Trilogia dos Encantos

Jussara Salazar

I

A Nau dos loucos,
seguir a trilha das Almas:

“Alto lá anão!, falei. Ou eu ou tu!”
A barquinha parecia não conseguir abrigar aquela legião.
Uns cantavam arquilóquios, tentavam dobrar o grande rio,
espremiam-se, acotovelando-se – Senhor Flores Latão, poderia ceder-me um espácio que seja?
– Real Senhora Árvore, Gentil Senhor Pássaro, Alvíssima Senhora Nuvem…
A maré de prata umedecia as botas do Príncipe, coisa fina.
Agarrava-se a infanta Inês com fervor ao seu romance de capa e espada enquanto garantia seu lugar ali ao lado esquerdo do trepidante e enlouquecido batel. O velho Pã tocava e fazia rir o Sátiro, em meio às traças e ao festim

A serpente acompanhou o zumbido de um mosquito
que rondava as almas humanas e assim o Corsário zarpou
na rajada de ar fresco diante dos muitos narizes
que farejaram o grande nada
rugindo entre as vagas desejosas de Terra

Eia! Peixes ferozes,
daqui já vejo as Sete Terras de São Miguel,
a ponta da Grande Pedra.
Abre as portas das tuas Águas!

Imediatamente a água levantou como uma nevoaça
evaporou com aqueles peixes e viajantes que assim
nunca saltaram com suas valises para a cidadela
cravada na grande montanha, tabuleiro pedregoso
espinhado por Palmas e Cipós azulados, agrestes.
Na torrente dobrando-se, o mar embalou o contorno da pequena embarcação que assombrada soçobrou–

Vento oh vento corredor!

 


 

II

Bellatrix encontra Pólux:
Folhetim cantado à Pérola Caprichosa

O siglo das abelhas abriu
delicado ponjê
cor da relva
o siglo das abelhas era cor da relva
o siglo
cor da relva das abelhas é delicado,
é delicado ponjê sobre a relva
sobre as abelhas
sobre as estrelas
e estrelas são tão delicadas
quando viajam aquedutos da cor azul celeste
desenhando coisas brilhantes
contas de vidro tingidas
carmim girando
esférica leveza
revés, onde uma cítara alisa a poesia
cuja barriga vê-se
deitada e corpulenta sobre o vermelho.
Está redonda de fome e trezentos arabescos
multiplicam-se
sonando e flutuando
ao fuso do seu imponderável

Como o olho faz, a pérola rodopia acerta a mosca,
desvia o cisco: é colibri noturno sobre o branco do papel

 


 

III

Santa Amábile e eu
versejamos, cosemos as camisolas e adormecemos

descemos do céu lá por cinco horas e
ela vestia vestido branco
e cabiam-lhe nas mãos frorezinhas
azuis e sob o vestido sete saias
de um tecido cuja leveza davam-lhe
um ar magnífico;
as mãos, delicadas
envolviam um rebanho de insetos
sob azaléias e estendeu-se ao chão estelar
e bebeu a umidade que emanava
leve da terra.
Permaneci assim durando
o tempo até o começo
até que um rato
foi atravessar
as horas e sumir na boca
da noite onde Drákon erguia-se
sob um céu claro.
Nanós dançava entre alguns cogumelos-do-mar.
Li o livro das coisas sagradas
– scriptu noturno – sete mil palavras
em estado líquido.
O terral assoprava de longe