A metalinguagem existente dentro do romance prega a eliminação ou depreciação de uma retórica ornamental, “fofa”, além de instigar uma reflexão permanente sobre o próprio fazer literário. Nesse sentido, para Bulhões

trata-se de uma atitude desmistificadora da linguagem estereotipada, beletrista, vinculada ao movimento ideológico que consiste em substituir a realidade dos fatos vivos por uma apoteose verbal. Não basta a recusa do estilo derramado, dos clichês e dos recursos “embelezadores” do texto – tão em voga na produção literária de seus contemporâneos –, mas o que essa negação possibilita em termos de explicitação do ideológico. Não interessa ao escritor apenas evidenciar uma oposição às formas estereotipadas, a utilização ideológica subjacente a essas formas. Desse modo, parece haver uma incorporação às avessas da linguagem estereotipada para a discussão no seio ideológico, o que se dá, inclusive, pela paródia (BULHÕES, 1999, p.161).

Dentro de Angústia podemos perceber, através da incorporação do texto de Julião Tavares, tudo aquilo que não era bem visto por Graciliano. Luís da Silva relata o discurso de seu rival como uma gordura, “a enxurrada cobria-se de nódeas de gordura, que se alastravam”, assim fica claro a contradição entre a expressão lingüística “natural”, servindo-se da oralidade, e a expressão “artificial”, que re-utilizava discursos estereotipados. Luís da Silva só usava o discurso natural, mas era obrigado a usar a linguagem artificial no seu trabalho.

Para fechar este parêntese vale ainda notar que o livro pode ser considerado como uma válvula de escape para o personagem, pois engenhosamente Graciliano demonstrou que a literatura serve para os escritores como uma forma de enfrentar o mundo vivido. Em forma de confissão, Angústia se torna necessário, pois auxilia o narrador-personagem diante de seu grande problema, viver no presente e compreendê-lo, ao mesmo tempo em que se mostra inútil, já que não é possível chegar a nenhuma solução. Essa inutilidade, noutro plano, demonstra também o pensar sobre o próprio fazer, uma vez que toda obra de arte tem um teor moralizante, mesmo que essa defenda a eliminação da moral vigente, mas, na sociedade em que vivemos a literatura foi jogada de lado, tornando-se apenas fetiche.

Voltando ao tempo no romance, reconhecemos que é através do monólogo interior que vemos o imbricamento entre presente e passado, um exemplo disto fica evidente nas últimas páginas, após o assassinato de Julião Tavares. E essas páginas são, conforme Antonio Candido (2006 p.116), um “dos passos mais belos da nossa prosa contemporânea”. Porém, é possível observar este imbricamento em muitas outras passagens, como no momento em que Luís da Silva, voltando mais cedo da repartição, encontra Julião trocando olhares com Marina, que na época ainda era sua noiva. “À janela da minha casa […] Julião Tavares pregava os olhos em Marina, que, da casa vizinha, se derretia para ele, tão embebida que não percebeu a minha chegada” (A, p.91).

Estremeci. Os meus dedos contraíram-se, moveram-se para Julião Tavares. Com um salto eu poderia agarrá-lo.
Pensei em seu Evaristo e na cobra enrolada no pescoço do velho Trajano. Parei no meio da sala, aterrado com a imagem medonha que me apareceu. O pescoço do homem estirava-se, os ossos afastavam-se, os beiços entreabriam-se, roxos, intrumecidos, mostrando a língua escura e os dedinhos de rato.
– Está doente? Perguntou-me Julião Tavares (A, p.94).

Nota-se que o narrador mistura suas lembranças de seu Evaristo e da cena em que a cobra enrola-se no pescoço de seu avó com o momento presente, “parei no meio da sala”, e com um desejo (futuro) de estrangular seu rival. Este desejo vai crescendo aos poucos durante todo o texto, mas aqui isto fica claro por causa da figura de seu Evaristo, visto que mais adiante o narrador nos conta que este se suicidou com uma corda no pescoço [iii], “[…] encontraram seu Evaristo enforcado num galho de carrapateira” (A, p.188). Como o próprio narrador deixa evidente, “lembro-me de um fato, de outro fato anterior ou posterior ao primeiro, mas os dois vêm juntos. E os tipos que invoco não têm relevo. Tudo empastado, confuso” (A, p.18).

Percebe-se ao menos mais duas características que estão ligadas, além da mistura dos tempos no trecho transcrito, que é de suma importância para nossa leitura. Primeiro, o futuro que estamos falando é o desejo construído devido suas imagens-lembranças e que estamos inclinados a realizar, ou seja, conforme Bergson (2006), é através de suas vivências e do momento presente que ele vai projetar a concretização de algo que anseia. Aqui, vemos que a experiência da infância do narrador, as imagens de quando encontrou seu Evaristo morto com a língua fora da boca, que se vai misturando com a vontade de aniquilar Julião Tavares [iv], considerado um rato: “Tavares e Cia., negociantes secos e molhados, donos de prédios, membros influentes da Associação Comercial, eram uns ratos [v]. […] Esse Julião, literato e bacharel, filho de um deles, tinha os dentes miúdos, afiados, e devia ser um rato, como o pai” (A, p.53). Segundo, esta recuperação do passado pode ser vista como uma fuga do presente, da realidade social em que o narrador-personagem se encontra, já que o passado permite

apagar o outro porque remete a uma ordem em que tudo está em seu lugar e, portanto, não há infelicidade. Quitéria era bruta, e isso consistia uma felicidade para ela. Os moradores mais pobres não se queixavam – devia estar tudo bem com eles. Não há sequer, para Luís da Silva, a possibilidade de haver dor humana – exceto as suas próprias. Mas elas não estavam presentes quando aquela ordem vigorava (BUENO, 2006. p.624).

Luís da Silva é um representante da aristocracia decadente que não consegue se estabelecer no novo sistema da classe média urbana que começa a dominar os setores da sociedade devido à força com que as indústrias vêm crescendo. Conforme Lúcia Helena Carvalho (1983, p.71), o narrador-personagem “sabendo-se historicamente herdeiro legítimo do lugar privilegiado no sistema antigo, vê, no presente, seu direito de herança irreconhecido e o seu lugar conseqüentemente usurpado”. A quebra de transferência de poder que vinha sendo mantida pela oligarquia rural pode ser simbolizada pela diminuição dos nomes na família Silva, que de Trajano Pereira Aquino Cavalcante e Silva, é reduzido a Camilo Pereira da Silva e Luís Pereira da Silva. No novo sistema político a transferência paternalista de poder não acabou, pois, os setores privilegiados ainda mantêm a família no comando, como é o caso de seu rival que tem um lugar à elite burguesa por causa da empresa de seu pai, Tavares & Cia. Apesar do sobrenome não indicar mais a posição social, relações continuam sendo marcadas pelo fator econômico.

Assim, Luís da Silva vive na outra ordem e se coloca numa posição de inferioridade, o que ordinariamente lhe causa desconforto, vivendo como “bicho do subterrâneo”, voltando-se para seu interior. Ele chegou ao ponto em que percebe que a Revolução não é possível, não existe mais nada que ele possa fazer para modificar a situação do país. O que estava a seu alcance fora feito sem nenhum êxito, a saber, publicar artigos contra o Governo. A única saída é evadir-se, colocando-se à margem para que não tenha que conviver com ninguém, principalmente com Julião Tavares, que simboliza a burguesia brasileira e é entendido no livro, segundo Candido (2006, p. 115-16), como “uma espécie de duplo de Luís da Silva; encarnando a metade triunfante que lhe falta, é suscitado pelo vulto que o sentimento de frustração adquire na sua consciência”.  Ao mesmo tempo em que Luís da Silva, pequeno burguês, quer aniquilar Julião Tavares, grande burguês, inveja-o querendo chegar a seu posto para principalmente poder conquistar Marina.

Observando o fragmento abaixo quando Luís da Silva descobre que sua ex-noiva engravidou-se do rival,

isto me cortava o coração e aumentava o meu ódio a Julião Tavares. Vi-o claramente como o vi na tarde em que o surpreendi à minha janela, derretendo-se para Marina. Atrapalhado, procurara tapear-me com adulações. Eu resmungava pragas obscenas e andava de uma parede a outra, sentia desejo imenso de fugir, pensava na fazenda, em Camilo Pereira da Silva, em Amaro vaqueiro e nas cobras, especialmente numa que se enrolara no pescoço do velho Trajano (A, p.167).

Fica evidente que diante de problemas ele recorre ao passado, “sentia um desejo imenso de fugir, pensava na fazenda”, ao mesmo tempo em que é nele onde o narrador vai buscar suas forças para enfrentar o presente, principalmente Julião, pois, como afirma Carvalho (1983, p.44), “movido pelos exemplos de homens fortes, cangaceiros e jagunços, heróis do mundo sertanejo, Luís da Silva cumpre a tradição cultural da tocaia” quando assassina seu rival. Outro motivo dessa constante fuga pode ser visto, no plano do autor, como um recurso de Graciliano para explicar o que se passa no presente com o personagem.

Outro exemplo desta recorrência ao passado, para viver nas suas sensações, ocorre no início do livro quando ele não agüentando mais as pessoas com quem tem que conviver se refugia na infância:

Rua do comércio. Lá estão os grupos que me desgostam. Conto as pessoas conhecidas: quase sempre até os Martírios encontro umas vinte. Distraio-me, esqueço Marina, que algumas ruas apenas separam de mim. Afasto-me outra vez da realidade, mas agora não vejo os navios, a recordação da cidade grande desapareceu completamente. O bonde roda para oeste, dirige-se ao interior. Tenho a impressão de que ele me vai levar ao meu município sertanejo. E nem percebo os casebres miseráveis que trepam o morro, à direita, os palacetes que têm os pés na lama, junto ao mangue, à esquerda. Quanto mais me aproximo do Bebedouro mais remoço. Marina, Julião Tavares, as aponquetações que tenho experimentado estes últimos tempos, nunca existiram.
Volto a ser criança, revejo a figura do meu avô, Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva, que alcancei velhíssimo. (A, p.12/13. Grifo nosso).

Nesta passagem vale salientar que, mesmo estando no início do romance, Luís da Silva já percorreu tudo o que vai ser narrado sobre Julião Tavares e Marina. Para não ter que enfrentar sua situação atual ele afasta-se da realidade, voltando à infância onde “as aponquetações que tenho experimentado estes últimos tempos, nunca existiram”. Essa tendência de viver no passado impede que Luís da Silva se adapte à sociedade. A volta do parafuso para o passado só retorna ao presente, rapidamente, para descrever o fim da linha do bonde, que é justamente o lugar onde seu rival será assassinado: “o foco de iluminação pública, espaçados, cochilando, piongos como luzes de cemitério; um palácio transformado em albergue de vagabundos; escuridões, […] e, de longe em longe, através de ramagens, pedaços de mangue cinzento […] Os postes cintados de branco passam correndo” (A, p.14). Após a brevidade com que descreve o último ponto do bonde, ele volta a girar o parafuso continuando com lembranças de quando vivia com seu avô Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e só retorna para o momento da enunciação (curiosamente no quintal onde conhecerá Marina) depois de uma pausa que marca nova parte dentro do romance.

De acordo com Bergson (2006, p.161), o homem bem adaptado à vida é aquele que consegue equilibrar bem suas sensações vividas e suas ações motoras, ou seja, nosso presente é “sensação e movimento ao mesmo tempo; e, já que meu presente forma um todo indiviso, esse movimento deve estar ligado a essa sensação, deve prolongá-la em ação”. Isto é, nossas decisões são tomadas a partir de experiências vividas e são elas que vão mover nosso presente em direção a um futuro desejado. Por isso, nosso presente é “sensório-motor”. Ou seja, é com o resgate consciente ou não de nossas imagens-lembranças que agimos, movimentamos, em direção a um futuro imediato. É assim que conseguimos o equilíbrio que nos adaptará às situações presente e à vida.

Luís da Silva é um exemplo de pessoa não adaptado à vida porque ele vive no passado, com suas sensações, impossibilitado de realizar alguma ação, “um roubo que nunca tive coragem de praticar” (A, p.120), e quando ele vai tentar reequilibrar-se, através do assassínio, ele se deixa levar totalmente por suas impulsões, como fica claro no trecho abaixo:

Fui até o fim da linha e parei. […] Apenas não me deteria diante dos postes cintados de branco. Nessas marchas compridas a que me habituei – um, dois, um dois, – a fadiga adormece e quase não penso. Exatamente como se uma vontade estranha me dirigisse, um sargento invisível que se descuidasse do exercício e fosse pelo campo, embrutecido pela cadência – um, dois, um dois, – esquecido da voz do comando, pensando nos versos de um Julião Tavares ou nos bilhetes de outra Marina. Ando meio adormecido. Se alguém me gritasse: – “Á direita, à esquerda”, volveria à direita, volveria à esquerda, sem procurar saber donde partia a ordem. Por que à direita? Por que à esquerda? Poderia ser meia volta (A, p.228).

O personagem-narrador está sendo levado pelo impulso e não sabe para onde ou para quê. O que ele faz é seguir suas vontades instintivas. É como se este sargento fosse todo o ódio que ele vem acumulando desde sua infância e que explodirá agora com o enforcamento de Julião Tavares.

O desequilíbrio entre sensação e ação contribui para esta inadaptação de Luís da Silva à vida e à sociedade. Pois, conforme Bergson (2006, p.179), “viver no presente puro, responder a uma excitação através de uma reação imediata que a prolonga, é próprio de um animal inferior: o homem que procede assim é um impulsivo”, e outro extremo não está mais adaptado à ação, já que viver no passado, “no qual as lembranças emergem à luz da consciência sem proveito para a situação: este não é mais impulsivo, mas um sonhador”.

Logo, consideramos que o presente do narrador-personagem não é “sensório-motor”. Ou ele está nas sensações passadas, nas lembranças, e vive como um sonhador (maior parte da narrativa), ou ele vive no presente “puro”, respondendo excitação através de uma reação imediata que prolonga, comportando-se como um impulsivo (quando exerce o crime, por exemplo).

Em carta, em forma de agradecimento, a Antonio Candido pelos artigos sobre seus livros, Graciliano avaliou Angústia como um livro mau feito, com páginas ilegíveis:

Angústia é um livro mal escrito. Foi isto que o desgraçou. Ao reeditá-lo, fiz uma leitura atenta e percebi os defeitos horríveis: muita repetição desnecessária, um divagar maluco em torno de coisinhas bestas, desequilíbrio, excessiva gordura enfim, as partes corruptíveis tão bem examinadas no seu terceiro artigo. É preciso dizermos isto e até exagerarmos as falhas: de outro modo o nosso trabalho seria inútil (CANDIDO, 2006, p.10) [vi].

Contudo, é justamente onde o escritor enxerga suas falhas que reconhecemos a grandiosidade de seu romance. O que ele chama de “repetição desnecessária”, as constantes voltas de Luís da Silva para o passado, às vezes demorando mais, às vezes menos, pode ser visto como alusão à desordem do pensamento de Luís da Silva, já que este narrador-personagem é alguém que se pode dizer que “entrou em parafuso”.

Referências

BERGSON, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 3º ed., tradução Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BUENO, Luís. “Introdução”; “Diante do outro: Angústia”. In: Uma história do Romance de 30. São Paulo: editora USP; Campinas: editora Unicamp, 2006.

BULHÕES, Marcelo Magalhães. Literatura em campo minado: a metalinguagem em Graciliano Ramos e a tradição brasileira. São Paulo: Annablume: FAPESP, 1999.

CANDIDO, Antonio. “Prefácio”; “Ficção e Confissão”; “Os bichos do subterrâneo”. In: Ficção e Confissão. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.

CARVALHO, Lúcia Helena. A ponta do novelo: uma interpretação de Angústia de Graciliano Ramos. São Paulo: Ática, 1983.

FERRAZ, Maria Cristina Franco. A evolução criadora, de Henri Bergson. Sua atualidade em cem anos. IHU-online: Revista do Instituto Humanitas Unisinos. São Leopoldo, v. 237, 24 de setembro de 2007. Disponível em <http://www.unisinos.br/ihu/uploads/publicacoes/edicoes/1190665307.34pdf.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2009.

GLEDSON, John. “O funcionário público como narrador: O amanuense Belmiro e Angústia”. In: Influências e impasses: Drummond e alguns contemporâneos. Tradução de Frederico Dentello. São Paulo: Cia das Letras, 2003.

LAFETÁ, João Luiz. “O mundo à revelia”. In: São Bernardo. 65.ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.

MOURÃO, Rui. “Angústia”. In: Estruturas: ensaio sobre o romance de Graciliano. Curitiba: editora UFPR, 2003.

RAMOS, Graciliano. Angústia. 61.ed. Rio de Janeiro – São Paulo: Record, 2005

 

[i] A partir de agora toda referência a Angústia (2005) aparecerá abreviada como A.

[ii] Luís da Silva narra o momento em que conhece Marina pela primeira vez no seguinte trecho: “Foi entre essas plantas que, no começo do ano passado, avistei Marina pela primeira vez, suada, os cabelos pegando fogo” (A, p.19).

[iii] Embora na página 18 Luís da Silva remeta rapidamente ao fato, “Vejo a figura sinistra de seu Evaristo enforcado e os homens que iam para a cadeia amarrados de cordas”, nas página 116 a 118 que ele nos mostra o porquê e como aconteceu este suicídio.

[iv] O que ajuda a comprovar também nossa idéia que Luís da Silva durante sua narrativa vai nos dando mostras do que acontecerá.

[v] Para ver o que representa a figura do rato no romance, Antonio Candido (2006) e Lucia Helena Carvalho (1983).

[vi] Sabemos que é preciso desconfiar de todas avaliações de escritores modernos sobre sua obra. Neste caso mais ainda, já que em outra entrevista Graciliano declara Angústia como seu livro de que mais gostou.

 

Artigo submetido em 05/08/2009 e aprovado em 14/09/09.