José Hélder Pinheiro Alves é Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande. Possuí Graduação em Letras, pela Faculdades Integradas de Uberaba (1983), Mestrado em Letras (Literatura Brasileira), pela Universidade de São Paulo (1992), Doutorado em Letras (Literatura Brasileira), também pela Universidade de São Paulo (2000), e Pós-doutorado, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Hélder Pinheiro atua, principalmente, nos seguintes temas: literatura e ensino; poesia; literatura infantil; e literatura de cordel. Destaca-se ainda que é membro do GT “Literatura e Ensino” da ANPOLL.
A entrevista a seguir é pautada na produção do livro “Poesia na sala de aula”.
MAFUÁ – Qual foi sua inspiração para a produção deste livro?
HÉLDER PINHEIRO (HP) – Se há uma inspiração, foi minha paixão pela poesia e a necessidade de comunicá-la a outros leitores. Aos poucos ia levando poemas para sala de aula e ia percebendo que os alunos iam se envolvendo, querendo mais, pedindo que repetíssemos determinadas leituras. Isto foi se ampliando até chegar à escrita do livro.
MAFUÁ – Você poderia nos contar como seu livro foi produzido e o que o leitor encontrará ao lê-lo?
HP – Poesia na sala de aula nasceu há muitos anos. A primeira edição é de 1996. Antes de entrar para a Universidade, em 1993, eu trabalhei por 13 anos no ensino fundamental e médio. Recolhi muitas das experiências com poemas realizadas neste período e compus a primeira versão. Na segunda edição (2002) incorporei algumas vivências com alunos(as) do curso de Letras. Já terceira edição (2007) teve acréscimos pontuais e de um novo capítulo. Ou seja, o livro nasceu da vivência da leitura do poema em sala de aula nos mais diversos níveis de ensino. E com o tempo fomos incorporando novas reflexões, leituras, indicações. Mas a base é pensar caminhos para leitura do poema, fugindo do modelo tradicional fornecido pelo livro didático.
MAFUÁ – Na sua opinião, existe uma idade ideal para iniciar o estudo de poesia?
HP – O estudo, acho que não deve começar muito cedo. Mas a leitura, a aproximação mais lúdica do poema deve e pode começar o mais cedo possível. Até o final do ensino fundamental o eixo, a nosso ver, não deve ser o estudo, e sim a apreciação, a convivência cotidiana com os mais diversos tipos de poemas. E acho que a leitura oral é a chave, a porta de entrada para a aproximação do poema.
MAFUÁ – A seu ver, como o estudo de poesia pode contribuir com a formação dos alunos?
HP – Não penso propriamente no estudo… Acho que se deve ler poemas com crianças e jovens, ouvir sobre as possíveis repercussões que o poema pode ter para ele. Ler livros, conversar sobre o lido, reler, ler em voz alta. Às vezes encenar, musicalizar, ilustrar, mas tudo sem transformar o texto num mero pretexto para aprendizagem – qualquer conteúdo. A poesia contribui e muito para formação dos alunos se for trabalhada cotidianamente, visando formar sua sensibilidade, sua percepção do mundo, das pessoas, dos fatos, naquele sentido de que falou Antonio Candido no ensaio sobre “O direito à literatura”.
MAFUÁ – Quais obras/poetas você considera mais interessantes de serem estudados em sala de aula? Por quê?
HP – Depende de muitas coisas. Das séries, das idades, do contexto. Por exemplo, acho Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, ainda o maior livro de poemas para crianças de nossa literatura infantil. Há poemas no livro que se adequam a qualquer série inicial do ensino fundamental. Já com jovens, sobretudo a partir do 8º ano, é complicado achar um autor ou livro adequado. Aqui considero que um recurso é organizar antologias… Mas cada turma é diferente. Portanto, precisamos conhecer os interesses das turmas para poder indicar poemas e livros. Em Poesia na sala de aula faço algumas indicações, com sugestões para se trabalhar alguns livros com jovens. Mas o melhor mesmo, e isto vários pesquisadores já afirmaram, é o professor-mediador partir também de sua experiência de leitor e partilhar com as turmas que estão sobre sua batuta.
MAFUÁ – Quais estratégias você sugeriria para a introdução deste gênero na sala de aula?
HP – Uma estratégia de que sempre lanço mão é a leitura em voz alta. Ler e reler os poemas, buscar as inflexões adequadas, os ritmos, os andamentos. Experimentar estas descobertas com os próprios alunos sempre traz bons resultados – entendo por resultados o envolvimento dos leitores em formação. Debater poemas, trazer textos que abordam os mesmos temas e compará-los. A comparação sempre rende bons debates, boas descobertas. Encenações, a depender dos poemas e das turmas, às vezes rende boas experiências. Há um capítulo no livro em que fazemos inúmeras sugestões. Mas é bom sempre reforçar: uma boa estratégia usada à exaustão, pode perder sua eficácia. Talvez a melhor das estratégias seja ler cotidianamente poemas, sem atrelá-los a exercícios e outras atividades.
MAFUÁ – Na sua experiência como docente, você tem lembrança de alguma estratégia ou projeto com poesia que foi bem-sucedido, tendo uma boa recepção em sala de aula ou que foi marcante de alguma forma tanto para o senhor quanto para os alunos? Se sim, poderia compartilhá-lo para incentivar e inspirar nossos leitores?
HP – Tive a alegria (e continuo tendo) de vivenciar inúmeras experiências com a poesia em sala de aula. Quase sempre começo com a leitura oral do poema… vamos lendo, buscando a expressividade que cada palavra comporta em seu contexto. Esse exercício favorece muitas descobertas que apenas uma leitura pode não oferecer. Portanto, ressalto sempre a importância da realização oral do poema – pelo professor, pelos alunos leitores e diversas vezes. Um exemplo, sobre o qual nunca escrevi, foi o trabalho com uma antologia com poemas que tematizavam a lua. A vivência se deu com alunos do primeiro semestre de Letras. Além de descobrirmos juntos dezenas de poemas, de épocas diferentes, também íamos observando peculiaridades de cada poema: uns, mais idealistas, outros mais referenciais, outros mais melódicos, outros mais sentimentais, etc. Neste caso, a abordagem comparativa presidiu a experiência. Acredito muito na abordagem comparativa como um procedimento que estimula o debate, a reflexão e a sensibilização dos leitores em formação.
MAFUÁ – Há outros títulos seus já publicados que também tratam sobre poesia? Se sim, quais? Conte-nos um pouco sobre eles.
HP – Nos últimos anos têm surgido várias pesquisas sobre o trabalho com o poema. Eu mesmo orientei algumas pesquisas que estão no site do POSLE-UFCG e que estão à disposição no site do Programa. Também escrevi vários artigos voltados para o ensino de literatura – mais especificamente a poesia. Talvez valha lembrar aqui o livro que escrevi com a amiga Ana Marinho, denominado Cordel no cotidiano escolar…. publicado pela Cortez. Recentemente publiquei pela Editora da UFCG uma grande antologia denominada: Poesia brasileira: das origens ao pré-modernismo. Ao final, sugiro dezenas de procedimentos para trabalhar com poemas de nossa tradição lírica. Há também muitos artigos publicados em livros e revistas que estão indicados no Lattes. Toda minha produção traz esses esforço de diálogo entre leitura crítica e perspectiva de ensino – tanto no ensino básico quanto na universidade.
MAFUÁ – Além do seu livro, quais leituras teóricas sobre poesia e/ou poesia e sala de aula o senhor indicaria aos leitores que se interessam pelo assunto?
HP – Leituras teóricas sobre poesia há muito material. Destaco apenas um livro fundamental: O ser e o tempo na poesia, de Alfredo Bosi. Para mim, um grande livro, ao qual estou sempre voltando. Há um tópico final no Poesia na sala de aula denominado “Bibliografia comentada” em que apresento muitas obras e artigos voltados para o ensino de literatura em geral e poesia em particular. Trazer aqui ficariam muito demorado. Mas chamo a atenção para a necessidade do professor mediador ter um conhecimento teórico mais profundo, uma experiência de leitura de poesia (indicamos no livro, no tópico intitulado ANTOLOGIAS E LIVROS DE POEMAS: SUGESTÕES DE LEITURA, mais de uma dezena de antologias e cerca de 50 título de livros de poemas, sem falar nos já clássicos, que são referidos ao longo do livro) e, por fim, saber lançar mão de procedimentos metodológicos adequados a cada turma, a cada leitor em formação.
MAFUÁ – Sabemos que no cenário educacional atual, muitos professores encontram resistência dos alunos ao quererem trabalhar com poesia. O senhor poderia dar dicas aos nossos leitores de como enfrentar essa resistência em sala de aula?
HP – A resistência é resultado de desconhecimento, ou de uma vivência muito pragmática com o poema ou ainda metodologicamente inadequada. O professor precisa ir devagar, não ceder às primeiras manifestações de resistência. Aliás, nunca ela é total. Conhecer um pouco o horizonte de expectativa dos leitores ajudar a escolher algo que possa ter boa repercussão. A canção – em seus mais diversos gêneros – também é um bom ponto de partida e de diálogo com o universo poético. É preciso ir minando a resistência, e para isto é preciso ser um leitor de poesia. Quando o aluno percebe que estamos falando de algo que é vital para nós, dificilmente ele fica indiferente. E não ter a ilusão de que se vai tocar/despertar todos, transformar todos em leitores de poesia. Qualquer leitor que se ajude a formar já é um ganho importante.
MAFUÁ – Nos próprios currículos dos cursos de graduação em Letras, percebe-se que o estudo de poesia tem papel coadjuvante. Na sua opinião, por quê isso acontece e em qual medida influencia na pós-graduação e também no número reduzido de pesquisas sobre poesia? Nesse sentido, o senhor consideraria uma mudança curricular bem-vinda?
HP – Pergunta difícil… demandaria uma análise mais detida, fazer entrevistas, avaliar melhor esses currículos. Reconheço, empiricamente, que há poucos trabalhos sobre poesia. Veja, se na própria Universidade temos poucos professores envolvidos com o trabalho com a poesia, fica difícil pensar uma formação acadêmica mais forte neste âmbito. E muitas vezes a formação é muito para a formação de críticos – esquecendo que se está formando não apenas um pesquisador, mas alguém que vai formar leitores. Sinto que precisamos de mudança, mas é preciso debater mais, pensar juntos novas perspectivas e, sobretudo, partilhar experiências muito interessantes que têm surgido ou que estão sendo feitas. Por exemplo, o PROFLETRAS, tem frutos interessantes que poderiam ser mais conhecidos na graduação.
MAFUÁ – E sobre seus trabalhos futuros? O senhor já tem alguma ideia? Poderia compartilhar com nossos leitores?
HP – Vou contar um segredo: venho trabalhando há mais de um ano num livrinho que possivelmente será chamado “Método comparativo e ensino de literatura”. Estou bastante animado, mas não consegui ainda fechar. Tem um mapa de referências literárias e de outras artes que dá bastante trabalho. É isto.
E muito obrigado pela oportunidade de divulgar aqui nosso trabalho.
MAFUÁ – Nós que agradecemos imensamente a sua atenção e disponibilidade em nos dar essa entrevista.