JP Simões, 40 anos, nasceu em Coimbra, Portugal, e aos cinco anos veio morar no Brasil com sua mãe, que se apaixonara por um carioca. Por ser seu então padrasto “um carioca da gema, verdadeiro malandro”, como lembra Simões, o romance acabou para sua mãe, porém as influências da sua breve estada no país foram definitivas para a sua arte. Suas canções soam tão brasileiras que levamos certo tempo para perceber que um vasto oceano separa os dois países. J.P. Simões tem grandes músicos de MPB na sua lista de referências, como Chico Buarque e Vinícius de Moraes.
Compositor é apenas uma das varias atribuições possíveis à JP Simões. Sua estréia foi na banda Belle Chase Hotel. Agora ele trabalha em seu projeto solo, com o lançamento do seu último álbum “Boato”. Contudo, ele não atua apenas no cenário musical. Já lançou dois livros, “Próteses” e “O Vírus da Vida”, além de uma compilação das letras de suas canções, nenhum deles com edição brasileira. Também atuou na dramaturgia e no ano passado acabou sua tese de mestrado em História e Teoria da Literatura.
As canções de Simões podem ser ouvidas através do seu MySpace myspace.com/jpsimoes.
Mafuá: Nota-se muito de Bossa Nova nas suas músicas. Quais são suas influências? O que a música brasileira significa para você?
JP Simões: Na minha opinião o cancioneiro brasileiro é dos mais belos, com complexos e completos de todos os tempos. O facto de ser português e músico só me aproxima desse patrimônio. Nos últimos anos, procurei escrever as minhas canções no português de Portugal mas com a presena forte do balano brasileiro, – samba, bossa, frevo, maxixe, etc – da falsa simplicidade harmônica da Bossa Nova e, especialmente, debaixo da influencia das narrativas de Chico Buarque e da ética etílica, hedonista e moralmente desafiante de Vinícius de Moraes.
Mafuá: Depois de tocar com algumas bandas, o que você sente em ter seu projeto solo?
JP Simões: Sinto alguma solidão de quando em quando; outras vezes, sinto a vertigem de viver exclusicamente do que cosigo, como dizia o poeta Alexandre O’ Neill, arrancar a usura dos dias.
Mafuá: Ao contrário das outras bandas que você participou e de seu projeto solo, nota-se na Pop Dell`Arte uma música muito mias voltada para o punk rock e para os anos 80. Qual é o porque disso?
JP Simões: Bom, os contextos sociais são muito importantes na música Pop e Pop Dell`Arte é uma banda que sempre trabalhou o contexto musical com ironia, pondo o punk e o rock ao servio da literatura e da sociologia da arte, como tem sido característica do seu mentor, o poeta João Peste.
Mafuá: No documentário Musicbox você falou que gosta de contar pequenas histórias nas suas canções. Onde você busca seus personagens, suas inspirações?
JP Simões: Eu não me sinto uma pessoa muito inspirada; o mais das vezes sofro horrores como se tivesse de reiventar o mundo na minha imaginação para conseguir contextualizar uma pequena e simples narrativa. Ou seja: dá-me muito trabalho. De resto, tudo nasce das leituras, das conversas e do ir por aí de coração esforadamente aberto e olho vivo.
Mafuá: Você é músico, escritor, atuou no teatro e no cinema. Como é esta vida artistica tão engajada? Você acredita que um trabalho complete o outro? Até que ponto se dá essa influência?
JP Simões: Creio que o trabalho artístico pode ser uma espécie de cidadania e de expressão individual aplicada a várias formas de arte. No meu caso, vou apenas aproveitando as oportunidades que me vão surgindo. Naturalmente, uma ideia narrativa, uma história, pode servir para qualquer destas formas e até circular entre a literatura e o cinema, entre o teatro e a música.
Mafuá: No ano passado você apresentou sua tese de mestrado em História e teoria da Literatura. Sobre o que foi esse mestrado? Quais foram as contribuições dessa pesquisa nas suas produções artísticas?
JP Simões: A minha tese foi construída por um estudo de Walden, um livro de Henry David Thoreau, escritor norte-americano do século XIX. Walden é um relato da estada de Thoureau na floresta junto ao lago Walden, isolado do mundo durante dois anos, e um livro confessional e opinativo que leva até ao extremo a ideia de individualidade: o meu trabalho, chamado A Arte da Fuga, pretendeu analisar os limites da fuga para a intimidade, os limites da individualidade e do isolamento; assim como perceber até que ponto somos constituídos pelo que os outro dizem de nós e pelo que pensamos sobre nós próprios. A contribuição deste trabalho ainda está se manifestando na minha produção artística ou, então, sempre se manifestou, nomeadamente através da minha coleção de personagens que vivem em situações claustofóbicas com a sua auto-consciência.
Mafuá: Você acredita que os artistas devam procurar alguma formação acadêmica para completar os conhecimentos adquiridos no cotidiano?
JP Simões: Não forosamente: creia que é um investimento pessoal que todos poderiam fazer. Resolvi estudar porque me estava a sentir idiota: agora que acabei o mestrado, continuo um pouco na mesma, embora mais velho e menos preocupado com o que isso significa para mim e para os outros. No fundo, de vários modos, passamos a vida nossa procura.
Mafuá: Com quantos anos você veio para o Brasil e quando voltou para Portugal?
JP Simões: Fui para o Brasil em 1975, quando a minha mãe se apaixonou por um carioca e resolveu partir comigo para uma nova vida. Depois, ele era realmente um carioca da gema, malandro quanto baste, e a coisa não funcionou entre eles. Durante algum tempo vivemos no Leblon em casa de uma prima nossa, uma senhora chamada, salvo erro, Marina ou Normélia Duncan, nossa parente por parte do meu bisavô, Francisco Ferreira Bastos, que era de Niterói que veio constituir família e falecer em Portugal. Creio que Vinicius de Moraes constumava aparecer pelo apartamente, mas eu era muito novo para perceber quem era e o quanto iria ser importante para mim. Vivemos cerca de dois anos no Rio e depois voltamos para Portugal por onde fui ficando e procurando viver o melhor possível.
Para apreciação o artista disponibilizou uma música, trecho de uma peça produzida pelo mesmo, chamado: A ópera do falhado.
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