Relações interculturais entre as literaturas lusófonas e francófonas: a presença de Camões na obra de Ferdinand Denis e seus desafios tradutórios

Rafael Souza Barbosa

RESUMO: A obra Camoens et Jozé Indio, escrita por Ferdinand Denis e publicada pela primeira vez em 1824, forjou laços interculturais entre as culturas lusófonas e francófonas por se apropriar da vida e da obra de um autor luso em língua francesa. A sua tradução para o português, dada a singularidade que tais laços lhe proporcionam, requer um aparato teórico-crítico diferenciado. Dessa maneira, este ensaio se propõe a discutir alguns pressupostos teóricos sobre essa modalidade específica de tradução, analisando alguns aspectos pontuais que julgamos significativos tanto para a divulgação da obra e de seu tema em língua portuguesa quanto para o reconhecimento da forma como a sua literatura, representada por Camões, foi recebida em uma cultura estrangeira.

PALAVRAS-CHAVE: tradução literária, relações interculturais, Luís de Camões, Ferdinand Denis, estudos de recepção.

ABSTRACT: The work Camoens et Jozé Indio, written by Ferdinand Denis and published for the first time in 1824, forged intercultural ties among the lusophone and francophone cultures by assuming the life and work of a luso author in French. Its translation to Portuguese, given the uniqueness that such ties provide, requires a distinguished theoretical and critical device. Thus, this essay proposes the discussion of some theoretical assumptions about this specific modality of translation, analysing some punctual aspects that we consider significant both for the divulgation of the work and its theme in Portuguese and for the recognition of the form its literature, represented by Camões, was received in a foreign culture.

KEYWORDS: Literary translation, intercultural relations, Luís de Camões, Ferdinand Denis, reception studies.

 

I. Tradução, intercâmbio cultural e presença estrangeira

Susan Bassnett (2002), apropriando-se de um texto de Edward Sapir, comenta que uma determinada língua é o guia da realidade social em que ela se insere, já que ela se torna o seu meio de expressão. Esse meio de expressão, compartilhado pelos indivíduos que dessa realidade participam, vai marcar profundamente a sua sedimentação verbal de experiências, de percepções e de sensibilidades. Consequentemente

No two languages are ever sufficiently similar to be considered as representing the same social reality. The worlds in which different societies live are distinct worlds, not merely the same world with different labels attached[2]. (BASSNETT, 2002, p. 21)

Tomando por base essa distinção de mundos, que pode ser convertida terminologicamente em uma especificidade cultural, perpassada e condicionada por uma língua – ela talvez seja essa própria língua em si e em interação –, somos levados a questionar a efetividade da tradução já que nenhum isomorfismo semiótico[3] é possível. As trocas simbólicas interculturais mediadas pelo verbal são previamente desviantes, não mantêm sua integridade inicial ao longo do processo tradutório, imperando uma noção de intraduzbilidade inerente, que se manifesta em distintas escalas de intensidade, de acordo, principalmente, com as culturas envolvidas e com a natureza do que vai ser traduzido.

Haroldo de Campos (2006), através dos conceitos de sentença absoluta, de Fabri, e de informação estética, de Bense, explora a intraduzbilidade, ou, nas suas palavras, o problema de traduzbilidade da linguagem literária[4]. Segundo ele, a aparente impossibilidade tradutória de textos criativos, ao invés de previamente anular qualquer tentativa de tradução, dada a sua intensidade, engendra, em princípio, possibilidades de recriá-los. Assim, Campos propõe um modelo tradutório em que se recrie o texto, apropriando-se do caráter desviante da tradução intercultural, de forma que, evitando tentativas falhas de mera transposição linguística, elabore-se um todo orgânico que ainda detenha valor estético.

Tânia Carvalhal (2003, p. 219) pondera que essa concepção de tradução enquanto ato criativo fez com que ela passasse a ser percebida como “ato de comunicação e de intermediação entre culturas”, além de conceder um outro status[5] ao seu tradutor e a ela própria. Dessa maneira, a função mais básica da tradução (e, consequentemente, o dever do tradutor) é “fazer circular um texto fora da sua literatura de origem, disseminá-lo, difundi-lo”, “transferir para uma determinada (e contemporânea) tradição literária uma obra escrita em outra língua e, muitas vezes, em outro tempo” (Idem). Em suma, passa-se a perceber o tradutor como quem torna possível o acesso às especificidades culturais que o texto traduzido contém, como o agente de trocas culturais que alimentam a própria produção literária e que promovem o “intercâmbio espiritual universal” (CASANOVA, 2003, p. 28-29).

Sobre essas trocas culturais, Carvalhal (2003, p. 230) acrescenta que “a tradução tem um papel decisivo na transmissão das influências literárias”, pois ela “traz sempre alguma coisa de novo para o sistema literário”[6]. A experiência que a leitura de uma obra estrangeira traduzida proporciona pode fazer com que quem a lê participe “à un processus de communication dans lequel les fictions de l’art interviennent effectivement dans la genèse, la transmission et les motivations du comportement social”[7] (JAUSS, 1990, p. 282). Dessa maneira, a recepção de uma tradução pode provocar tanto a renovação da percepção e da sensibilidade de um leitor comum quanto a modificação da forma como se dá o processo criativo de outros textos. Em ambos casos, evidente ou não, a presença do elemento estrangeiro vai se sedimentando, ou se literarizando, nas palavras de Pascale Casanova, nesse sistema literário, agregando valor a si próprio e ao sistema do qual passa a fazer parte.

Essa literarização, proporcionada pela tradução no sistema receptor, é bastante significativa para o seu sistema literário de origem, pois permite a sua visibilidade em outra cultura. Essa visibilidade se constrói, essencialmente, através de uma recepção produtiva, criação de uma obra motivada pela tradução, e de uma recepção valorativa, emissão de juízos de valor relativos à recepção da tradução (ou mesclas entre ambas) (Apud SOUZA, s/d, p. 2). Embora a recepção propriamente valorativa de uma tradução seja bastante significativa, pois colabora com a construção de uma fortuna crítica do texto traduzido em outra cultura, a sua recepção produtiva ganha especial destaque, já que cria laços interculturais através de obras que dialogam. Tais laços são extremamente importantes para os estudos literários do sistema cultural de origem daquele texto, pois permitem compreender mais a fundo a ressignificação processada por uma obra literária por ele motivada em um sistema literário estrangeiro, suscitando reflexões sobre a sua ressonância e dissonância.

Em vista disso, partindo do pressuposto de que a etapa interpretativa do processo tradutório permite captar elementos dessa ressonância, dissonância e ressignificação, pretendemos analisar alguns aspectos da obra Camoens et Jozé Índio que, por incorporar esses elementos, devem ser levados em consideração na sua tradução para o português afim de que ela não só mantenha a sua integridade literária[8] no sistema receptor, mas também abarque elementos que preservam a historicidade da sua produção. Dessa maneira, esperamos contribuir com o desenvolvimento de aparatos teórico-críticos diferenciados que auxiliem a execução dessa modalidade bastante específica de tradução.

II. O processo tradutório de Camoens et Jozé Indio: a presença de Camões na obra de Ferdinand Denis

A tradução da obra de Camões e sua recepção na França até o século XIX se deu de forma bastante esparsa. Embora já houvesse alguma apreciação crítica da épica camoniana desde 1674[9], a primeira tradução conhecida de Os Lusíadas foi publicada somente em 1735 em Paris. Ainda assim, essa versão gerou alguma polêmica, em especial da parte de Voltaire e do abade Prévost, em função de certas preferências tradutórias[10] do seu autor. Dessa maneira, em 1776, Vaquettte d’Hermilly, tradutor de Quevedo e de Quintiliano, entre outros, e Jean-François de La Harpe, poeta reconhecido na cena literária francesa daquele período, publicaram uma nova tradução de Os Lusíadas, em oposição direta àquela primeira[11], que ganhou diversas reimpressões. A obra lírica de Camões, diferentemente da épica, não ganhou qualquer tradução integral, sendo apenas parcialmente traduzida por Ferdinand Denis no início do século XIX.

A relação entre Ferdinand Denis e os países lusófonos, Portugal e Brasil, iniciou-se com a sua estadia nos trópicos entre 1817 e 1819 e se intensificou com os sucessivos estudos sobre ambos países que ele publicou a partir de 1821 na França. Dentre esses estudos, destacam-se suas incursões no gênero historiográfico e, em especial, na historiografia da literatura, que foram de extrema relevância para a consolidação do campo literário em língua portuguesa. Tal relevância se exprime, em grande medida, pelo papel que Denis exerceu na discussão sobre o caráter nacional dessas literaturas, propondo, entre outros aspectos, o indianismo à literatura brasileira e a eleição de Luís de Camões como o ideal artístico e intelectual à cultura portuguesa. Dessa maneira, Ferdinand Denis foi um dos mais respeitados lusofonistas de sua época, tornando-se um grande divulgador das Américas e um dos principais tradutores da literatura portuguesa na França do século XIX.

As traduções empreendidas por Denis, das quais a primeira foi uma versão da carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, dedicaram-se, principalmente, à dramaturgia portuguesa e às diversas rimas de Camões. No entanto, tais rimas, ao invés de apenas constarem em volumes próprios, foram incluídas em uma biografia ficcional do poeta criada por Denis, Camoens et Jozé Indio, publicada junto a Scènes de la nature sous les tropiques et leur influence sur la poesie em 1824[12] em Paris.

A advertência de Camoens et Jozé Indio é bastante significativa[13] tanto para se entender a proposta de Denis em relação à elaboração do texto quanto para se pensar a sua tradução. Ele a divide em três parágrafos, dos quais o primeiro contém uma longa citação, que introduz o tema de sua obra, o segundo contém um aprofundamento desse conteúdo, bem como explicações metodológicas de seu trabalho, e o terceiro contém alguns esclarecimentos conclusivos. O conteúdo de todos os parágrafos, lidos um após o outro, torna possível distinguir diversas preocupações autorais de Ferdinand Denis cuja integridade, a nosso ver, deve ser mantida e levada em consideração no processo tradutório.

A citação do primeiro parágrafo, cuja referência se encontra em uma nota de rodapé, pertence a uma publicação francesa, coordenada por membros do Institut Impérial de France, que se propõe a “estabelecer entre as nações que cultivam as letras relações mais simples” e “uma correspondência contínua e mais ativa” (AMAURY-DUVAL, 1813, p. 3). Essa escolha, e a forma como Denis a introduz, é extremamente significativa para se entender a gênese de seu pensamento e para se reconstituir o seu sentido a fim de incorporá-los na tradução:

Un auteur estimable a dit en parlant du Camoens: «On trouverait dans les petits poèmes de l’Homère portugais, dans ses chansons, ses romances, ses sonnets, soumis au travail d’une érudition curieuse, l’histoire à peu près complète de sa vie. C’est peut-être le seul moyen de porter quelque lumière sur cette partie obscure de son existence agitée que remplit cet amour funeste que le perdit comme le Tasse»[14] (DENIS, 1824, p. 410)

Dessa maneira, através de um autor estimável, Denis nos propõe que, nos poemas de Camões, encontramos a história quase completa de sua vida, aderindo a um pressuposto de crítica literária bastante comum naquele período, cujo maior expoente era Saint-Beuve, que indissocia o texto do sujeito empírico que o escreveu. Além disso, indiretamente, por reproduzir o epíteto Homero português e a associação do nome de Camões ao de Tasso, ele nos transmite a grandeza com que concebe o poeta através desses dois referenciais, aproximando o poeta à ideia de gênio, também bastante recorrente naquele contexto. Consequentemente, a partir desses dois elementos de seu possível horizonte de expectativas, é-nos exposto onde o olhar de Denis se instala e de que forma ele recebe e concebe a poesia camoniana. Ambos aspectos, que se confirmam de acordo com as escolhas textuais do autor na ficção propriamente dita, têm de ser mantidos, a nosso ver, quando o texto for recriado, seja por meio de notas explicativas, seja pela escolha de estruturas narrativas ou de léxico, já que ambos, ainda que Camões seja bastante cultuado na contemporaneidade, não mais se apresentam com a mesma relevância e intensidade.

A proposição do primeiro parágrafo, no segundo, vai ganhar uma outra dimensão, dado seu aprofundamento e apreciação crítica, definindo a temática da obra e a forma como o autor a elaborou:

C’est en traduisant les oeuvres diverses de Camoens, en me pénétrant de ce feu qui les anime et qui leur donne un caractère si particulier, que j’ai songé à suivre l’idée de M. Sané, et à retracer les malheurs du grand poète, sans m’astreindre à la forme sévère imposée par l’histoire. Mais le récit qu’on va lire n’est pas entièrement un roman, la plupart des événemens qui sont rappelés ont eu lieu, et la fin n’est que trop véritable. Jozé Indio lui-même n’est point un personnage imaginaire; il est certain qu’il a assisté Camoens dans les derniers instans de sa vie.[15] (IDEM)

Assim, traduzindo as diversas obras de Camões, invadindo-se do ardor que as anima e que lhes dá uma fisionomia muito particular, Denis sonhou reconstituir os últimos anos da vida do grande poeta, retraçando as vicissitudes pelas quais ele passou. Essa proposta, aparentemente biográfica e, portanto, tendendo ao fatual, não vai se realizar, nas palavras do autor, sob a rigorosa forma imposta pela história. Consequentemente, instala-se uma tensão entre o histórico, enquanto verdadeiro, matéria suposta de uma biografia, e a criatividade, enquanto invenção, modo através do qual ele concebe simbolicamente essa ideia de verdade[16]. Tal tensão é tão significativa para Denis, que, no desenrolar do parágrafo, ele é bastante enfático em ressaltar que a sua obra não é inteiramente ficcional, destacando a personagem José Índio e o papel que a ela atribui como não inventado, sendo incontestável que ela cuidou de Camões nos momentos finais de sua vida (embora nenhuma fonte além de Camoens et Jozé Indio a mencione). Na narrativa propriamente dita, essa tensão se dilui, pois as possíveis criações de Denis se misturam às referências históricas, que ele faz seguidamente através de notas de rodapé, e às referências de fontes, que ele realiza dessa mesma maneira principalmente no que diz respeito a textos do próprio poeta[17]. Dessa maneira, interpretamos essa tensão presente na advertência como algo da ordem do social, de uma possível tentativa de aceitação-legitimação da obra no contexto em que ele se insere, e não da ordem do literário, já que ele usa fortes marcas de subjetividade (invadindo-se do ardor, sonhar, entre outras) e parece ter plena consciência do seu papel criador. Tais peculiaridades da postura de Denis, a nosso ver, compõem a obra para além do texto, sendo importante levá-las em consideração na hora de produzir a sua tradução uma vez que elas se imbricam e constituem significativamente o seu processo genético.

No parágrafo final da advertência, Denis faz algumas ponderações sobre o processo de construção da narrativa e sobre as fontes[18]que ele utilizou:

Toutes les fois que j’ai pu laisser parler le poète, je l’ai fait; des guillemets indiquent les endroits imités de ses ouvrages. Je m’en suis rapporté, pour les événemens principaux, aux documens qui m’ont été fournis par la magnifique édition de M. Souza, et j’ai puisé dans ce monument élevé à la gloire du grand poète plusieurs faits qui ne se rencontrent nulle autre part.[19]

Dessa maneira, Denis indica que todas as vezes em que pode deixar Camões falar, ele o deixou, trazendo a obra do poeta como conteúdo integrante da narrativa. Esse dado, a nosso ver, é bastante significativo, não só por uma indissociação obra-autor, tão questionada na modernidade, mas também porque a sua presença se dá tanto como componente temático (poesias que refletem a parte obscura de sua vida) quanto como texto propriamente dito. Consequentemente, Denis toma como biográficos temas e conteúdos de diversas poesias de Camões e incorpora poemas inteiros nas suas falas. Tal intertextualidade, que se dá através de uma presença textual bem demarcada, é muito interessante, pois, além de aumentar a grandiloquência do próprio poeta-personagem, ela incrementa o poder verossímil da narrativa, apagando o intenso processo criativo e compositório empreendido por Denis, passando a impressão de que aquilo tudo já previamente existia. Além disso, outro dado que concorre para essa impressão é o fato do autor citar a obra Rimas Várias[20] como fonte dos principais acontecimentos da vida de Camões. Assim, somando-se ambos dados à diluição da tensão, presente na advertência, na narrativa, indiferencia-se aquilo que ele retirou da biografia daquilo que se encontra em nenhuma outra parte, pois todos fatos, sejam biográficos, sejam motivos poéticos, sejam inventados, constituem um todo orgânico e não meros retalhos agrupados. Dessa maneira, a nosso ver, ainda que a tradução mantenha as referências do original, como indicação de poemas e de outras fontes, ela deve manter esse aspecto de indistinção, de totalidade orgânica, cuidando, especialmente, para recriar a sintaxe do texto de forma que favoreça tal indistinção, uma vez que, segundo nossa leitura, facilmente se possa perdê-la através de suspostos equivalentes – linguísticos, não pragmáticos – do francês no português.

Embora tenhamos analisado apenas a advertência de Camoens et Jozé Indio, ainda que tenhamos comentado a narrativa propriamente dita, acreditamos ter demonstrado alguns aspectos do texto que julgamos fundamentais para se elaborar esse tipo mais específico de tradução. Nesse caso, considerando o processo tradutório dessa obra do francês para o português, procuramos eleger elementos cuja presença na tradução é bastante significativa para o sistema receptor, principalmente no que diz respeito ao fato de essa obra possuir uma presença evidente de textos originados nesse mesmo sistema, de modo a manter traços de sua historicidade relevantes tanto para uma leitura isolada quanto para uma leitura especializada, dando a conhecer elementos de ressonância e dissonância nacionais no estrangeiro.

Referências

AMAURY-DUVAL. Préface. In: Mercure Étranger, ou Annales de la Littérature Étrangère. Tome Premier. Paris: Arthus-Bertrand e D. Colas, 1813, p. 3-10.

BASSNETT, Susan. Translation studies. New York: Routledge, 2002.

CAMPOS, Haroldo de. Da tradução como criação e como crítica. In: Metalinguagem & outras metas. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 31-48.

CARVALHAL, Tânia Franco. Tradução e recepção na prática comparatista. In: O próprio e o alheio. São Leopoldo: Unisinos, 2003, p. 217-259.

CASANOVA, Pascale. A bolsa de valores literários. In: A república mundial das letras. Traduzido do francês por Marina Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.

DENIS, Ferdinand. Camoens et Jozé Indio. In: Scènes de la nature sous les tropiques, et de leur influence sur la poesie suivies de Camoens et Jozé Indio. Paris: Louis Janet, 1824.

JAUSS, Hans Robert. Pour une esthétique de la réception. Traduit de l’allemande par Claude Maillard. Paris: Éditions Gallimard, 1990.

SILVA, Inocencio Francisco da. Diccionario bibliographico portuguez: estudos applicáveis a Portugal e ao Brasil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859-1938. 24 v.

ROUANET, Maria Helena. Eternamente em Berço Esplêndido: A fundação de uma Literatura Nacional. São Paulo: Siciliano, 1991.

SOUSA, Sérgio Paulo Guimarães de. Sobre a recepção de Os Lusíadas em França até ao século XVIII. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/cesp/>. Acesso em 18 de setembro de 2010.

SOUZA, Manuel de Faria. Rimas Varias de Luis de Camoens. Tomos I e II. Lisboa: Theotonio Damaso de Mello, 1685.

SOUZA, Manuel de Faria. Rimas Varias de Luis de Camoens. Tomos III, IV, V. Lisboa: Craesbeeckiana, 1688.

 

[1] Graduando em licenciatura em letras no Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, bolsista de iniciação científica do projeto Ferdinand Denis – Historiador da Literatura, Leitor de Camões, coordenado pela professora Regina Zilberman, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, na mesma instituição. Email para contato: rafaelsouzabarbosa@gmail.com.

[2] “Não há duas línguas que sejam suficientemente similares a ponto de poderem ser consideradas como representantes de uma mesma realidade social. Os mundos nos quais diferentes sociedades vivem são distintos, não meramente o mesmo mundo nomeado de outra forma” (Tradução nossa)

[3] Bassnett (2002) propõe que, embora o aspecto mais evidente da tradução seja linguístico, ela se faz em termos semióticos por tratar de sistemas, processos e funções de signos, em suma, por tratar de uma transferência de sentido que vai além de uma abordagem puramente linguística.

[4] Campos não define claramente o que entende por linguagem literária, embora a relacione à noção de textos criativos, exemplificados através de Ulysses e Finnegans Wake de James Joyce, de Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade, de Macunaíma de Mário de Andrade e de Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.

[5] Carvalhal (2003, p. 218) comenta que, anteriormente ao desenvolvimento de estudos que concebem a tradução enquanto ato criativo, afirmações como “uma tradução, nunca sendo igual ao original, perde o espírito do original”, ou ainda “poesia não se traduz” eram bastante presentes no universo tradutório, privilegiando o original ao traduzido, depreciando o tradutor em detrimento do autor.

[6] Carvalhal (2003, p. 230) comenta que, embora “vários leitores possam ler uma obra no original, o texto não integra o sistema literário enquanto não for traduzido”.

[7] “em um processo de comunicação no qual as criações artísticas intervêm efetivamente na gênese, na transmissão e na motivação do comportamento social.” (Tradução nossa)

[8] Julgamos importante chamar a atenção para o fato de que utilizamos genericamente a noção de literário, pois a sua historicização se dá dentro de tramas discursivas específicas das quais faz parte, sendo contextual e contingente.

[9] Sérgio Souza (s/d) comenta que as primeiras recepções conhecidas do poeta, marcadamente valorativas, aparecem em Réflexions sur la Poétique d’Aristote et sur les ouvrages des poètes anciens et modernes e em Grand Dictionnaire Historique ou le Mélange Curieux de l’Histoire Sacrée et Profane, ambas publicadas em 1674 em Paris.

[10] O autor dessa tradução, o diplomata Louis-Adrien du Perron de Cástera, optou por traduzir Baco por diabo, Vênus por religião,Marte por Jesus-Cristo, entre outras.

[11] No prefário da tradução de La Harpe e de d’Hermilly, encontramos:
Essa nova tradução de Camões, cuja fidelidade pode-se em geral garantir, é o trabalho de um escritor muito conhecido; ela foi feita a partir de uma versão literal do texto português, versão composta com todo cuidado e exatidão possíveis por um homem versado na língua de Camões. (SOUSA, s/d, p. 13, tradução nossa)

[12] Maria Helena Rouanet (1991, p. 302) comenta que, no catálogo do acervo de Denis, inventariado por Cicero Dias, consta a publicação de uma edição individual de Camoens et Jozé Indio em 1823. Como não ainda não encontramos alguma comprovação da existência dessa edição, decidimos nos pautar pela versão de 1824.

[13] Tânia Carvalhal (2003, p. 231) ressalta a importância que os diferentes elementos textuais que acompanham a tradução – prefácios, comentários críticos, resenhas, notícias em jornais, entre outros – são “relevantes para o estudo da recepção de uma determinada obra nas diferentes literaturas”.

[14] Um autor estimável disse, falando sobre Camões: «Encontrar-se-ia nos pequenos poemas do Homero português, nas suas canções, nas suas cantigas, submetidas ao ofício de uma erudição singular, a história quase completa de sua vida. Esse é talvez o único meio de elucidar esta parte obscura de sua agitada existência, que esse amor funesto, que o perdeu, como Tasso, preenche.» (Tradução nossa)

[15] Assim, traduzindo as diversas obras de Camões, invadindo-me deste ardor que as anima e que lhes dá uma fisionomia muito particular, eu sonhei continuar a ideia de Sané e reviver as vicissitudes pelas quais passou o grande poeta, sem me sujeitar à rigorosa forma imposta pela história. Contudo, a narrativa que se vai ler não é inteiramente ficcional, a maior parte dos eventos que são narrados aconteceram, e o final é totalmente verdadeiro. José Índio não é um personagem inventado, é incontestável que ele cuidou de Camões nos momentos finais de sua vida. (Tradução nossa)

[16] Vale lembrar que, no século XIX, momento de efervescência do método historiográfico na França, esses binômios verdade e invenção, história e literatura, postos antagonicamente, eram bastante frequentes.

[17] Por exemplo:
Mesmo que meus votos fossem nada imprudentes, meus cantos eram sem dúvida indiscretos; a encantadora Atayde estava relacionada com as mais nobres famílias de Portugal e era parente próxima do Conde de Castanheira; tornaram um crime eu ter reconhecido os seus encantos, e meu amor foi punido com o exílio. (Tradução nossa) (DENIS, 1824, p. 427)
No final desse parágrafo, Denis coloca uma nota de rodapé indicando o poema de que coletou esse episódio que, naquele momento, Camões conta a José Índio.

[18] Nesse contexto, utilizamos fonte no que diz respeito ao caráter histórico da narrativa, não na conotação de dívida-tributo dos estudos literários daquele período.

[19] Todas as vezes em que eu pude deixar Camões falar, eu o deixei; as aspas indicam trechos retirados de seus escritos. Eu me remeti, no que diz respeito aos principais acontecimentos de sua vida, à magnífica edição de Souza e utilizei, no monumento erguido à glória do grande poeta, muitos fatos que não se encontram em nenhuma outra parte. (Tradução nossa)

[20] Essa obra, muito importante para a história editorial da literatura camoniana, publicada em dois tomos em castelhano durante a União Ibérica, contém todo o seu legado literário não-épico no original, repleto de notas explicativas, e uma biografia bastante extensa feita por seu autor. Tal importância se deve ao fato de que, desde o século XVII, enfrentaram-se diversos problemas para compilar as rimas de Camões e publicá-las, pois diversas edições apresentavam falhas, interpolações e textos de outros autores, e essa edição de Souza eliminou diversas dessas falhas, em especial no que diz respeito a textos de outros autores. Segundo Silva (1859), para conferir a Camões o estatuto que hoje lhe reconhecemos, Faria e Sousa teve de enveredar e persistir na investigação para vencer as opiniões da época que criticavam a estrutura, inspiração e a qualidade d’Os Lusíadas, devendo-se a ele o primeiro estudo qualificado sobre a vida e obra do grande poeta.