Francisco Xavier Ferreira e o início da imprensa no extremo sul

Ana Cristina Pinto Matias

Resumo: Neste artigo, o foco principal é Francisco Xavier Ferreira, pioneiro na cidade de Rio Grande pela implantação da primeira tipografia, com o objetivo de reconstruir o sistema literário de parte da literatura sulina.

Palavras-chaves: Imprensa do século XIX. Periodismo literário. Tipografia.

Abstract: In this article, the main focus is Francisco Xavier Ferreira, pioneer in the city of Rio Grande by implants the first printing, aiming to reconstruct the literary system of the literature sulina.

Keywords: Press of the nineteenth century. Literary journalism. Printing.

 

O projeto “Dicionário de autores de Rio Grande no século XIX”, desenvolvido desde 2006 na FURG, tem como objetivo reunir, organizar e divulgar dados biográficos existentes sobre os autores que ajudaram na formação e consolidação do sistema literário na cidade do Rio Grande ao longo do século XIX.

Neste artigo, o foco principal é Francisco Xavier Ferreira, pioneiro na cidade de Rio Grande pela implantação da primeira tipografia, objetivando os resgates histórico e literário através de publicações como Hino que se cantou na noite do dia 24 do corrente, pela feliz notícia da Gloriosa Elevação do Sr. Dom Pedro II ao Trono do Brasil (1831) e a Relação dos festejos, que fizeram os portugueses residentes na vila do Rio Grande do Sul, em demonstração de seu júbilo pelo restabelecimento da paz, e da liberdade, na sua pátria (1834).

Francisco Xavier Ferreira – farmacêutico, jornalista, poeta e político − nasceu na Colônia de Sacramento (Uruguai) em 04 de dezembro de 1771, casou-se com Ana Joaquina em 1793 em Rio Grande, onde abriu uma farmácia e, por isso, ganhou o apelido de Chico da Botica. Ainda no Brasil colonial, ingressou na Maçonaria em 1819 filiando-se ao Grande Oriente do Brasil – criou a Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional (1832) − e, logo após o início do Segundo Reinado, em 7 de abril de 1831, quando Dom Pedro I abdicou o reinado aclamando Dom Pedro II ao trono, imprimiu o primeiro texto publicado na cidade rio-grandina.

Nessa mesma tipografia, imprimiu os jornais O Noticiador, o primeiro jornal rio-grandino, e O Propagador da Indústria, de José Marcelino da Rocha Cabral[1]. Até então, os impressos vinham do Rio de Janeiro ou de Portugal, sendo de grande valia a importância de Francisco Xavier Ferreira ao fundar uma tipografia local, para que assim possibilitasse produções literárias rio-grandinas e que fossem registrados os acontecimentos de nossa terra de forma independente.

Em 1835, é eleito deputado na 1ª legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Rio Grande do Sul e sua participação é considerada fundamental na lei que elevou a vila de Rio Grande (1835) à categoria de cidade, assim como atuou no projeto que deu o nome de Cidade de Pelotas (1835) à cidade vizinha.

Em 1840, antes da Maioridade de D. Pedro II, Xavier Ferreira falece em 23 de abril de 1838, na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição da Ilha de Villegagnom (RJ), após ser preso durante a Revolução Farroupilha na retomada de Porto Alegre pelas forças legalistas. Jorge de Souza Araujo (1999), a partir da leitura de testamentos depositados em diversas instituições brasileiras, considera sua biblioteca pessoal como a maior do período colonial, com cerca de 760 títulos dos mais distintos setores: literatura francesa e portuguesa, Filosofia, Direito, Economia política, Ciências Naturais, físicas, químicas e matemáticas.

Como homenagem em Rio Grande, a então Praça do Comércio ganhou o seu nome, ao ser comemorado o centenário da Lei Provincial que elevou à cidade da Vila de Rio Grande, em 26 de junho de 1935, sendo chamada a partir de então de Praça Xavier Ferreira.

O ambiente literário no Brasil vivia a mudança das características árcades para o início do período romântico (1836 – 1881). Se, de um lado, o Arcadismo privilegia o resgate de formas clássicas, o culto à mitologia, a referência greco-latina, a presença de um eu lírico neutro e, no Brasil, o relato de suas paisagens tropicais; a valorização da história colonial; o início do nacionalismo; a luta pela independência e a colônia sendo colocada como o centro de atenções, o Romantismo dá liberdade nas suas formas poéticas e no eu lírico para que expresse seu reflexo interior, buscando encontrar uma identidade para o Brasil que o desligasse de raízes portuguesas.

O Romantismo brasileiro, por ter vivido um período conturbado de 1823 a 1831 com o autoritarismo de Dom Pedro I e a luta pelo trono português contra seu irmão Dom Miguel, traz a lusofobia e o nacionalismo como fruto de desafio do ideário romântico – o que não é encontrado em nossas obras pesquisadas – contra Portugal.

Para Antonio Candido, a função da literatura culta no Brasil, no período que se segue, servia apenas para que ficasse registrada a língua portuguesa:

uma das funções da literatura culta no Brasil Colonial; impor a língua portuguesa e registrá-la em escritos que ficassem como marcos, ressaltando a sua dignidade de idioma dos senhores (…) a existência de uma verdadeira vida literária, que só correrá a partir do século XVIII, quando se esboça uma “República das Letras”. Nos séculos XVI e XVII o que havia eram autores ocasionais, ou circunscritos à sua região, produzindo obras que na maioria absoluta não foram impressas, inclusive porque o Brasil só teve licença para possuir tipografias depois de 1808. Algumas dessas produções foram editadas em Portugal, mas outras de grande importância conheceram apenas a difusão oral ou manuscrita, atingindo círculos restritos e só no século XIX chegaram ao livro. (CANDIDO, 1999, p. 19-20)

O Hino que se cantou na noite do dia 24 do corrente, pela feliz notícia da Gloriosa Elevação do Sr. Dom Pedro II ao Trono do Brasil (1831), atribuído a Xavier Ferreira, foi elaborado para Dom Pedro II, que assumiu o trono com apenas seis anos de idade. O hino tem como finalidade expressar a libertação da pátria brasileira de sua raiz portuguesa.

É considerado o primeiro impresso rio-grandino, feito ainda antes do aparecimento do primeiro jornal local, e seu original encontra-se somente na Biblioteca Nacional. Composto por sete quadras e mais um “coro”, também de quatro versos, o hino intitulado “Os ferros da escravidão” prega o fim do reinado de Dom Pedro I e exalta a passagem do trono a Dom Pedro II, pois o Brasil era visto como escravo de Portugal e a partir de então se liberta da posição de colônia portuguesa.

No nosso Pátrio Horizonte
Dourado assoma o clarão
Que anuncia já desfeitos
Os ferros da escravidão.

Triunfamos, Brasileiros,
Dessa perjura facção
Que lançar-nos projetava
Os ferros da escravidão

Nestas duas primeiras estrofes do hino, o eu lírico usa o pronome na primeira pessoa do plural (“nós”), o que dá voz a todo o conjunto de brasileiros, mostrando o triunfo alcançado perante a imagem de escravidão até então vivida no Brasil, e de forma extremamente negativa em relação ao regime monárquico instalado por Portugal. Presente, o maniqueísmo é visto a partir dos primeiros versos, em que o nosso pátrio horizonte é dourado e os outros, os portugueses, são classificados como “perjura facção”, em tempo passado o que concluímos que no presente momento a nação brasileira está livre.

O Augusto Herdeiro ao Trono
D’Brazil, Honra e Brasão
Salva a Pátria aniquilando
Os ferros da escravidão

Esta estrofe mostra a imagem tomada por Dom Pedro II perante o povo, que era visto como um herói, pois sua ocupação no trono tornaria o país livre do regime português, entrando o período regencial que dava início ao império. A figura “Augusto” demonstra uma imagem muito positiva representando a esperança do herdeiro ao Brasil. E, mantendo o maniqueísmo entre as duas nações e continentes.

Se a séculos suporta a Europa
Do despotismo o grilhão,
No Brasil nem um momento
Os ferros da escravidão

Vingou-se a Pátria insultada
No Campo d’aclamação
Lá mesmo foram quebrados
Os ferros da escravidão

No terreno Americano
Nunca mais vegetarão
Ditames do despotismo
Os ferros da escravidão

Nestas últimas estrofes é destacado o desejo pelo novo, no trecho “Se a séculos suporta a Europa” contrapõe ao trecho “No terreno americano/ Nunca mais vegetarão”, em que o velho é deixado para trás através da investidura de Dom Pedro II, já que era nascido no Brasil, e o poder estaria nas mão de um brasileiro e não mais por um português como ocorreu no período de Dom Pedro I, também marca a oposição entre Europa e América, demonstrando a lusofobia. O “Campo da aclamação” era o local dado a tais cerimônias ocorridas na época, sendo também palco do momento da proclamação da Independência.

Viva a Assembléia Geral
A Brasileira Nação
O Jovem Pedro Segundo
Pátria Constituição.

Sendo assim, no coro apresentado acima está implícito o sentimento de prisão à Europa expressando o seu fim, como conquista a primeira constituição do país exaltado no coro como feito por D. Pedro II juntamente com a assembléia geral.

Após o período de Independência do Brasil de Portugal, em 1822, surge o sentimento de pátria a ser exaltada pelos brasileiros e por quem aqui vivia, como podemos destacar no verso “Vingou-se a Pátria insultada/ No Campo d’aclamação”, o que é notadamente expresso neste hino.

De modo que em geral, o tom elogioso à nação brasileira tornava-se fonte de inspiração em composições literárias, como no tom positivo dos versos do coro apresentado, em que o triunfo do Brasil ao romper com a ligação com Portugal, glorificando este feito e apresentando um sentimento de heroísmo, o qual é atribuído a D. Pedro II. Assim, é dada a construção de formação de uma “comunidade imaginária” (HOBSBAWN, 1988, p. 219), típica da época, através da imaginação e criação o que é visto de forma maniqueísta no ponto de vista poético.

A segunda obra aqui analisada é o livreto – já que possui apenas 15 páginas impressas – Relação dos festejos, que fizeram os portugueses residentes na vila do Rio Grande do Sul, em demonstração de seu júbilo pelo restabelecimento da paz, e da liberdade, na sua pátria (1834), de autoria de Francisco Xavier Ferreira e também impresso em sua tipografia, que tem como desígnio registrar o jantar da noite de 24 de agosto e a festa da noite de 26 de agosto de 1834, ambas em Rio Grande, em comemoração ao final da Guerra Civil, entre miguelistas e tropas liberais de Dom Pedro IV, com a assinatura do Tratado de Évora Monte em Portugal. Nessa obra, atualmente encontrada somente na Biblioteca Rio-Grandense (Rio Grande, RS), os brasileiros e portugueses residentes em Rio Grande exaltam o restabelecimento da paz em Portugal.

O texto descreve, assim, a cerimônia em sua íntegra, inclusive com nome de convidados ilustres, detalhes estéticos, citações, inscrições de exaltação em objetos decorativos e placas, mostrando a elite rio-grandina e o luxo que estava presente na cerimônia. Aparecem figuras ilustres da sociedade como convidados, como as elites cultural, econômica e política, também, a presença de personalidades da época:

Os Srs. Antonio Jose Affonso Guimarães, e Manoel Gomes da Silva, vereadores da Câmara Municipal, Porfírio Ferreira Nunes, comandante da Guarda Nacional e Carlos Antonio da Silva Soares, oficial da mesma guarda, e Promotor Publico.(…)O Sr. Agostinho Brue, Negociante Frances, ponpoderando sucintamente a necessidade da harmonia entre as Nações livres e industriosas, propôs em seguida o brinde a amizade perpetua de todas as Nações livres da Europa e América. O Bacharel Jose Marcellino da Rocha Cabral, uma das vitimas da perseguição, que se evadira de uma hórrida masmorra para estas praias hospitaleiras, depois de um sucinto, mas enérgico discurso em que memorou a tendência, e movimento irresistível do espírito humano para a Liberdade, e para a Civilização de todos os Povos da terra(…).(FERREIRA, 1834, p. 2)

A festa realizada:

Chegado o momento da abertura do baile, foi pelos Mestres-Salas distribuído às Sras., e homens o Hino, que se segue esta relação, feito e impresso de propósito para o festejo; e executado por um excelente concerto de música sobre um magnífico coreto levantado no fundo da sala e acompanhado por todos em côro com vivo entusiasmo. Terminado o Hino, o Vice Cônsul Português levantou vivas à Nação Brasileira Livre e Independente, ao Sr. D. Pedro 2º, Imperador Constitucional do Brasil, à Nação Portuguesa Livre e independente, à Sra. D. Maria 2º, Rainha Constitucional de Portugal; e aos Heróis Libertadores da Nação Portuguesa; os quais foram repetidos por todos com o mais subido entusiasmo. Então a Sra. D. Delfina Benigna da Cunha, Brasileira, e Rio-Grandense, e já por suas produções poéticas bem conhecidas no Parnaso Brasileiro, recitou os três excelentes Sonetos, que também vão adiante publicados (FERREIRA, 1834, p. 7).

Ao final, encontram-se o “Hino Liberal” e cinco poemas de Delfina Benigna da Cunha[2]: “Nebulosos tempos de terror e d’espantos!”, “Maria Excelsa! Se a palavra – Glória”, “Debalde o tirano insiste”, “Cintila o facho da razão celeste” e “Debalde intenta o despotismo insano”, sendo que estes dois últimos também foram publicados em seu livro Poesias oferecidas as senhoras rio-grandenses, também de 1834.

O primeiro soneto de Delfina, em anexo, retrata – do ponto de vista dos vencedores – o terror vivido pelo povo português, bem como o sentimento de glória a partir do final da guerra civil em Portugal, depois de tanto sofrimento, mortes e trevas, a paz volta ao povo português desejando que não retorne mais a maldade que aniquilou Portugal. O primeiro quarteto apresenta este sentimento de glória, mas o último verso revela que ainda existe muita dor e que, por este motivo, mesmo querendo cantar, não o poderia fazer, pois ainda lhe resta um sentimento de luto pelo ocorrido.

Nebulosos tempos de terror d’espantos!
Parabéns, ó mortais, já são passados;
Da Lusa gente os feitos sublimados
Cantar quisera mais não posso tanto.

A liberdade era o que mais desejava o povo português, com a implantação do Liberalismo em sua pátria, destacando o uso da razão para a manutenção da paz e deseja, no terceto final, que a razão ilumine − “a luz se ative” (v. 13) − a mente de seu povo e que de fato o mal se afaste.

Das trevas dissipou-se a densidade;
Mais e mais em teu seio a luz se ative;
Não triunfe de ti a iniqüidade.

No soneto “Maria Excelsa! Se a palavra – Glória”, nota-se a inspiração para a Rainha de Portugal, então D. Maria II, que assumiu o trono de fato de 26 de maio de 1834, ao fim da guerra civil que se instalara em Portugal, exaltando o papel que teve frente ao fim da guerra.

Maria Excelsa! Se a palavra – Glória –
Foi ao teu nome desde a infância unida,
Não podia ó Rainha Esclarecida,
Negar-te o Céu, que é justo, alta vitória.

No primeiro verso, a exclamação “Maria excelsa!” atribui a vitória da paz à rainha, que glorificada em seu papel, jamais será esquecida pelo povo português, permeando, desta forma, a opinião particular da autora. As atribuições positivas, tipicamente românticas, são efetivamente cultivadas à rainha, contrapondo um enfoque totalmente negativo aos que lutaram contra o Liberalismo em Portugal. Nas palavras de Guilhermino César, a temática de Delfina:

é já a dos românticos, preparada porém com os ingredientes próprios do Arcadismo. Faltando-lhe a visão do mundo exterior, volta-se sobretudo para dentro de si mesma, para o seu desamparo de mulher bela e inválida (CESAR, 1971, p. 96).

Em ambas as produções, observam-se o uso do soneto, a forma clássica por excelência, encaixando os poemas dentro do Arcadismo, que retorna os modelos greco-latinos e seus ideais clássicos, apesar da métrica irregular, variando em versos de nove, dez, onze e doze sílabas poéticas, o que já denota um traço formal romântico. A presença, no recital, de duas églogas, mais um estilo clássico resgatado pelo Arcadismo, confirma essa tendência neoclássica.

Outra característica relevante é o tema expressos nos poemas, pois o destaque no Hino “Os ferros da escravidão” é a vitória sob o desvinculo do Brasil com a colônia portuguesa, e nos poemas é expresso um sentimento nacionalista em torno da grandiosidade de Portugal pela vitória da paz, negando, desta forma, a cultura nacional brasileira. Assim, é notável a influência de produções que circulavam na cidade produzidas em Portugal e o sentimento de união ainda cultivado entre as duas nações, apesar de comumente ganhar destaque a idéia maniqueísta, a qual une imaginação e criação na idealização de uma identidade para uma dada comunidade.

O “Hino Liberal” tem como objetivo expressar o triunfo à liberdade conquistada em Portugal, exaltando a razão como chave principal na negociação do fim da guerra e o restabelecimento da paz. No contexto, “Lísia”, termo de personificação – outra característica árcade – é Portugal e a harmonia é a qualidade ressaltada entre Brasil e Portugal, e que as duas pátrias juntas lutaram sempre contra a guerra, opondo-se ao nacionalismo maniqueísta tipicamente romântico, presente ao hino anterior. Os “ferros da escravidão”, neste hino, traz como símbolo a prisão e os males sofridos pelo povo português durante a guerra, expressando a idéia de grandiosidade portuguesa e, ao final, cita Portugal como dono da razão e exprime aos outros povos que aprendam através de suas lutas.

Através dessas análises, podemos observar melhor não só a produção literária presente em Rio Grande na metade do século XIX, através das obras de Francisco Xavier Ferreira, mas também resgatar o histórico do ambiente que foram publicados, a fim de ressaltar sua importância para a cidade e descrever as influências de escritos nacionalistas portugueses em Rio Grande nesta época. Desta forma, para que possamos concluir, o Arcadismo foi a escola literária que embasou tal obras, no entanto o sentimento nacionalista presente não se desliga da união com Portugal, mesmo após a independência do Brasil, o que acarreta um choque com os ideais cultivados no resto do país com a inserção logo após do ideal romântico.

Nesta pesquisa, pude observar a importância e necessidade de tal resgate, não somente na obra de Francisco Xavier Ferreira, como também nos poemas recitados de Delfina Benigna da Cunha, através do contexto histórico e análise literária para que possamos direcionar e registrar o período literário luso-brasileiro produzido em Rio Grande no século XIX.

O sentimento expresso, ora de patriotismo brasileiro, ora de patriotismo português, funde-se, em grande parte, de forma maniqueísta o que acarreta uma dualidade na expressão literária no início do Brasil Imperial em nossa cidade.

Referências

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BESOUCHET, Lidia. Pedro II e o século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.

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CESAR, Guilhermino. História da Literatura do Rio Grande do Sul. 2° ed. Porto Alegre: Globo. 1971.

FERREIRA, Francisco Xavier. Hino que se cantou na noite do dia 24 do corrente, pela feliz notícia da Gloriosa Elevação do Sr. Dom Pedro II ao Trono do Brasil. Rio Grande: Tipografia de F. X. F., 1831.

______.Relação dos festejos que fizeram os portugueses residentes na vila do Rio Grande do sul, em demonstração de seu jubilo pelo restabelecimento da paz, na sua pátria. Rio Grande: Tipografia de F. X. F., 1834.

HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios. 1875-1914. Trad. Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

______.Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

______.A invenção das tradições. Trad. Celina Cardim Cavalcante. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

KLAFKE, Álvaro Antônio. O Império na Província: construção do Estado Nacional nas páginas de O Propagador da Indústria Rio-Grandense. Tese (Programa de Pós-Graduação em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. UFRGS, Porto Alegre, 2006.

LOEWENSTAMM, Kurt. Imperador D. Pedro II: o hebraísta no trono do Brasil, 1825–1891. São Paulo: Centauro, 2002.

MAGALHÃES, Mário Osório. História e tradições da cidade de Pelotas. 2º ed. Caxias do Sul: Gráfica da Universidade de Caxias do Sul, 1981.

NEVES, Décio Vignoli das. Vultos do Rio Grande, da Cidade e do Município. Primeiro Tomo – 1980. Santa Maria: Livraria e Editora Pallotti, 1981.

VAZ, Artur Emilio Alarcon. A lírica de imigrantes portugueses no Brasil meridional. Tese (Doutorado em Literatura Comparada). Faculdade de Letras. UFMG, Belo Horizonte, 2006.

 

ANEXOS

 

Hino Liberal

Lísia, que out’ora foi grande
Em virtude, é valentia,
Hoje é maior, mais famosa,
Debelando a Tirania

Exultai, à Lusitanos,
Já livres sois da opressão:
Vossos pulsos já não cingem
Os ferros da escravidão

Por esforço sobre humano,
Sucumbiu o despotim:
Gloria seja tributada
Ao Lusitano Heroísmo

Exultai etc:

Debalde o pérfido insiste
Na cruel ferocidade,
Dissipa as trevas do crime
O clarão da Liberdade.

Exultai etc.

Mais que exílios, cadafalsos,
Inventos da iniqüidade,
Pôde em peitos valorosos
Sacro amor da Liberdade.

Exultai etc…

Não valeu contra a razão
Da tirania o poder;
Por que os Lusos jurarão
Cu triunfar, ou morrer

Exultai etc.

Como o sol, q’ d’entre as nuvens
Sai mais claro, e radiante;
Assim surge a Liberdade,
Da opressão, triunfante.

Exultai, ó Lusitanos,
Já livres sois da opressão,
Vossos pulsos já cingem
Os ferros da escravidão

Ímpia, execranda facção,
Já teu império expirou!
A aurora da Liberdade
Na Lusa Pátria raiou!

Exultai etc.

Brasileiros, que dos déspotas
Abominais a maldade,
Alegrai-vos: um triunfo
Conta mais a Liberdade.

Exultai etc.

Entre Lísia e o Brasil,
Reinará sempre harmonia:
Ambas protestam fazer
Dura guerra á Tirania

Exultai etc.

Povos opressos, que os ferros
Inda arrastais dos Tiranos,
A ser livres, a ser homens,
Aprendei dos Lusitanos!

Exultai etc.

Poesias de Delfina Benigna da Cunha:
Nebulosos tempos de terror d’espantos!
Parabéns, ó mortais, já são passados;
Da Lusa gente os feitos sublimados
Cantar quisera mais não posso tanto.

Banhando as faces de prazer em pranto
Os Lusos vejo todas transportados,
Dirigindo mil votos inflamados
Ao puro, ao justo Céu, sereno, e santo.

O Português renome hoje revive;
Triunfou a razão, a Liberdade,
Ninguém ó Lísia de seus bens deprive.

Das trevas dissipou-se a densidade;
Mais e mais em teu seio a luz se ative;
Não triunfe de ti a iniqüidade.

Maria Excelsa! Se a palavra – Glória –
Foi ao teu nome desde a infância unida,
Não podia ó Rainha Esclarecida,
Negar-te o Céu, que é justo, alta vitória.

Com pasmo se há-de ler na Lusa história,
Por famosas ações enobrecida,
O teu nome imortal, e a parca infida
Não tentará cortar vida Nestória.

Ao ver-te, ó Diva, o bárbaro recua,
Não ousa executar terríveis planos,
O teu valor destrói a força crua.

Por glória sem par dos Lusitanos,
Por honra imortal da Pátria tua,
Os teus feitos serão mais do que humanos.

Cintila o facho da Razão Celeste
Marulha o Tejo, o Douro, O Guadiana;
Alvoroça-se a gente Lusitana,
E de ingente heroísmo se reveste,

Ao fim, ó Lísia, triunfar pudeste
Da opressão mais cruel, e mais Tirana;
Ao traves dos perigos sempre  ufana
A gloria antiga reviver fizeste

Alvorou-se o pendão penhor sagrado,
Que aos Povos traz feliz tranqüilidade,
E o ferro cetro foi despedaçado,

Ergue-se um novo altar à sã verdade,
Ordem por destra mão está gravado
= PATRIA, CONSTITUIÇÃO, E LIBERDADE =

Debalde intenta o despotismo insano
A Arvore arrancar da Liberdade;
Regada como sangue Lusitano
Frondosa durara na Eternidade.

Lísia, Pátria d’heroes, exulta canta,
Ao brilhante clarão, que te ilumina;
O nobre esforço teu ao Mundo espanta,
E com olhos atentos te examina.
Ressurgiu a verdade sacrossanta,
O erro, a fraude vil não a domina;
Subjugai-a de novo ao seu engano,
Debalde intenta o despotismo insano.

Ouviu o Douro o grito insinuante,
Que a Livre Nação Lusa articulava;
Da Liberdade a Planta vicejante
Na Terra fecundar principiava,
Contra Ela ímpio monstro devorante,
Com indomável fúria se arrojava;
Mas em vão pretendeu sua maldade
A Árvore arrancar da Liberdade.

Planta, Planta querida eu te saúdo,
E lá, bem como aqui, prospera e cresce,
Longe de ti Boreas carrancudo
Do despotismo audaz que te murchasse;
A’ vista de teus ramos fique mudo
Aquele que teus frutos desconhece;
Não sejas mais por mãos d’ímpio Tirano
Regada com o sangue Lusitano

Eis, ó Lusos, por mão do Onipotente
Arraigada na Terra a planta amena;
Para estender seus ramos docemente
Toda a extensão do Globo acha pequena.
O Tejo ovante em límpida corrente
Arrega com a linfa mais serena;
E esta Arvore tão precisa a Humanidade
Frondosa durará na Eternidade 

Debalde o tirano insiste
Na cruel ferocidade,
Dissipa as trevas do crime
O Clarão da Liberdade

Lísia sofreu com bem custo
O mais atroz despotismo;
Porem com nobre heroísmo
Debelou o monstro injusto:
Livre do pálido susto
Agora tranqüila existe,
Heróica e firme persiste
No sistema liberal;
E no projeto infernal
Debalde o tirano insiste

Já não é infausta presa
Lísia do ímpio miguel;
Desse ente o mais cruel
Que desonra a natureza.

Do Tirano tigre a fereza
A sua igualar não há de;
A voz da doce piedade
Ao coração não lhe fala;
Um leão não o iguala
Na cruel ferocidade.

Por toda a parte espalhando
A morte, a desolação,
Parecia que a Razão
Ia-se em Lísia apagando;
Mas jove seu braço alçando
Contra quem o Povo oprime,
O terror da morte imprime
No coração do traidor,
E da razão o fulgor
Dissipa as trevas do crime

Foje o monstro exasperado,
Os Lusos em paz deixando;
E leva ódio nefando
Dentro em seu peito abafado;
Já então tinha raiado
A pulera luz da verdade;
Desopressão a Humanidade
Mil votos dirige ao Céu
Pois rompem do erro o véu
O clarão da Liberdade

 

* Graduanda do curso de Letras/Português da Universidade Federal do Rio Grande e bolsista CNPq de Iniciação Científica do projeto “Dicionário de autores de Rio Grande no século XIX” desenvolvido pelo Prof. Dr. Artur Emilio Alarcon Vaz do Instituto de Letras e Artes.

[1] O jornal O Propagador da Indústria Rio-Grandense foi editado e publicado na cidade de Rio Grande entre 1833 e 1834. O jornal, cultivado pela Sociedade Promotora da Indústria Rio-grandense, formada em sua maioria por membros da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, era impresso na tipografia de Francisco Xavier Ferreira e redigido pelo jornalista e advogado José Marcelino da Rocha Cabral (Olmos, Macedo de Cavaleiros, Portugal, 17 ago. 1806 – Rio de Janeiro, 1850). Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, Marcelino Cabral emigrou de Portugal, em 1831, e, chegado inicialmente ao Rio de Janeiro, em seguida mudou-se para Rio Grande, onde planejou e organizou os estatutos da Sociedade Promotora da Indústria Rio-grandense e depois fundou e comandou a redação do jornal O Propagador da Indústria Rio-Grandense. Após a falência de seu jornal O Despertador, em 1841, quando perdeu tudo, mudou-se para Diamantina onde trabalhou como advogado. Retornou ao Rio em 1849, onde morreu pobre em 1850.

[2] Delfina Benigna da Cunha (São José do Norte, 17 jun. 1791 – Rio de Janeiro, 13 abr. 1857), mesmo cega desde os vinte meses de vida, produziu obra muito importante, como Poesias Oferecidas às Senhoras Rio-grandenses, editado em 1834, tornando-se um dos primeiros livros da literatura sul-rio-grandense.

 

Artigo submetido em 12/08/09 e aprovado em 10/09/2009.