“A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. (…) Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária” – Darcy Ribeiro
Dono de uma das mais importantes vozes luso-brasileiras do século XVII, representante do Novo Mundo perante o Reino de Portugal e da Coroa na Colônia, o Padre Antônio Vieira utilizou toda a exuberância da Língua Portuguesa para defender seus valores e transformar o Brasil em uma terra rentável, católica, dentro da moral cristã e livre dos “hereges” protestantes holandeses. Suas idéias ousadas e futuristas ecoam pelo tempo através de seus inúmeros escritos (207 sermões, cartas, relatórios políticos, profecias e etc) e sua ambigüidade desperta, ainda hoje, estudos e debates entre historiadores, literatos, antropólogos e sociólogos (“a ambigüidade é uma riqueza”, já dizia o escritor argentino Jorge Luis Borges).
As polêmicas, que acompanharam o jesuíta durante toda a vida, continuam a rondar seu nome mesmo após sua morte. Uma delas é a da escravidão negra. Esta não foi a principal temática das pregações e das lutas do padre barroco, mas é um dos pontos que mais atrai os intelectuais da atualidade, se tornando capítulo imprescindível no estudo sobre o jesuíta.
Herói ou culpado? As lutas entre um sermão e outro permitem diferentes visões sobre a visão do mestre, que, em seus sermões, exercia de total liberdade na interpretação das passagens bíblicas. São constantes os ensaios execrando ou engrandecendo os feitos e o pensamento de Antônio Vieira em relação à escravidão negra. Alguns são radicais ao culpá-lo de conivência:
“A moral da cruz-para-os-outros é uma arma reacionária que, através dos séculos, tem legitimado a espoliação do trabalho humano em benefício de uma ordem cruenta. Cedendo à retórica da imolação compensatória, Vieira não consegue extrair do seu discurso universalista aquelas conseqüências que, no nível da práxis, se contraporiam, de fato, aos interesses dos senhores de engenho. A condição colonial erguia, mais uma vez, uma barreira contra a universalização do humano” (BOSI)
Mas a abordagem mais comum é aquela que ignora o fato de que Vieira estava mais preocupado com o sucesso econômico da Colônia do que com a libertação dos negros. Intitulá-lo de abolicionista virou praxe. Isso acontece, porque nas últimas décadas, com o desenvolvimento do movimento de identidade negra, a comunidade africana no Brasil escolheu mártires e mitificou personagens da nossa história, nem sempre merecedores de tamanha homenagem. Há também estudos mais profundos que vêem no jesuíta um defensor dos escravos negros, é o caso do livro Uma questão de igualdade: Antônio Vieira e a escravidão negra na Bahia do século XVII, do historiador Magno Vilela, que busca na biografia e, até na árvore genealógica do padre, a formação de um herói afro-brasileiro. Segundo o autor, o avô paterno do ilustre jesuíta, Baltazar Vieira Ravasco, “teria sido serviçal ou criado, de uma família da nobreza e na casa onde trabalhava uniu-se com outra criada que seria, conforme relatam ambiguamente alguns documentos, ‘índia ou mulata’”, revela Vilela.
Não se pode negar que há algo de novo no pensamento de Antônio Vieira; mesmo porque não são poucos os momentos em que explicita compaixão e revolta com a situação dos negros cativos no Brasil. Apesar disso, não há nenhuma sombra de idéia abolicionista em seus textos e, pelo que se sabe, em nenhum momento pleiteou com D. João IV leis que regularizassem ou diminuíssem a “mercancia diabólica” (termo utilizado pelo próprio Vieira), como fez com a questão da mão-de-obra indígena, a qual defende com mais constância, veemência e menos contradição.
Pelo que indica sua extensa obra e pelo que se conhece de sua biografia, Padre Antônio Vieira era guiado por dois grandes objetivos, um clerical e outro político. O primeiro e mais importante, segundo ele, era a conversão de todos os povos, o que já significa uma grande luta com a sociedade da época, pois partia do pressuposto de que os povos gentílicos eram passíveis de salvação. O outro era mais nacionalista (se partirmos do pressuposto que Brasil e Portugal eram uma única pátria) e envolvia aspectos políticos, econômicos e sociais, como o desenvolvimento da Colônia para enriquecimento da Coroa, a moralização na política local, entre outros. Nenhum de seus discursos secundários poderia se opor a estes dois objetivos maiores e é sabido que a base da atividade econômica do sistema colonial, sobretudo no Brasil, Caribe e Estados Unidos, era o escravo negro.
“No período entre 1648-49, quando Portugal reconquistava Angola e São Tomé e Príncipe, é atribuída a Vieira, ativo embaixador da Restauração portuguesa junto ao inimigo europeu, a afirmação de que ‘todo o debate agora é sobre Angola, e é matéria em que não hão-de ceder, porque sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros’”. (FELINTO, 2002, www.uol.com.br/fol/brasil500/histpadre1)
Apesar de se compadecer com o sofrimento dos escravos nos “infernos dos engenhos”, Vieira não era abolicionista porque estava ciente da necessidade da mão-de-obra escrava para esta que era sua meta maior, como conselheiro político do Reino. Mesmo porque, como representante do clero, acreditava que mais importante do que salvar os negros de seu sofrimento terrestre era salvá-los de sua condenação eterna. Era, antes de tudo, “homem de seu tempo” e, portanto, qualquer análise deve ter como parâmetro o pensamento da época. O próprio Vieira disse isso, como ciente de possíveis falhas em suas teorias, se defendendo antecipadamente a qualquer crítica da posteridade: “Sou homem do tempo; com ele vivo, com ele morro, com ele adoeço, com ele saro” (VIEIRA apud VILELA, p. 61).
A convicção e o caráter moderno de seu pensamento em relação à salvação do negro, um tabu para Igreja Católica de então, são elevados para a época. A idéia vigente era a da diferença natural entre as raças e a Igreja patrocinava este pensamento sem restrições à exploração de mão-de-obra escrava. Santo Isidoro de Sevilha, por exemplo, acreditava que, por causa do pecado original, Deus havia penalizado o homem com a escravidão, estabelecendo hierarquias de conduta. Os escravos seriam aqueles com maior propensão ao pecado e o poder dos senhores poderia controlar isso. Esta teoria perdurou na igreja católica e ganhou ímpeto quando das descobertas do Novo Mundo. Na exploração das terras americanas, os países ibéricos utilizavam a bula papal Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1454, como autorização para a exploração da mão-de-obra nativa e africana:
“Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente adquiridos foram trazidos ao reino, o que esperamos progrida até a conversão do povo ou ao menos de muitos mais. Por isso nós, tudo pensando com devida ponderação concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos seus aos mesmos D. Afonso e seus sucessores, e ao infante. Se alguém, indivíduo ou coletividade, infringir essas determinações, seja excomungado”. (PAPA NICOLAU V, 1454, apud RIBEIRO, p. 39)
Quase um século depois, o papa Paulo III, ameniza a escravidão indígena, mas não alivia a situação dos negros (as terras africanas já eram conhecidas):
“… definimos e declaramos que os ditos Índios, e todos os outros povos que daqui em diante vierem a ser conhecidos pelos cristãos, ainda que estejam fora da fé cristã, podem, livre e licitamente, assenhorar-se, usar e gozar da sua liberdade, como também do domínio de todas as suas coisas, e que não devem ser reduzidos a servidão”. (PAPA PAULO III, 1537, apud VILELA, p. 123 – grifos meus).
Enfim, em meio há tamanho preconceito étnico e religioso, o principal mérito de Vieira é, como Padre, humanizar o negro, sentir compaixão de seu sofrimento e pregar a possibilidade de salvação divina a toda espécie de povos pagãos. O fato não é realmente uma novidade, na própria Bíblia o apóstolo Paulo já pregava, em Colossenses 3:11, que, após a salvação, “não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre mas Cristo é tudo em todos”. Vieira vem, principalmente, retomar este e outros conceitos, como os de Cícero e Sênera, dois filósofos estóicos citados nas pregações de Vieira, que tinham a escravidão como contrária à natureza.
Desde o século XV, o assunto vinha se desenvolvendo nos países ibéricos, de forma bastante marginal e incipiente dentro da Igreja. Alguns poucos frades dominicanos espanhóis e portugueses discutiam o assunto e faziam oposição radical à idéia vigente. “Tão injusto escravizar os negros como os índios, e pelas mesmas razões”, defendia Bartolomeu de Lãs Casas (1474-1566). Muitas décadas antes de Vieira, em 1583, os padres Miguel Garcia e Gonçalo Leite, se recusavam publicamente a ouvir em confissão e absolver quem possuísse escravos, “nenhum escravo da África ou do Brasil era justamente cativo”. Aliás, a discussão não é exclusividade do catolicismo, os protestantes holandeses que aqui estavam no século XVII também passavam por semelhante conflito, explícito na crônica de 1647 escrita por Gaspar Barléu:
“Depois que a avidez do ganho medrou ainda mesmo entre os cristãos, que abraçaram fé mais pura e mudada para melhor abrindo caminho com a guerra e com as armas, também os holandeses voltamos ao costume de comprar e vender um homem apesar de ser ele imagem de Deus, resgatado pelo sangue de Cristo e senhor do universo…” (BARLÉU apud VILELA, p. 121)
Mas foi com Vieira que o tema ganhou fôlego. Nosso ilustre Padre não media palavras para condenar a desumana e injusta escravidão, seja em sermões dirigidos a servos, na Confraria da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, ou a senhores. Neste último caso, defendia o bom tratamento e a cordialidade aos escravos: “E quando o Filho de Deus se não desprezou de ser escravo, quem haverá que se atreva de desprezar os escravos?”, afirma no sermão XX.
O padre barroco mostra que os servos eram tão ou mais merecedores da salvação que seus senhores, graças ao sofrimento que passavam nos engenhos. Neste momento fica evidente uma valorização do trabalho escravo, como um caminho que leva a Deus, um sacrifício de santificação. Para Vieira, a liberdade é mais propensa aos vícios, e a obediência e a sujeição mais disposta para as virtudes. Segundo ele, a palavra humilitatem, do texto bíblico, não significa humildade enquanto virtude da pessoa, senão humildade enquanto baixeza da condição pessoal. “O cativeiro da primeira transmigração é ordenado por sua misericórdia para a liberdade da segunda”, diz no Sermão XXVII. Semelhante retórica é encontrada no sermão XIV:
“Começando, pois, pelas obrigações que nascem do vosso novo e tão alto nascimento, a primeira e maior de todas é que deveis dar infinitas graças a Deus por vos ter dado conhecimento de si, e por vos ter tirado de vossas terras, onde vossos pais e vós vivíeis como gentios; e vos ter trazido a esta, onde instruídos na fé, vivais como cristão, e vos salveis”. (VIEIRA, 1998, p. 138)
A igualdade que parece defender em alguns sermões é claramente denunciada em outros. É nos pequenos detalhes que o jesuíta expõe também seus preconceitos e deixa transparecer aquilo que acredita ser a inferioridade “dos pretos”, opondo-os aos brancos, estes sim exemplos dignos de imitação: “Os brancos e senhores não se deixem vencer dos pretos, que seria grande afronta da sua devoção; os pretos e escravos procurem de tal maneira imitar os brancos e os senhores…”. A própria linguagem de Vieira revela o que pensa sobre os negros. “Só pode ter esta verdade uma réplica, não para vós, senão para os que sabem mais que vós”, ou:
“Procurarei que seja com tal clareza que todos me entendais. Mas, quando assim não suceda – porque a matéria pede maior capacidade da que podeis ter todos – ao menos, como dizia Santo Agostinho na vossa África, contertar-me-ei que entendam vossos senhores e senhoras, para que eles mais devagar ensinem o que a vós e também a eles muito importa saber”. (VIEIRA, Sermão XXVII)
Para ele, os próprios negros admiram o homem ocidental e sentem vergonha de sua selvageria: “Quando os portugueses apareceram à primeira vez na Etiópia, admirando os etíopes neles a polícia européia, diziam: Tudo o melhor deu Deus aos europeus e a nós só a cor preta”. Em outros momentos, a própria cor é motivo para menosprezo; já que, era comum, a identificação da cor preta às trevas: “Notem isto as pretas e os pretos, para que os não desconsole ou desanime a sua cor, e notem também o mesmo as brancas e os brancos, para sua confusão, se, tendo a brancura só por fora, forem negros por dentro”.
Durante o sermão XX, o jesuíta admite acreditar que os negros não merecem a salvação, senão pela misericórdia de Nossa Senhora:
“Eu confesso que não reconheço nos escravos geralmente tais virtudes, à quais se possa prometer uma segunda fortuna tão notável como esta; mas também sei, que é tão poderosa a misericórdia da Mãe de Deus, que compadecida das misérias que eles padecem em toda a vida, lhes pode converter as mesmas misérias em virtudes”
Quando questiona o caráter humano ou divino da escravidão, difere nas suas opiniões de forma drástica. Se no Sermão XX diz que “entre os homens dominarem os brancos aos pretos é força, e não razão ou natureza”. No sermão XXVII, defende que a escravidão é providência divina, já que na nova terra o homem negro pode ter contato com a fé: “É particular providência de Deus que vivais de presente escravos e cativos para que por meio do cativeiro temporal consigais a liberdade ou alforria eterna”.
“E como a natureza gerou os pretos da mesma cor da sua fortuna, (…) quis Deus que nascessem à fé debaixo do signo da sua paixão, e que ela, assim como lhe havia de ser o exemplo para a paciência, lhe fosse também o alívio para o trabalho. Enfim, que de todos os mistérios da vida, morte e ressurreição de Cristo, os que pertencem por condição aos pretos, e como por herança, são os dolorosos”. (VIEIRA)
Vieira interpreta vários papéis em seus sermões, o de consolador e convertedor, por exemplo, fica explícito quando trata da salvação divina e faz diferenciação entre a servidão do corpo e a escravidão da alma. Este é um dos temas do Sermão XXVII: “o escravo, como qualquer outro homem, é composto de carne e espírito, e o domínio do senhor sobre o escravo só tem jurisdição sobre a carne, que é o corpo, e não se estende ao espírito, que é a alma” e continua de forma dramática: “por mais tirano que seja; o cativeiro dos homens é temporal, o do demônio eterno”. Aliás, chega até a incitar os escravos a agradecer pela escravidão no serão XIV: “Oh, se a gente preta, tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça, e não é senão milagre, e grande milagre?”
Em um segundo papel, o de pacificador, Vieira fala aos escravos de resignação: “quando servis a vossos senhores, não os sirvais como quem serve a homens, senão como quem serve a Deus – porque então não servis como cativos, senão como livres, nem obedeceis como escravos, senão como filhos…”.
“O que haveis de fazer é consolar-vos muito com estes exemplos, sofrer com muita paciência os trabalhos do vosso estado, dar muitas graças a Deus pela moderação do cativeiro a que vos trouxe, e, sobretudo, aproveitar-vos dele para o trocar pela liberdade e felicidade da outra vida, que não passa, como esta, mas há de durar para sempre (VIEIRA)”
A revolta não é admitida pela lei divina, melhor é suportar a dor e o castigo do corpo para alcançar a pureza da alma. “sofrei animosa e cristãmente, ainda que seja por toda a vida que esses castigos são martírios”. Em uma carta sobre o Quilombo dos Palmares cita as rebeliões como a destruição total do Brasil:
“Porém esta liberdade assim considerada seria a total destruição do Brasil, porque conhecendo os demais negros que por este meio tinham conseguido ficar livres, cada cidade, cada vila, cada lugar, cada engenho, seriam logo outros tantos palmares, fugindo e passando-se aos matos com todo o seu cabedal, que não é outra mais que o próprio corpo!” (VIEIRA apuc VILELA, p.169)
Desta forma, ainda como catequista, ensina que os servos devem suportar esta “vida” terrestre, com paciência e gratidão, assim como faria o próprio Cristo. Aliás, esta é uma das estratégias retóricas de Vieira: comparar o sofrimento de Jesus na cruz com o dos escravos no cativeiro. A riqueza estilística da linguagem de Vieira, que contrapunha idéias e palavras, trazia a realidade do negro para mais perto de sua pregação. Assistindo seu cotidiano nas palavras do pregador, sua sina parecia dolorida mas gloriosa, assim como os últimos dias de Jesus sobre a Terra: “não há trabalho, nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e paixão de Cristo, que o vosso em um destes engenhos”.
“Os senhores poucos, e os Escravos muitos: os Senhores rompendo galas, os Escravos despidos e nus; os Senhores banqueteando, os Escravos perecendo à fome: os Senhores nadando em ouro e prata, os Escravos carregados de ferros: os senhores tratando-os como brutos, os Escravos adorando-os, e temendo-os como deuses: os Senhores em pé apontando para o açoite, como Estátuas da soberba e tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás como Imagens vilíssimas da servidão, e Espetáculos da extrema miséria” (VIEIRA).
Em uma análise geral, é possível dizer, quatrocentos anos depois, que o pacifismo de Vieira, foi prejudicial para a causa antiescravista no Brasil. E é justamente esse caráter, comum aos jesuítas da época, o principal alvo das críticas dos intelectuais modernos:
“Desapossados de suas terras, escravizados em seus corpos, convertidos em bem semoventes para os usos que o senhor lhes desse, eles eram também despojados de sua alma. Isso se alcançava através da conversão que invadia e avassalava sua própria consciência, fazendo-os verem-se a si mesmos como a pobre humanidade gentílica e pecadora que, não podendo salvar-se neste vale de lágrimas, só podia esperar, através da virtude, a compensação vicária de uma eternidade de louvor à glória de Deus no Paraíso”. (RIBEIRO)
Traduzir o pensamento de Vieira em relação à escravidão negra não é tarefa fácil, talvez até impossível. Não há bases suficientes para dizer que se guiava apenas por interesses políticos, preconceitos étnicos, ingenuidade ou simples experiência de vida – nem todos os sermões são datados e seus valores podem ter mudado entre idas e vindas ao Reino, diferentes funções políticas, maior contato com indígenas e africanos, ou mesmo por causa das represálias que sofreu.
A resposta a esta problemática não afetará a história da literatura luso-brasileira, da qual Vieira é alicerce, mas o tema continuará a despertar discussões fervorosas. Afinal, além da genialidade retórica deste grande representante das letras portuguesas e da sua atuação como figura decisiva na história brasileira, há a curiosa e desafiadora ambigüidade dos sermões. É ela, desmitificada, que anula qualquer traço de heroísmo do jesuíta, deixando-o à sua realidade de carne-e-osso, contraditória e repleta de revisão de valores, como a que vive o homem desse ou de qualquer outro tempo.
Referências
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
___________. História Concisa da Literatura Brasileira. 3ª edição. São Paulo: Cultrix, 1989.
FELINTO, Marilene. Abolicionista Precoce. Folha on line. Disponível em: <www.uol.com.br/fol/brasil500/histpadre1>
MAGNO, Vilela. Uma questão de igualdade – : Antônio Vieira e a escravidão negra na Bahia do Século XVII. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro; a formação e o sentido do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Editora Shcwarcz, 2000.
VIEIRA, Pe. Antônio Vieira. Cartas. Seleção: Novais Teixeira, Prefácio: Luís de Paula Freitas. São Paulo: W. M. Jackson, 1952, vol XIV.
____________. Sermões. Prefácio e revisão: Padre Gonçalo Alves. Porto: Lello e Irmão, 1959, vol. XI, Sermão XIV e XVI.
____________. Sermões. Revisão: Frederico Pessoa de Barros. Erechim: Edelbra, 1998, vol V, Sermão XX.
____________. Sermões escolhidos. Revisão: Frederico Pessoa de Barros. São Paulo: Edameris, 1965, vol V, Sermão XXVII.