Vida corrida
Na minha rotina diária, assim como na de todos os relés plebeus dessa era, eu corro. Esse verbo, o correr, tem o seu sentido rasgado e exposto para qualquer situação que precise dele. Corro para não chegar atrasado no meu compromisso, corro atrás do que eu quero, corro para manter minha saúde, corro dos meus problemas e pensamentos. Atualmente, tenho flexionado o correr para a sua forma adjetiva também: para os meus amigos, minha vida está corrida e não posso sair com eles; enquanto para mim, meus dias estão corridos e não tenho tempo para nada.
Mas, mesmo assim, acho tempo para correr. Meus olhos correm e caem na tela do meu computador, e fazem com que o tempo corra. O tempo, maldito tempo que ora passa depressa, ora devagar. Maldito tempo que não corre como eu. Maldito eu que não corre como o tempo. Maldito sou, nesse tempo parado.
Entre a correria da faculdade e a monotonia dopada nos fins de semana, encontro minha lástima no ônibus: a ponte entre uma corrida e a outra. Olho ao redor, pessoas correndo olhos e dedos em seus celulares. Minha mão corre ao bolso, e pega o retângulo metálico. Não tenho mensagens, nem números indicando algo de interesse. Corro imediatamente, dessa vez para o bolso do meu casaco, e dou função ao meu fone de ouvido.
Meu polegar cambaleia até o toca-discos condensado, e meu cérebro vacila ao ter que escolher uma música. Clico sem paciência no botão que velozmente faz essa decisão para mim. Mas, para a minha lástima, as notas que saíram pelas mini caixas-de-som não correram por todo o meu cérebro, o preenchendo e dopando. Não, elas amarraram os meus olhos, meus braços e pernas. Pior ainda, correram ao redor do meu coração e pulmão, seduzindo-os a seguir o seu ritmo.
Quanto ao meu cérebro, comandante das ideias torpes, esse não sabia se estava correndo ou se estava parado. Atado, olhei para mim mesmo, e vi o que estava acontecendo. Finalmente parei de correr para longe dos pensamentos. Como se eu passasse a semana inteira correndo deles, para então, num ônibus qualquer, ser preso e forçado a parar de correr. Os belos ruídos que saiam de um violão, sem voz nenhuma para atrapalhar, continuavam a me envolver, mantendo o absoluto controle. Encarei os meus pensamentos, e para minha surpresa, como se fosse um plano deles em parceria com a música, vi os meus braços livres. Mais precisamente, os meus polegares, que correram para escrever essas palavras. Palavras corridas, mas de sentimentos enraizados em um homem inerte ao seu mundo.
Velhos Amigos
Essa vida dá muitas curvas, não é mesmo? E numas dessas curvas, a minha linha bateu na dela. Bateu, seguiu e se enrolou por um tempo, até que o inevitável fim apareceu. Ou pelo menos era o que parecia há um tempo. “Vai ser um encontro breve”, penso eu, enquanto tomo a segunda xícara de café.
Quando levantei a mão para chamar um garçom, ironicamente chamei a ex-garçonete que um dia me teve.
– Velho amigo – cumprimentou-me a senhorita, lembrando-se do nosso acordo quando terminamos.
Mas eu apenas sorri, e convidei-a para que se sentasse.
– Como vão as coisas? – perguntei.
– Dias piores já existiram.
O olhar da moça que um dia amei implorava por algo. Uma lástima que eu estava na mesma situação. Poucas palavras vazias eram trocadas, e o silêncio devorador se tornava cada vez mais evidente. Tentando acabar com isso, a mulher disse:
– Duas linhas atrofiadas, dançando pelo tempo – essa era a nossa teoria sobre o destino.
– Nem me diga – respondi sem pensar em nada melhor, enquanto mexia a minha xícara vazia.
O borrado daquela xícara, sem significado e distorcido, parecia dependente do meu olhar. Eu olhava para o nada, pois fugia da realidade confusa que estava sentada na minha frente. Quando finalmente olhei para ela, uma lágrima solitária umedecia a sua bochecha direita. Limpando o seu rosto, ela engoliu a lágrima mais amarga que já existiu.
– Já vou indo, velho amigo. Desculpe o incômodo – cortou-me a senhorita que já se levantava.
Recebendo mais um tapa na cara metafórico, acordei. Talvez por ela, pelo café, ou pelo desprezo à minha estupidez, e disse:
– Quando você se foi, eu também me atrofiei.
Um esboço do que parecia ser um sorriso iluminou o rosto dela. Mas como pequenas labaredas que necessitam de lenha para crescer, aquele pedaço do paraíso precisava de mais palavras deste tolo escritor.
– Um nó concertaria tudo – disse, ao me aproximar dela.
– Então aperte comigo – respondeu com um beijo, a não tão velha amiga.