Álbum de fotografias
e morrer faz sentido
póstumas
as flores realçam
consentem o baile ao vestido
nesta página
atravessa a infância
com suas forquilhas
como o que se perdeu
pela palavra
como a morte
a apurar seus lugares
OUTRA CASA
demora acomodar os meninos
os móveis a memória
os vasos ressentem do sol mudado
também as roupas os poucos retratos
e os bibelôs de si desencontrados
mesmo o corpo denuncia
o descompasso das sombras
o de-viés do colchão os ruídos
que a custo encaixam nossos fantasmas
Amor fatti
a mão indestra para a linha
a ruga abrupta o erro crasso
um lance de dados quando soma zero
o ouvido que só sabe a martelo
um amor impróprio falto ou incerto
o espelho como duplo cego
um ódio secreto aos adjetivos que lhe emprestem
o substantivo seus verbos seu eros
a vida que poderia ter sido e é
alegria e peste
Buster Keaton em 16 quadros
1.
Custa adaptar o corpo à roupa
acrescentar o ricto ao rosto
a máquina ao músculo.
2.
Para acionar o gesto
ou advogar o chapéu
é preciso apurar
as engrenagens do olho.
3.
Entre a bicicleta e o abismo
o clown afronta nossos medos:
apenas o acidente
conserta o brinquedo.
4.
Uma mulher acena.
Por que Ítaca
quando Tróia me espera?
5.
Do caracol ao navio
o clown indaga:
onde estar
se desmantela a casa?
6.
Periscópio + rodas + catapulta:
o corpo futuro nos insulta.
7.
De acordo com Keaton
uma torquês basta
para operar o ciclone.
8.
Policiais e paralelogramos proliferam.
Também as noivas e os números
os bois e os bandidos.
Nascer exige mais apuro.
9.
Adiar o desastre. Adiar o riso.
O verbo antes. Depois o substantivo.
10.
Aplicada ao corpo
a lógica da roda
ri.
11.
Ao resguardo da câmera
Keaton desenreda
o étimo de Odradek.
12.
Porque o filósofo nunca ri?
Uma máquina
não foge do perigo.
13.
Duas bobinas
e o clown culmina
em zeros:
a elegância no apocalipse.
14.
A História se repete.
Até a comédia.
15.
Estar diante do mar
tendo as mãos como dique.
16.
Tudo caminha para a dissolução.
Apenas esse rosto permanecerá
imobilizado pelo abismo.