Entrevista com Wilton Azevedo

Isabela Melim Borges Sandoval, Cristiano de Sales

Wilton Azevedo é poeta, músico, programador, designer, professor doutor de literatura, artes e tecnologias na U.P. Mackenzie, em São Paulo (ufa!); e não feliz com tudo isso ainda coordena o grupo Interacto, o qual atua em uma linha paralela ao e-Storias, nessa universidade. É um artista multimidiático, que tem se dedicado a pensar e trabalhar a arte e a literatura na região limítrofe das escritas digitais, tendo exposto muitas de suas obras no Brasil e no exterior, com grande frequência nos Estados Unidos.

 


 

Olá professor Wilton, primeiramente gostaríamos de agradecer a essa imensa oportunidade de diálogo sobre arte digital, o que para nós é de extrema importância.Para iniciarmos nossa conversa gostaríamos de saber um pouco mais sobre sua trajetória, e qual sua relação com o movimento do Poema Processo.

1) Fale-nos brevemente sobre a diferença entre a Poesia Concreta e o Poema Processo, dois importantes movimentos de vanguarda de nossa poesia, bem como de sua atuação neste segundo movimento.

Tanto uma como a outra fazem parte já de história da poesia brasileira. É claro, e não podemos negar, que a poesia concreta com o grupo Noigandres teve maior divulgação e disseminação de suas ideias por fatores que não interessam aqui agora.

Tive o prazer de ter como professores Haroldo de Campos e Décio Pignatari, este último foi meu orientador do mestrado em que nos tornamos na época amigos próximos. O Haroldo, um gentleman, que sempre de maneira cordial me atendia para dúvidas e posso acrescentar que não eram poucas. Mas basicamente a poesia concreta trouxe o que hoje eu chamaria de uma nova noção programática de poética, dentro do conceito da teoria da informação como Norbert Wiener, Max Bense e autores como James Joyce e Ezra Pound e outros.

Esta nova programática consistia a meu ver, não com a destruição do verso como tantos afirmam, mas a entrada da palavra como momento da fixação da escrita como design. Neste sentido começávamos a assistir uma poesia diagramática, calculada, matemática, aparentemente menos sensível, mas de uma elaboração para época genial.

A banalidade e o excesso do cotidiano em forma de escrita — letras — é trazida sem nenhum temor para as páginas que antes era reservado para a poesia de prosódia de melodias fonéticas.

O concretismo sela com esta atitude um período histórico em que a palavra por si só através de sua tipografia, seu design, se faz como poética uma poesia CONCRETA de valores matérico que estavam ligados à produção de dispositivos gráficos.

O poema processo de Wladimir Dias Pino, foi uma proposta de um futuro para o que podemos chamar hoje de poesia digital. Primeiro porque não se trata de “poesia processo” e sim poema processo, ou seja, uma situação de linguagem em que sua operação nunca está concluída, terminada, é um gerador de formas e quem sabe palavras.

A genialidade de Wladimir ainda não foi descoberta, mas quando vemos como se operacionaliza uma escritura programática de um software, ficamos diante de todo um conceito de escritura gerativa, uma escritura digital que se expande, que em termos binários não há distinção entre códigos. Digo isso porque para Wladimir, na obtenção de um poema a palavra, é também, dispensável e então fica mais claro o que ele entendia como PROCESSO.

É interessante e acredito que não é coincidência que hoje um dos programas mais utilizados para demonstrar o quanto os códigos passam a ser hegemônicos no seu transito semiótico chama-se PROCESSING — processing.org — um aplicativo que uma vez programado não sessa, não finda é um processo de mudança uma linguagem gerativa que se auto ressignifica.

Então eu diria, como uma vez disse dando uma palestra na Paris 8, a poesia concreta inventou o software e o poema processo o plug-in, e para quem conhece linguagem digital, os plug-ins são mais interessantes que os softwares.

2) O senhor entende a literatura digital como um possível desdobramento dos movimentos citados acima, ou sua natureza (linguagem digital) nos permitiria falar de uma autonomia?

Temos que entender que qualquer processo de produção, passe por um dispositivo tecnológico ou não, nunca será autônomo. Tanto a poesia digital como a literatura digital não se trata de desdobramento, porque sua operacionalidade é outra, temos ali um ato de criação que traz os códigos para uma condição nunca antes experimentada, a de serem “traduzidos”, sejam palavras, sons, e imagens em apenas um código que é o algoritmo — matemática. O que vemos, lemos e ouvimos são índices de uma cultura que se plasmou no já conhecido, o conhecimento humano e seu formato então tudo que está na ambiência digital tem que de alguma maneira se parecer com o “já conhecido”, um índice que se dá por semelhança genuína, então eu olho e digo: Isso é poesia digital! Isso é literatura digital! Então deste ponto de vista ainda não houve o desdobramento, se é que possamos entender assim, o que está havendo é uma escritura digital — software — que não opera mais por seus matriciais sígnicos, ou seja, texto não é apenas texto, sons não são apenas sons, e imagens não são apenas imagens, o que chamamos ainda de literatura digital e de poesia e assim por diante é uma escritura digital expandida em que na sua ambiência virtual se compõe de apenas um código matemático, a práxis desta aparência ainda é o que nos aculturou.

3) Tendo em vista que a escritura digital (ambiente hipermídia, para alguns) vem sendo utilizado, não de hoje, como espaço-tempo em que a literatura se experimenta e, claro, se reconfigura, propondo diferentes poéticas, conte-nos um pouco sobre o cenário brasileiro e essa outra forma de fazer literatura.

O Brasil sofre de um problema que venho dizendo há muitos anos, não criamos nem dentro e nem fora da academia uma cultura de trabalho em equipe na área das humanidades. Você consegue pensar um poeta trabalhando em equipe? Um escritor? Bem, os diretores de cinema sempre fizeram isso e nunca deixaram de ser autores.

Quando um trabalho envolve tecnologia de ponta, conhecimento tecnológico compatível, vejo a necessidade de uma equipe com formação conceitual muito bem fundamentalizada e circunstancial, para o produto final haver algo que nos remeta a uma poética, em poucas palavras, ter conhecimento histórico para “se ter o que dizer”.

O que tenho visto são trabalhos na sua maioria individuais, em que falta conceito poético para esta nova ambiência, você observa que o software passa a ser o protagonista do trabalho, e quando o software se transforma em protagonista do trabalho o que chamamos de arte ou poética tecnológica vira parque temático. Está na hora de se fazer um trabalho mais sério, que se questione epistemologicamente o que é poética nesta ambiência digital, e principalmente pensar a respeito de eventos repetitivos em que a poesia virá lobby.

4) Quais os projetos de criação nos quais o senhor tem trabalhado hoje em dia?

Estou terminando “Os 9 Livros de Síbila”, um monólogo randômico em que há um concerto musical que acompanha a trajetória da profetiza e seus nove livros feito em tempo real no palco com músicos projeções mapeadas e um ator que fala junto ao texto pré programado. Outro é um trabalho interessante que terminei agora e estou levando para Portugal que é “O Ciclo Eletroacústico Sonoro do Marabaixo” que realizei junto à professora Wanda Lima. É um trabalho musical que estará em um cd de seis faixas que mescla os cânticos de escravos do Macapá com sons eletroacústico programados (pode-se ouvir um deles chamado Aparição Melocica # 10 soundcloud.com/underlab/apari-o-mel-dica-1-wav), adorei fazê-lo porque é o Brasil no software ah! E o Volta ao Fim com Alckmar Santos que para mim é uma pérola, em que a prática desta escritura digital expandida fica claro no trânsito que este romance toda na sua suavidade e que o fato de se ter o interprete lendo o texto em público o que era imagem, som e textos passam a ser uma manifestação plural sígnica, não há tempo para distingui-los.

Estou também criando a composição e as imagens em parceria com Alckmar Santos do “O Cosmonauta” que está sendo um grande desafio porque lida com o conceito da conversão de um ateu cosmonauta, mas o indicador para esta leitura envolve vários programas e um trabalho em equipe com muito foco e exegese.

5) Mais alguma colocação que queira fazer?

Precisamos de gente nova nas academias dispostas a trabalhar, fazer, reinventar a poesia de hoje, costumo brincar em sala de aula que cansei do Strawberry Campos Forever… ah!

Obrigadíssimo pelo seu tempo e disponibilidade,

Eu que agradeço e meu blog: www.wiltonazevedo.tumblr.com e www.soundcloud.com/underlab.

www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=lzNWFgd33QI

Abraços,

Mafuá-Revista literária em meio digital.