A vaidade em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba: um motor de causa

Kleber Kurowsky

RESUMO: Este ensaio tenciona demonstrar a forma da qual a vaidade é utilizada nos romances Memórias Póstumas de Brás-Cubas eQuincas Borba como fator originário de grande parte das atitudes dos personagens, que é um dos sintomas gerados pela utilização de máscaras sociais, elemento dos mais presentes na obra machadiana.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura Brasileira; Machado de Assis; Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; Vaidade; máscaras.

ABSTRACT: This essay intends to show the way that the self-conceit is used in the novels Memórias Póstumas de Brás Cubas andQuincas Borba as the origins of many character actions, which is a symptom created by the use of social masks, a recurrent element in all Machado de Assis’ works.

KEY-WORDS: Brazilian Literature; Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; self-conceit; masks.

 

Machado de Assis descreveu com maestria as engrenagens sociais de um país que apenas começava a engatinhar e isso fez com que sua obra se tornasse um verdadeiro espelho da sociedade brasileira do século XIX. O bruxo era dotado de um olhar crítico e aguçado em relação ao povo brasileiro, fato que fica evidente ao ler qualquer obra de sua autoria. Seu conhecimento sobre o ser humano, entretanto, não se resumia apenas à sua operacionalidade no meio social, mas se estendia à sua própria natureza, compreendendo os objetivos e as estratégias que empregavam no decorrer da vida.

Machado de Assis emprega uma narrativa repleta de sutilezas, sofisticação e ironia para expor o ser humano, mas é importante atentar para o fato de que essa exposição nem sempre é feita de forma explícita; aliás, pouquíssimas vezes na literatura machadiana há elementos explícitos ou que possam ser captados em uma leitura mais superficial, pois o que há de grandioso em Machado de Assis (assim como em todo autor de renome) é o jogo de signos que se esconde sob a superfície aparente de suas obras. É justamente sob essa superfície que está um dos elementos mais presentes em toda a obra de Machado de Assis: o desejo – a necessidade – que os personagens têm de construir uma imagem perante o ambiente social no qual habitam. Desejo que é movido por uma diversidade de fatores externos, mas também, e não menos importantes, internos, como é o caso da própria vaidade. Como dito anteriormente, essa é uma questão presente em toda a literatura machadiana, mas é nos romances Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba que esses elementos são mais nítidos, funcionando como pontos centrais das obras, ao redor dos quais o restante do enredo orbita.

Para entender melhor, é pertinente trazer ao texto uma passagem do artigo A Máscara e a Fenda, de Alfredo Bosi:

Nos Contos Fluminenses e nas Histórias da meia-noite a maior angústia oculta ou patente, de certas personagens é determinada pelo horizonte de status; horizonte que ora se aproxima, ora se furta à mira do sujeito que vive uma condição fundamental de carência. (BOSI, 1982, p. 437)

Este trecho é dedicado a dois livros de contos que Machado de Assis publicou em vida, Contos Fluminenses e Histórias da meia-noite. Entretanto, ele pode ser adaptado ao universo romanesco compartilhado pelas obras Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba.

No narrador protagonista de Memórias Póstumas, por exemplo, as palavras de BOSI (1982) podem ser aplicadas. Brás é um típico representante da elite brasileira do século XIX, com direito a escravos, terras, dinheiro e ócio, mas junto a esses direitos vêm os deveres sociais que ele se vê impelido a cumprir, nem sempre em nível consciente para o próprio personagem. No capítulo XX, por exemplo (que trata da chegada de Brás a Coimbra em busca do título de bacharel), o personagem não apresenta preocupação alguma no que se refere a adquirir real conhecimento. Isso fica evidente pela passagem:

A Universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, — principalmente de saudades. (MACHADO DE ASSIS, 1881, documento eletrônico)

Este talvez seja um dos sintomas mais claros da vaidade social que a elite brasileira da época carregava. Observa-se que a preocupação do personagem está voltada para um único objetivo: o título. É apenas isso que o personagem realmente busca, mas é importante observar que não se trata de um traço característico exclusivo do personagem em questão, mas sim uma marca de personalidade inerente ao meio em que cresceu. Nesse período da história brasileira, era uma prática comum os mais abastados enviarem seus filhos para a Europa em busca de estudo, ou melhor, de um título. Vale lembrar que o autor da ideia é o pai de Brás, o qual deseja que o filho torne-se bacharel para cumprir com a obrigação social que é cabível a um membro da elite, mesmo que no futuro não venha a exercer nenhuma atividade referente ao mundo bacharelesco.  Sendo assim, é apenas mais um adorno para a imagem social que ele – bem como aqueles ao seu redor – arquiteta.

A própria estrutura narrativa do romance apresenta elementos que remetem à construção de uma imagem social. Nota-se em inúmeros momentos que o narrador busca demonstrar alguma qualidade ou exaltar certo elemento de sua personalidade, procurando evidenciar ao leitor sua própria grandeza. Logo no capítulo primeiro, por exemplo, quando é descrito o velório de Brás Cubas, o narrador explica com orgulho que fora acompanhado ao cemitério por onze amigos, o que pode ser facilmente interpretado como uma maneira de saciar sua vaidade e provar sua importância ao leitor, mas com um pouco de atenção logo se conclui que onze pessoas não constituem um número elevado para que alguém acredite ser tão importante. A máscara, nesse caso, cai, deixando o personagem com um aspecto vulnerável perante os olhos do leitor, que passa a ter uma pista a mais quanto à personalidade do narrador. Observa-se então a fragilidade que os personagens apresentam quando falham ao forjar imagens sociais.

As inúmeras empreitadas sociais, políticas e financeiras nas quais Brás Cubas embarca no decorrer do enredo também são frutos do desejo de estabelecer uma imagem social. O cargo de deputado que seu pai lhe oferece, o jornal da oposição que começa com o auxílio de Quincas Borba, o emplastro… são todos eventos que evidenciam a necessidade que o protagonista sente em cumprir com os protocolos sociais vigentes aos homens da elite brasileira da época; afinal, ele não necessita de dinheiro e não precisa descobrir novas formas de conseguir posses para sobreviver. Assim, suas atitudes se resumem à pura vaidade.

Como este apelido de Cubas lhe cheirasse excessivamente a tanoaria, alegava meu pai, bisneto de Damião, que o dito apelido fora dado a um cavaleiro, herói nas jornadas da África, em prêmio da façanha que praticou, arrebatando trezentas cubas aos mouros. (MACHADO DE ASSIS, 1881, documento eletrônico)

Observa-se nessa passagem que Brás – bem como seu pai – chega ao ponto de modelar e manipular a história de seus próprios antepassados para cumprir com a necessidade de mostrar-se grande aos olhos do leitor, encontrando – talvez até inventando – um simbolismo para seu próprio nome, em uma tentativa de distanciar-se das raízes que se encontram na tanoaria, como ele próprio afirma.

A vaidade que Brás carrega nem sempre é dedicada a mostrar-se superior aos olhos dos outros membros da sociedade, mas a tentar convencer a si mesmo que é superior aos outros. Isso pode ser observado na seguinte passagem:

Mas a alegria que se dá à alma dos doentes e dos pobres, é recompensa de algum valor; e não me digam que é negativa, por só recebê-la o obsequiado. Não; eu recebia-a de um modo reflexo, e ainda assim grande, tão grande que me dava excelente ideia de mim mesmo. (MACHADO DE ASSIS, 1881, documento eletrônico)

Ou seja, sua vaidade não é saciada pela simples imagem que tem aos olhos dos outros, mas sim pela forma da qual ele vê a si mesmo. Como foi dito anteriormente, a construção dessa imagem era um elemento intrínseco da elite brasileira e não se resume apenas ao protagonista do romance, mas se espalha por todo o mosaico de personalidades presentes na obra, embora não sejam – em primeiro momento – perceptíveis ao leitor, pois se trata de uma narrativa em primeira pessoa, permitindo que o leitor contemple apenas aquilo que é apresentado pelo narrador.

Virgília, por exemplo, que é uma das personagens chave do romance, também demonstra características semelhantes às de Brás Cubas. Num primeiro momento, ela é prometida a Brás Cubas, mas o abandona (mesmo sendo de família abastada) para se casar com Lobo Neves, que, segundo sua família, possui uma candidatura certa. Porém, o verdadeiro gatilho para esse evento é a promessa de que no futuro Lobo Neves daria a ela o título de marquesa. Uma vez mais a questão do título aparece, funcionando como fator decisivo para as escolhas realizadas pelos personagens e tornando-se até mesmo uma moeda de troca. Lobo Neves, membro da elite, demonstra ser conhecedor das regras que compõem o jogo social, ou seja, demonstra saber a importância que as máscaras e as imagens sociais têm para que os objetivos que visa alcançar possam ser atingidos.

É necessária uma abordagem diferente para aprofundar ainda mais esse tema. Para isso, é pertinente tratar agora do romanceQuincas Borba, narrado em terceira pessoa, de forma a permitir um olhar mais amplo sobre os eventos que tecem o enredo, bem como analisar suas repercussões na vasta gama de personagens.

O enredo, que gira em torno da obtenção de uma herança e da tentativa de se inserir em meio à elite brasileira, apresenta solo fértil para o surgimento de diversas situações que estão diretamente ligadas à vaidade dos personagens. Isso remete também à maneira da qual os personagens formam as mais variadas estratégias para a utilização de máscaras no meio social.

Antes de tratar de Rubião, o protagonista da obra, é necessário mencionar e estudar o casal Sofia e Cristiano Palha, ambos conhecedores das normas sociais e que sabem como poucos utilizá-las para conseguir se inserir no ambiente elitista da Corte. Isso fica claro desde o início da obra, quando conhecem Rubião e sua imensa ingenuidade, passando a explorá-lo pouco depois.

Palha é um sujeito com notável faro para os negócios, como fica claro pela passagem: “Em 1864, apesar de recente no ofício, adivinhou, — não se pode empregar outro termo, — adivinhou as falências bancárias.” (MACHADO DE ASSIS, 1892, documento eletrônico). É óbvio que o termo “adivinhou” se trata de uma ironia por parte do narrador, algo que ele utiliza para indicar a perspicácia do personagem em questão e ao mesmo tempo para dar indícios de sua personalidade. Alcançar sucesso e elevar seu nome é o que o move e para isso ele utiliza de quaisquer recursos que tiver. Mas o momento que melhor define sua personalidade é quando ele descobre que Sofia, sua esposa, fora cortejada por Rubião. Ao contrário do que se espera, ele não pede para que ela se distancie dele, mas sim que ela mantenha uma espécie de “equilíbrio”, pois ele sabe quão útil Rubião pode ser para os negócios e, possivelmente, como explorá-lo. Ele usa a mulher para mantê-lo por perto.

Sofia é o principal expoente do ego e da vaidade de Palha. Ele se sente bem sabendo que os outros homens a apreciam e o invejam. Isso é confirmado pelo seguinte trecho:

Ia muita vez ao teatro sem gostar dele, e a bailes, em que se divertia um pouco, — mas ia menos por si que para aparecer com os olhos da mulher, os olhos e os seios. Tinha essa vaidade singular; decotava a mulher sempre que podia, e até onde não podia, para mostrar aos outros as suas venturas particulares. (MACHADO DE ASSIS, 1892, documento eletrônico)

Sofia – também se opondo ao que se espera em uma situação dessas – não parece fazer questão de se distanciar de Rubião, mas também não pretende retribuir os sentimentos dele. Ela demonstra apreciar que ele a corteje, gosta que toda essa atenção seja dedicada a ela, ao mesmo tempo em que não perde de vista o propósito financeiro, que é explorá-lo. Isso ocorre não apenas quando é cortejada por Rubião, mas também quando é alvo da atenção de outros homens, deixando evidente que aprecia toda a atenção e todos os olhares que recebe. Nessa personagem a utilização das máscaras sociais como uma forma de satisfazer sua vaidade exacerbada é bastante clara.

Há um momento chave na obra, que expõe todo esse jogo de máscaras e evidencia a vaidade do casal, que é o Capítulo L, no qual Sofia revela a Palha que fora cortejada por Rubião. No capítulo em questão, os personagens se encontram em um verdadeiro duelo de egos e vaidades. No seguinte trecho do diálogo, por exemplo, dito por Sofia: “Mau, se vamos assim, não digo nada. Quem foi? Quer saber quem foi? Há de ouvir sossegado. Foi o Rubião.” (MACHADO DE ASSIS, 1892, documento eletrônico) observa-se a clara necessidade que Sofia sente em demonstrar como é desejada, ao mesmo tempo em que não deixa de vestir uma máscara, mesmo estando sozinha com o marido. Ela hesita, diz que prefere ocultar a identidade de quem quer que a tenha cortejado, só para logo em seguida contar que se trata de Rubião, criando, de forma disfarçada, um suspense inicial, com o intuito de ver dilatar o ciúme de seu marido. Isso funciona também como uma forma de demonstrar que não é uma mulher dada a escândalos e à cólera, forjando e mantendo sua posição como mulher ideal.

O mais importante nesse diálogo é observar que as verdadeiras intenções dos personagens nunca são pronunciadas de forma direta, sendo assim, a troca de ideias ocorre em um nível implícito. As máscaras não deixam de ser usadas, nunca são postas de lado, mesmo quando se encontram em absoluta privacidade conjugal. Os personagens conhecem as intenções um do outro no que se refere à Rubião, mas isto nunca é pronunciado em voz alta, o que se deve a dois fatores principais: primeiro, porque é uma forma de o casal conservar os valores que  fazem de ambos “pessoas de bem”, pois eles não se veem como exploradores, mas como indivíduos típicos da sociedade brasileira e da Corte. Segundo, porque a sociedade brasileira ainda não era regida pelos valores sociais e morais do capitalismo, não havia a noção de empresa e de acúmulo de capital, ao menos não da forma como viria a ser no futuro, sendo que o máximo a ser dito por Palha é:

Talvez nos estejamos a incomodar com um simples efeito de vinhos. Olha que ele não mandou o seu quinhão ao vigário; cabeça fraca, um pouco de abalo, e entornou o que tinha dentro… Sim, eu não nego que lhe possas ter causado certa impressão, como tantas outras senhoras. Há dias foi a um baile no Catete, e voltou encantado das senhoras que lá vira, de uma principalmente, a viúva Mendes… (MACHADO DE ASSIS, 1892, documento eletrônico)

Observa-se que ele tenta encontrar uma desculpa para as atitudes de Rubião com a intenção de mantê-lo por perto, uma desculpa que funciona tanto para Sofia quanto para si mesmo. Uma imagem social que ele monta e utiliza para maquiar seus valores particulares, na tentativa de escondê-los não apenas dos outros, mas de si próprio.

É importante observar que é Sofia quem inicialmente pede para que se distanciem de Rubião, mas mesmo assim acaba encontrando formas de mantê-lo por perto. Novamente não se resume à questão financeira, mas ao fato de que ele afaga seu ego e faz com que ela se sinta desejada. Uma vez mais a vaidade é um ponto de partida para as atitudes dos personagens. No fim, essa vaidade pode ser corroborada pela seguinte passagem, na qual Sofia demonstra crer que o amor de Rubião por ela o tenha levado à loucura: “Crendo-se autora do mal, perdoava-lho; a idéia de ter sido amada até à loucura, sagrava-lhe o homem.” (MACHADO DE ASSIS, 1892, documento eletrônico). Aqui, através de sua vaidade, ela novamente desenvolve uma imagem superior de si mesma, julgando-se capaz de levar um homem à loucura.

Tendo isso em mente, é importante tratar do protagonista da obra, Rubião. Esse personagem gera imenso contraste ao ser comparado a outros personagens da obra machadiana. Ele não é um típico representante da elite brasileira, como o é Brás Cubas, também não é uma força ascendente como o personagem Palha. O protagonista do romance Quincas Borba não é um conhecedor das normas que compõem o jogo social da elite, não sabe o que mostrar e o que esconder. Basicamente, ele não sabe quais máscaras utilizar.

Desde o início da obra, vários são os pontos que marcam a personalidade de Rubião, mas o mais presente é sua ingenuidade, característica que o leva a um conflito de identidade em diversos momentos do enredo e à loucura ao final da obra. Um exemplo disso pode ser observado logo no início do romance, em que, já em posse do dinheiro deixado por Quincas Borba, ele se vê dividido entre o que realmente sente e o que deveria sentir, entrando em conflito com a imagem que deveria construir. Sua irmã e seu amigo morreram, mas ele herdou todo o dinheiro e isso o deixa satisfeito, entretanto, essa satisfação o perturba, pois não acha que isso sejam pensamentos dignos de um cidadão cristão. Uma situação como essa dificilmente seria um problema para um representante típico da elite brasileira, alguém habituado às normas que constituem o ambiente da Corte, que sabe como construir e encarar um determinado papel social. Essa falta de noção é o que leva Rubião a ser manipulado e explorado do começo ao fim da obra. Nota-se também que, sendo a narrativa em terceira pessoa e – aparentemente – imparcial, o leitor tem a possibilidade de observar as atitudes do protagonista a partir de certa distância e tirar suas próprias conclusões, mas é importante notar que a obra é articulada de tal forma que se torna impossível não julgar suas atitudes como tolas e o personagem em si como um louco. É o que explica Ana Maria Vasconcelos Martins de Castro no ensaio O todo e o detalhe em Quincas Borba:

A ambição de Palha, o narcisismo de Sofia e de Carlos Maria, o deboche do filho do colchoeiro, o caráter interesseiro de Camacho – tudo isto é a sanidade, o perfeito estado mental, o normal. Rubião, que dá dinheiro à mãe de Freitas quando o amigo está doente, que salva Deolindo da morte, que não cobra as dívidas de Palha – Rubião é o louco. A crítica à sociedade está aí automaticamente estabelecida. (CASTRO, 2011, p. 147)

Todas as atitudes de Rubião que possam ser embaladas por um bom caráter acabam sendo vistas como anomalias, enquanto as imagens sociais que os outros personagens constroem e utilizam são vistas como a ordem natural da sociedade. Essa crítica social evidente é mais um fruto da aguçada capacidade de observação de Machado de Assis, demonstrando de forma sutil e irônica as engrenagens que compõem a elite brasileira do século XIX.

Sendo assim, Rubião é o exato oposto da hábil Sofia e do perspicaz Palha,  mostrando-se como um homem ingênuo e dono de uma completa falta de estratégia e planejamento, características que o levam ao total fracasso financeiro e mental ao fim do romance. Vale lembrar que essa total ausência de habilidades sociais está diretamente ligada ao fato de que ele não sabe construir uma imagem social para utilizá-la quando necessário.

O jogo de máscaras, a construção e a utilização de imagens sociais – e até mesmo a própria vaidade que move os personagens –, giram em torno de um elemento social, que é central na obra machadiana e que expõe a elite brasileira do século XIX. Alfredo Bosi resumiu essa questão nos seguintes termos: “A necessidade de proteger-se e de vencer na vida – mola universal – só é satisfeita pela união ostensiva do sujeito com a Aparência dominante.” (BOSI, 1982, p. 441-442).

A vaidade impulsiona o indivíduo e desenvolve nele o desejo de prevalecer de alguma forma, obter sucesso, mas para que isso ocorra é necessário saber conviver em meio à elite brasileira, saber manipulá-la. Para isso, é necessária uma adequação a um corpo dominante, o que é realizado apenas através do jogo de máscaras e das imagens sociais. A vaidade gera um desejo e é ponto inicial do processo de desenvolvimento de uma determinada imagem. Esse desejo torna-se uma necessidade quando se adentra o universo da elite, onde o uso dessa imagem passa a ser algo vital. Machado de Assis soube retratar isso de forma crítica em sua obra, expondo o funcionamento das engrenagens sociais e políticas do Brasil do século XIX, demonstrando através de seus personagens e situações o que realmente era a elite brasileira.

A vaidade e as máscaras equivaliam à sobrevivência no meio social. Saber utilizá-las não era uma simples escolha para aqueles que viviam nesse ambiente, mas uma necessidade. Utilizá-las de forma hábil significava – na grande maioria das vezes – sucesso, como se vê nas figuras de Palha e Sofia; não saber significava ser consumido pela rede de imagens sociais que constituía a elite, culminava em fracasso, como se observa no papel de Rubião. Entretanto, há casos em que saber utilizar esses mecanismos da sociedade não levava ao absoluto sucesso, é o que acontece com o personagem Brás Cubas, que tinha dinheiro e posses, mas nunca atingiu notoriedade ou saboreou o verdadeiro sucesso, sendo sempre vítima de sua própria vaidade, como ele próprio admite ao final da obra: “[…] não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” (MACHADO DE ASSIS, 1881, documento eletrônico).

Tendo como referência apenas esses dois romances, já é possível observar que Machado de Assis conseguiu retratar o imenso baile de máscaras que era a elite brasileira, baile no qual estavam inclusos apenas aqueles que realmente sabiam utilizar suas máscaras.

Referências

BOSI, Alfredo. A Máscara e a Fenda. In: _____. Machado de Assis: antologia e estudos. São Paulo: Ática, 1982. p. 437–457.

CASTRO, Ana Maria Vasconcelos Martins de. O todo e o detalhe em Quincas Borba. Machado de Assis em linha, nº 7, Rio de Janeiro, Jun. de 2011, p. 143–149.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro, 1881. Disponível em: <http://www.dlnotes2.ufsc.br/document/read/260> Acesso em: 16 Nov. 2013.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Quincas Borba. Rio de Janeiro, 1891. Disponível em: <http://www.dlnotes2.ufsc.br/document/read/262> Acesso em: 16 Nov. 2013.

WEBER, João Hernesto. Machado de Assis: uma apresentação. Disponível em: <http://www.machadodeassis.ufsc.br/apresentacao/Weber.htm> Acesso em: 16 Nov. 2013.