Franklin Joaquim Cascaes (1908–1983), nascido em Florianópolis, desde a infância interessou-se pela cultura local, a qual serviu como inspiração para sua obra. As histórias que ouviu e as celebrações populares que acompanhou marcaram profundamente sua produção artística. Atuando como escritor, escultor, desenhista, ceramista e folclorista, documentou e recriou o imaginário açoriano catarinense por meio da arte e da escrita. Iniciou sua trajetória artística aos 38 anos, conciliando-a com a carreira de professor de arte que durou quase 40 anos. Ele valorizou o ensino da cultura local, utilizando métodos inovadores como a oralidade e expressões artísticas populares para despertar o interesse dos alunos e preservar as tradições. Sua produção foi extensa, com mais de 2800 itens catalogados, incluindo esculturas, desenhos, textos, gravações e manuscritos, alguns ainda inéditos. Seu trabalho aborda temas como o papel da mulher na sociedade local, o misticismo, a cultura negra na ilha de Santa Catarina e as transformações sociais e ambientais da região. Sua obra literária inclui 24 narrativas com forte presença da linguagem popular, além de cartas e poemas. Seu livro O Fantástico na Ilha de Santa Catarina reúne contos místicos baseados na tradição oral. Seus poemas têm uma forte conexão com suas esculturas, como é o caso da obra apresentada nesta edição, o Caderno 91. Nesse caderno, o Professor Franklin Cascaes deixou 5 manuscritos, entre eles, o poema em homenagem ao escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, autor de O Pequeno Príncipe. Entre as décadas 1920 e 1940, Antoine de Saint-Exupéry foi aviador, piloto do Aero Postales, correio francês, que tinha Florianópolis na rota de entrega de correspondências entre Paris e Buenos Aires, na Argentina. O campo de pouso em Florianópolis ficava localizado no bairro Campeche, e o escritor recebeu, de pescadores e moradores do bairro, o apelido carinhoso de Zé Perri, os quais contavam muitas histórias sobre suas visitas nessa época. Como as histórias desse aviador, contadas por pescadores, fazem parte da tradição da ilha, Franklin Cascaes não poderia deixar de homenagear também um visitante querido do povoado da ilha da magia. Vejamos o poema em homenagem ao “Zé Perri”, denominado “Versos sobre um avião”:
Só não saiu de casa
Quem tava com muita dore
Pra mode vê as proeza
Do valente aviadore
O povo da cidade
Ficou em povorosa
Correu para ver o aviadô
Que não sabia contá prosa
O érci do avião
era feito de lata
As aza de madera
E as roda de batata
Corta a corda com sustança
Não fica olhando pro chão
Que eu quero dá um adeus
Pras moça do riberão
De dentro do avião
O Zé gritou com a Chica
Corta a corda seu diabo
Pro mode ficá rica
O ronco da érci (hélice)
Assustô inté as vaca
A que tava amarrada
Quebrô a estaca
Chica corta a corda
Dá um taiaço só
Corta arriba da estaca
E prá diante do nó
Corta a corda Chica
E não fica aí a espera
Que eu quero dá um vôo
Em riba da Tapera
A Chica tava de branco
Debaixo do céu azuli
Pra mode vê o avião
Passa no pantano do suli
O povo do Rio Tavare
Ficou cheio de admiração
De vê o Zé passar voando
Em riba do Ribeirão
Corta a corda Chica
Corta a corda já
Quero dá órdi (?)
Na aviação naval
Corta a corda Chica
Corta a corda bem ligeiro
Quero dá um passeio
No Rio de Janeiro
Corta a corda Chica
Não deixa ela partí
Guenta bem guentada
Que eu quero subí
Quando o Zé passou na serra
Naquele bicho roncadô
Não houve um só macaco
Que do galho não pulou
Corta a corda Chica
E corta bem digero
Que eu quero saí voando
De riba deste coquero
No caminho do Campeche
Parecia uma guerra
Do povo que corria nele
Para vê o avião
A fumaça do crosene (querosene)
Se espalhou no ar
Pro mode espantá os mosquito
Pro Zé podê voá
O povo do rio tavares
Abandonaro roça e casa
E viero a incruziada
Vê o avião batê as aza