Entrevista com Mia Couto

Muleka Mwewa, Vássia Silveira, Maria Isabel Teixeira Brisolara

Filho de uma contadora de histórias e de um poeta, António Emílio Leite Couto, o Mia Couto, nasceu em 1955 em Moçambique, na cidade litorânea de Beira, localizada no ponto de encontro das águas do Rio Pungué com o Oceano Indico.  Nessa especialíssima geografia e contemporâneo do momento definitivo da história de Moçambique, forma-se um homem com preocupações tão diversas e nele tão convergentes.

Mia Couto, cientista e escritor, cuja militância intelectual é ímpar e plural, pois se desdobra e se encontra em múltiplas faces. Encontramos Mia Couto na ficção, no jornalismo, na critica social, no ativismo ambientalista e no comprometimento político. Aliás, este comprometimento ocorre desde os tempos em que era estudante de Medicina em Lourenço Marques (atual Maputo), no inicio dos anos 70, quando se engajou na luta pela independência colonial moçambicana tornando-se membro da FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique. Foi aí, nesse contexto, que as demandas cívicas e históricas cobraram-lhe a interrupção do curso de Medicina. Após a independência colonial de Moçambique, entre os anos de 1975 e 1985, Mia Couto ampliaria ainda mais a sua atividade política trabalhando como jornalista, colaborando com “A Tribuna”, atuando como diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM), escrevendo na Revista “Tempo” e no Jornal “Notícias”.

Em 1989, Mia Couto torna-se biólogo pela Universidade Eduardo Mondlane, especializando-se na área de Ecologia. Como biólogo tem realizado pesquisas na área de Ecologia das zonas costeiras e também tem trabalhado na pesquisa da cultura popular, especialmente no estudo de mitos, lendas e conhecimentos que, no âmbito da cultura, signifiquem formas de manejo dos recursos naturais. É professor da cadeira de Ecologia na Universidade Eduardo Mondlane.

A literatura? Pode-se dizer, sem medo de errar, que também a literatura é parte de sua militância intelectual por Moçambique. A sua obra, além de ser traduzida para diversos idiomas é, ela própria, tradutora da história e da cultura moçambicana para o mundo.

A obra de Mia Couto, em seu conjunto, é uma constante viagem pelas paisagens e lugares de Moçambique, atravessando também os múltiplos tempos de que eles são feitos. A viagem é uma metáfora rica e possível para captar e compor literariamente os nós dos encontros e desencontros desses espaços e tempos, bem como as insondáveis identidades moçambicanas que nesses nós vivem. Autor de muitas estórias abensonhadas, de várias brincriações com a língua portuguesa e outras interinvenções, Mia Couto modela a língua portuguesa expandindo-a em toda a sua plasticidade verbal. A escrita de Mia Couto forma imagens em tamanha profusão que reproduz a movência oral.

A influência que teve de Guimarães Rosa, que conheceu por intermédio de Luandino Vieira, como Mia Couto já destacou várias vezes, não se revela somente na invenção de uma língua literária, pois, no fundo, essa língua inventada guarda uma narratividade profunda que liga justamente o escrito ao oral, o momento contemporâneo ao ancestral, o moderno ao tradicional e que, ao fim e ao cabo, permite unir como que pontos improváveis num complexo mapa que vai se formando de histórias, imagens e sonhos. Eis aí Moçambique.

A narratividade profunda de Guimarães como de Mia Couto é um mergulho em si mesma, é a descoberta de um saber que só pode ser aprendido ao se contar a história e que, por sua vez, cada história revela somente depois de contada. Simples, assim. Mas, há nisso um mistério que se preserva e que faz da memória – a memória do leitor – ser o seu complemento, que une cada história lida – às vezes muitas na mesma narrativa – como um fio que une as miçangas do colar e, assim, descobre-se que, portanto, há uma circularidade na narratividade de Mia Couto que não deixa a história encontrar seu fim, ao contrário.

Obras

Com 14 anos, publicou os primeiros poemas no Jornal Notícias da Beira .

Nos anos 80, Mia Couto publicou o primeiro livro de Poemas “Raízes de Orvalho” (1983); o primeiro livro de contos “Vozes Anoitecidas” (1986); “Cronicando”, reunindo as crônicas publicadas na imprensa (1988).

Nos anos 90, publicou o livro de contos “Cada homem é uma raça” (1990); o primeiro romance, “Terra Sonâmbula” (1992); “Estórias Abensonhadas” (1994), “A Varanda do Frangipani” (1996), “Contos do Nascer da Terra” (1997), “Vinte e Zinco” (1999).

A partir de 2000,  publicou  “Mar me quer” (2000); “Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos” (2001); “O Gato e o Escuro” (2001); “O Último Voo do Flamingo” (2000);  “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra” (2002); “O Fio das Missangas” (2004) até agora o seu último livro de contos; “O Outro Pé da Sereia” (2006); “O beijo da palavrinha” (2006),  “Venenos de Deus, Remédios do Diabo” (2008) e “Antes de nascer o mundo” (2009).

Prêmios

Em 1999, foi vencedor do conceituado Prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto da obra. Em 2001, recebeu também o Prêmio Literário Mário António, pela obra “O Último Voo do Flamingo” atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian a autores e obras de países africanos de língua portuguesa e de Timor-Leste.
Em 2007, ganha o premio União Latina de Literaturas Românicas e o  Prêmio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura , na Jornada Nacional de Literatura .

Mia Couto é o único escritor africano membro da Academia Brasileira de Letras. É sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras , sexto ocupante da cadeira 5, que tem por patrono Dom Francisco de Sousa .

Cinema

A obra literária de Mia Couto tem sido prestigiada também no cinema. O autor já teve adaptadas as seguintes: “Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra” (2005) pelo cineasta português José Carlos Oliveira; “Terra Sonâmbula” (2007) pela cineasta portuguesa Teresa Prata; e,em 2009, começou a ser filmado “O último vôo do flamingo” por João Ribeiro, cineasta português.

Teatro

Mia Couto colabora como escritor e adaptador com o grupo teatral da capital de Moçambique, o “Mutumbela Gogo”. Várias histórias suas, como a “Varanda do Franjipani” e contos extraídos de “Cada homem é uma raça”, como é o caso de  “A princesa russa” que foi apresentado na Itália, são exemplos da recepção de sua obra no teatro, tanto em Moçambique, Portugal, Brasil como em vários outros países.

Prof. Dra. Susan Aparecida de Oliveira

 


 

Entrevista cedida e autorizada por Mia Couto à Mafuá na livraria Books & Living na cidade do Porto (Portugal) dia 17 julho 2009.