Cesário Verde: o moderno de Baudelaire, o contemporâneo de Agamben

Joacy Ghizzi Neto

RESUMO: O presente ensaio tem como objeto principal poemas escolhidos da obra do poeta português Cesário Verde (1855-1986). O foco da análise será uma comparação da poética de Cesário em relação às aspirações dos movimentos literários da época, no caso, principalmente a “Geração Coimbra” ou “Geração 70” via Antero de Quental. O ensaio abordará também a questão da recepção pela crítica e público leitor em geral de Cesário Verde no Brasil e na sua própria pátria portuguesa. Através dos conceitos de moderno, proposto por Baudelaire, e posteriormente o de contemporâneo, defendido por Giorgio Agamben, elaborei uma proposta de leitura que coloca Cesário Verde em uma relação tensa com seu próprio tempo, sem abraçá-lo ou rejeitá-lo em absoluto.

PALAVRAS-CHAVE: Cesário Verde, poesia portuguesa, modernidade.

ABSTRACT: The present essay has as principal object chosen poems from the Portuguese poet Cesario Verde (1855 1986). The focus of analysis is a comparison of Cesario’s poetry in relation with the issues of the literary currents of his time, in that case especially the Coimbra Generation or 70’s Generation via the poet Antero de Quental. The essay analyses as well the question of the reception by the literary criticism and the regular readers of Cesario Verde in Brazil and on his Portuguese nation. Through the concepts of modern, developed by Baudelaire, and the concept of contemporary, proposed by Giorgio Agamben, I have elaborated a reading proposal that puts Cesário Verde in a tense relation with his own time, with no adoration or rejection to it in absolute.

KEYWORDS: Cesario Verde, Portuguese poetry, modernity.

 

Neste ensaio, me proponho a ler o poeta português Cesário Verde e algo de outros dois tradicionalmente considerados seus contemporâneos, Antero de Quental e Guerra Junqueiro. Cesário é mais um daqueles não lidos em sua época. Rechaçado pela crítica literária e por editorais da época, não gozou de reconhecimento algum nem viu um livro sequer seu publicado. Interessa-me então ler estemais um afim de analisar o que há de singular neste poetae minore, e compreender a partir de seus versos que motivos o teriam levado a não ser bem recebido por seus leitores e nem-leitores contemporâneos, enquanto Antero de Quental e Junqueiro Guerra, por exemplo, já gozavam de prestígio.

Em meados do século XIX, o poeta Charles Baudelaire ensaiava reivindicando sua concepção de Modernidade. A partir da figura do retratista Constantin Guys, Baudelaire elabora uma crítica acerca da produção artística de sua época, moderna, para afirmar que nem todos modernos produzem de forma moderna. Afirma Baudelaire que se pode amar a beleza do clássico, mas não se deve negligenciar a beleza particular, de circunstância, e a pintura de costumes. O artista deve manter o olhar – “animalmente estático” – em seu tempo, como o da criança alegre diante do novo (BAUDELAIRE, 1996, p.19) para apreender seu vestuário, seus gestos, ou seja, seu modus de relacionar-se com o próprio tempo e assim poder extrair-lhe seu belo circunstancial. Ou seja, Baudelaire relativiza o olhar diante do belo, agora não mais absoluto ou ideal. Sem este olhar para o presente, a ideia de belo da época, impregnada em sua moda, é impossível.

Há então uma dualidade de elementos do belo na arte: construído de um elemento eterno e invariável, e de outro elemento relativo, circunstancial à época: a moda, a moral e a paixão. Baudelaire propõe ainda uma separação do belo como sendo aquele primeiro elemento a alma, aquilo que subsiste, e o segundo, o corpo, matéria efêmera. Assim, Baudelaire propõe sua teoria, histórica e racional, do belo em oposição à teoria do belo único e absoluto. Aqui, se o poeta propõe uma leitura histórica, não me parece para ancorar-se somente na História como disciplina auto-suficiente, mas sim para construir uma idéia de belo contingenciado, desmistificando a idéia de belo como um valor imutável e universal.

Carlos Felipe Moisés recorda que Cesário Verde não chegou ao Brasil junto com seus contemporâneos Antero de Quental e Guerra Junqueiro. Os dois últimos foram recepcionados na sua própria época, final do século XIX, já cultuados em Portugal quando escreviam preocupados com o passado e futuro do país. Faziam parte da chamada “Geração Coimbra”, que pretendia refundar Portugal política e ideologicamente, através também da literatura. Nas palavras de Eça de Queiroz, pretendiam “acabar com o catolicismo e monarquismo”. Eram então combatentes ao Romantismo vigente, que estaria descompromissado com o novo projeto para Portugal.

Cesário foi lembrado em Portugal de forma contundente após o poema de Alberto Caeiro (Pessoa), que cita o poeta no primeiro poema do seu livro “O guardador de rebanhos”

[…]
A entardecer, debruçado na janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
[…]
(PESSOA, 2006, p. 34)

Ou seja, é preciso a legitimação/canonização literária a partir de versos de Fernando Pessoa para que Cesário ganhe a devida atenção em Portugal. No Brasil, além da publicação em 1911 de “Vida Extinta” por Felipe d’Oliveira onde Cesário aparece, é somente em 1961, em João Cabral de Melo Neto, que Cesário aparece em um poema no seu livro “Serial”. Poema que descreve Cesário como um pintor:

Cesário Verde usava a tinta
De forma singular;
Não para colorir,
Apesar da cor que nele há.

Talvez que nem usasse tinta,
Somente água clara,
Aquela água de vidro
Que se vê percorrer a Arcádia.

Certo, não escrevia com ela,
Ou escrevia lavando:
Relaxava, enxaguava
Seu mundo em sábado de banho.

Assim chegou aos tons opostos
Das maças que contou:
Rubras dentro da cesta
De quem no rosto as tem na cor.
(CABRAL, 1979, p. 61)

Apesar de Baudelaire partir da figura de G., o “puro moralista pitoresco” (BAUDELAIRE, 1996, p.20), é possível extrapolar a figura de G. pintor moderno para um Cesário Verde pintor de poesia moderna. Baudelaire reivindica que o pintor da vida nas cidades não pode ser o mesmo pintor das coisas eternas, religiosas ou heróicas. A velocidade da época é a velocidade que o artista deve empregar em seu processo artístico. Cesário Verde pinta e poeta a vida ordinária das ruelas e calçadas que transitava em Lisboa em tensão com as próprias experiências estéticas do poeta. Cria na sua poesia um universo que a “pobreza” e a “banalidade” possuem vida. Em um trecho do poema “Cristalizações”, este universo que não cabia na poesia edificante de Antero e Junqueiro aparece:

Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,
Vibra uma imensa claridade crua.
De cócoras, em linha, os calceteiros[1],
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.

Como as elevações secaram do relento,
E o descoberto sol abafa e cria!
A frialdade exige o movimento;
E as poças d’água, como em chão vidrento,
Refletem a molhada casaria.
[…]
(CESÁRIO, 2008, p.43)

Cesário Verde não pretende que a poesia reconstrua Portugal, acompanha o processo do surgimento da cidade moderna a partir da construção de uma calçada — terreno dos transeuntes por excelência. Lugar este que só abandonava quando voltava para o campo para cuidar dos negócios – hortaliças e ferragens – que precisavam também ir, e o poeta voltar, para a cidade. Cesário Verde era um pequeno-comerciante que transitava entre o campo e a cidade. E é na cidade que se torna aquilo que Baudelaire acreditava não ser somente um artista, mas um “homem do mundo, homem das multidões e criança”, que é um enamorado pela multidão e pelo incógnito (BAUDELAIRE, 1996, p.15). A multidão da Lisboa de Portugal em relação à Paris da França é de proporção menor, mas suficiente para Cesário enamorar-se.

Baudelaire afirma que para o flâneur, “a multidão é como uma reserva de eletricidade”. Porém, assim como G, Cesário não pode ser umflâneur porque não aspira à insensibilidade. Cesário se lança nas andanças da cidade sem escudos, seja o escudo da Revolução (realismo) ou o do ego (romantismo), e aponta para a elaboração de uma poética andante, não ideal, mas capaz até mesmo de parar para interagir com os transeuntes. Em seu poema “Construção”, descreve um acidente de trabalho de um operário, que o patrão não permitiu que parassem de trabalhar seus camaradas para despedirem-se do corpo já morto, assim como o projeto da Geração 70 não podia parar. Cesário trava as engrenagens de seu tempo.

Segundo Moises, o eu de Cesário é moderno, despojado do tom confessional (romântico) ou declamatório (realista), se dissolve nacoletividade da vida urbana. É o eu insaciável do não-eu[2]. Nas palavras de Cesário, em carta ao amigo Silva Pinto: “O que me rodeia é o que me interessa”. Em um trecho do poema “Num bairro moderno”, este contato é fascinante:

[…]
O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
“Não passa mais ninguém!… Se me ajudasse?!…”

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantamos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

“Muito obrigada, Deus lhe dê saúde!”
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude,
Ou duma digestão desconhecida.
[…]
(CESÁRIO, 2008, p. 39)

As forças que surgem dessa “digestão desconhecida” são aquela reserva de eletricidade que a poesia encontra na multidão. É nesta possibilidade que Cesário apreende o que Baudelaire reivindicava: os modos, os trejeitos e os gestos das mulheres de sua época, que o dicionário de arte despreza, e que não podem ser encontradas no estudo de obras antigas. Surgem as diversas, diferentes, figuras que Cesário encontra e permite que impregnem sua poesia. São no mínimo inusitadas para a poesia da sua época: carpinteiros, costureiras, um operário que despenca de uma construção, lojistas, feirantes, uma engomadeira, dentistas. Mulheres descalças que pisam em carvão, trabalhando o dia inteiro no poema “O sentimento dum ocidental”, dedicado à Guerra Junqueiro:

[…]
Vazam-se os arsenais e oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomas as varinas[3]

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas!
E apinham-se num bairro por onde miam as gatas
E o peixe podre gera os focos da infecção!
(CESÁRIO, 2008, p. 70)

Cesário Verde não se filiou política, ideológica ou nem mesmo literariamente às aspirações da “Geração 70”. Influenciada pelo positivismo e materialismo, ou às influências do “socialismo utópico” de Antero de Quental ou de Eça de Queiroz, leitores da filosofia estética do anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Entretanto, a partir destes trechos dos seus poemas já não é possível considerá-lo como um artista apático ou apolítico – ou “alienado” como se diria no grosseiro jargão – em relação a seu tempo. Para Baudelaire, é preciso o poeta ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo. Este “oculto” tampouco pode ser ausente ou indiferente. Cesário mantém a distância necessária em relação ao seu tempo e suas aspirações, para resistir num olhar que desvia do centro para manter-se fixo numa margem – do centro urbano. Cesário é o contemporâneo proposto por Giorgio Agamben.

O filósofo italiano, entretanto, apresenta já a partir de 2000 seu ensaio “O que é o contemporâneo”. Tempo e estudo suficientes para superar algumas crenças do Modernismo, como sua obsessão ingênua pelo novo. O olhar do poeta, para Baudelaire, é o olhar fixo e animalmente estático, possível pela curiosidade profunda e alegre como a da criança diante do novo. Este “novo”, em Agamben, cede lugar ao escuro. Os dois autores propõem exatamente um olhar fixo. Baudelaire um olhar diante do novo de seu tempo, e Agamben um olhar diante das trevasde seu tempo.

Agamben defende que pertence verdadeiramente a seu tempo aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado as suas pretensões. Relação particular com seu tempo, esta discronia inatural é a possibilidade de perceber e apreender sua própria época. O contemporâneo não abraça alegremente seu tempo, tampouco tem saudades de algum outro, de alguma “Idade de Ouro” perdida. Não é nostálgico. Para Agamben, “o poeta – o contemporâneo – deve manter fixo o olhar no seu tempo, […], para perceber nele não as luzes, mas o escuro.”. É aquele capaz de “escrever mergulhando a pena nas trevas do presente.” (AGAMBEN, 2009, p. 62).

Para pensar o que seria este ver o escuro, Agamben resgata as contribuições da neurofisiologia, que nos conta que a ausência de luz ativa células periféricas da nossa retina, que entram em atividade para produzir essa sensação particular que é o que chamamos de escuro. Ver o escuro já não pode então ser considerado uma mera ausência de luz, mas a presença de outra atividade. É preciso então uma habilidade especial capaz de neutralizar as luzes que provem da época, para descobrir o escuro especial. Se Moisés, em sua leitura de Cesário o descreve como um poeta “obcecado pela luz” (MOISÉS, 2001 p. 201). Acredito que tal luz é, entretanto, de alguma forma também combatida pelo olhar do poeta, para ver justamente além, ou melhor, entre a luz:

[…]
E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a[4]:
Pôs-se de pé: ressoam-lhe os tamancos,
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.
[…]
(CESÁRIO, 2008, p. 38)

O olhar do poeta resiste à luz para poder ver outra possibilidade de sua época, distante das pretensões e heranças do Iluminismo, que ainda influenciavam a poesia portuguesa na época de Cesário. O poeta cria uma cesura no já perdido “Século das Luzes”, mas que se mantém como fantasma, para inserir seu tempo presente com uma imagem obscura. Uma mulher feia e descabelada a trabalhar.

Tanto o moderno de Baudelaire, como o contemporâneo de Agamben se constroem fundamentalmente na relação que o poeta estabelece com o seu próprio tempo. O gesto do poeta em relação aos gestos que o circunda. Gesto também na forma de lidar com a luz da época. A “luz” para Guerra Junqueiro e Antero de Quental era ainda força matriz, matéria fundadora a ser apropriada, para Cesário, a luz era um obstáculo. O modus de relacionar-se com a luz neste soneto de Antero é heróico:

A um poeta
Surge et ambula!

Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões
São teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
(QUENTAL, 1983, p. 185)

Antero cria a imagem de um corpo deitado, passivo e inerte, provavelmente como referência ao Romantismo da época, que estaria distante das questões emergentes de Portugal, e propõe que este corpo se mova, de acordo com a vontade dos “irmãos”, levante e lute, fazendo espada com os raios de luz do sonho puro. Nesta poesia[5] de Antero, ainda temos a idéia de uma poesia engajada e edificante da nação. A luz da glória cega o poeta, deixando seu realismo ainda embutido de idealismo romântico. Em nota introdutória à 1a ed. edição do livro “Odes Modernas”, o próprio Antero escrevia “Sobre a missão revolucionária da poesia”. Nota que diagnosticava certo marasmo político e moral da época, mas anunciava também a inevitabilidade da Revolução, e a poesia como sua porta-voz necessária: “a Poesia moderna é a voz da revolução – porque Revolução é o nome do sacerdote da história, o tempo, deixou cair sobre a fronte fatídica do nosso século” (QUENTAL. Apud: MACHADO, 1987. p.101). Para combater a contradição, que Antero aponta como o mal da época, pois perdeu sua capacidade de conservar “a fé e o calor das idéias revolucionárias”, finaliza então sua nota reivindicando:

[…] Reconstrução do mundo sobre as bases eternas da Justiça, da Razão e da Verdade, com exclusão dos Reis e dos Governos tirânicos, dos Deuses e das Religiões inúteis e ilusórias. […](QUENTAL. Apud: MACHADO, 1987. p.107)

Em seguida, Antero aponta para o que seria o pensamento das escolas mais avançadas da época, situadas na França e Alemanha. Reivindica autores como o primeiro auto-intitulado anarquista Proudhon (relido por Foucault e Deleuze), Quinet, Renan, Michelet, Heine e Taine. E é justamente Taine que recebe enfrentamento de Cesário Verde, ao referir-se à crítica literária e ao gosto literário médio de sua época, no seu poema “Contrariedades”:

[…]
O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A Crítica segundo o método de Taine,
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um désdem solene.

Com raras exceções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite, e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chuvisca, O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingênuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte. Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone[6]
[…]
(CESÁRIO, 2008, p. 32)

Neste poema, Cesário cria uma espécie de autobiografia literária, expondo os limites e a mediocridade dos meios de produção e circulação de arte, cultura e poesia da sua época, e sua consequente condição de poeta marginal. Enquanto Guerra Junqueiro pedia incansavelmente por mais luz, em sua obra “Oração à luz”: […] “Perpetuamente, ó luz, ó mãe, bendita sejas! […] (JUNQUEIRO, p. 44), Cesário se fundava como Prometeu alucinado, devolveu não o fogo aos homens, mas as trevas à poesia.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo, e outros ensaios; Tradução: Vinícius Nicasto Honesko. Chapecó: Argos, 2009.

BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade: o pintor da vida moderna. Organização: Teixeira Coelho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

CABRAL, João, Melo Neto. “O sim contra o sim”, Serial, in Poesia Completas, 3ed. Rio de Janeiro: 1979.

CAIEIRO, Alberto. [PESSOA, Fernando]  O guardados de rebanhos e outros poemas. São Paulo: Landy Editora, 2006.

CESÁRIO, Verde. O livro de Cesário Verde. Porto Alegre: L&PM, 2008.

JUNQUEIRO, Guerra. Vibrações Líricas. Porto: Lelo e Irmão Editores.

MACHADO, Pires A. M. B. Antero de Quental – prefácio e antologia. Angra do heroísmo; 1987.

MOISÉS, Carlos Felipe. O desconcerto do mundo: do Renascimento ao Surrealismo. São Paulo: Escrituras Editora, 2001.

QUENTAL, Antero. Antologia poética de Antero de Quental. Vila da Maia: Gráfica Maiadouro, 1983.

 

[1] Operário que faz empedramento de ruas, avenidas, praças, etc.

[2] IDEM, Ibidem. Op.cit. p.21.

[3] Vendedora de peixe em Lisboa. Nota na edição da LP&M.

[4] Grifo meu.

[5] No capítulo “O gênio que era um santo”, do livro “O desconcerto do mundo”, Carlos Felipe Moisés aponta para uma transição na obra de Antero, um primeiro momento de dogmatismo e um segundo de ceticismo. Atenho-me ao Antero da primeira fase.

[6] “P. Zaccone, romancista francês (1817-1895), autor melo-dramático.” Nota da L&PM.