Apocalipse de São João

Gabriel Faraco

A festa começa quando tua boca vibrante pimenta cospe chamas por teus rubros lábios. Um batom vermelho que palpita, espasma dormente. Esparrama lenha na fogueira que estala estrala tac tac e faz subir o ponto, a temperatura, a labareda laranja tal como a estrela estrangeira. Fervura, teu sexo vibra tal e qual o tambor que bate forte, soca forte, forte e mais forte, pura questão de sorte, pimenta biquinho os biquinhos docinhos de teus seios. Ah! Eu tô maluco! Meu coração, uma bomba, um bumbo; aperto teu botão que liga e irriga a rosa vermelha inchada, duplicada de proporção, redobrada que sugo, molho sugo, me sujo, é tic tac tac tac, vai ter um piripaque de tanto tesão, impulsa, pula e pulsa pulsa pulsa o cabeçote pinote de cavalo Uh! Tererê! É São João e São José, Santo Antônio de Lisboa, Santo Amaro da Imperatriz, Angelina Santa Paulina, Santo Anjo do Senhor, Meu Zeloso Guardador e São Paulo, SP. Que Deus te salve e o Diabo me carregue pro norte, sul, sudeste, centro oeste, nordeste e agreste, árido, crato, arre oxe Hare Khrisna Khrisna arre oxe Hare égua! São eles todos e mais um pouco, loucos que acreditam na palavra reza do profeta; veja suas mãos e seus pés, sagrado peito em chamas, que chamas quando o circo pega fogo, socorro socorro! Fogo, ah fogo, me consuma. Olha a cobra, é mentira! Olha a chuva! Vira a boca pra lá, mundiça! Damas e cavalheiros, estão com o olho vermelho de fumaça e arruaça? Pula fogueira, iá, iá, pula fogueira, io, io! Sou tua puta e quero que me sirvas à mesa, tostada e cozida, gostosa, saborosa, tempero, segredo de família primo com a tia, como sempre fui e assim que gosto. Bota a mão aqui, bota, ali, bota, bota, e sente e sente, bota fogo na fogueira pra clarear! Passa do ponto e tosta, doura nesse forno crematório. Tua língua cobra coral na minha boca cascavel do mal. Sacode sacode, cresce, cresce, enverga, te morde, te engole e leva pro raio que te parta. 9 meses, dois partos. Meu e teu. Fecha a roda, ciranda cirandinha, quadrilha que instiga a intriga, maconha, fecha a roda, roda, gira, pomba gira Maria Padilha sapatilha levanta poeira que brilha, que brilho, lindo infinito, olha aquilo! Pomba gira gira e roda, roda, roda a roda, apagou, acende, oxe Hare égua! Não baba, desgraça! Bate pé, bate sola, bate mão, bate palma! É roxo, ultravioleta, piruetas, pimenta malagueta na ponta da lingua careta que explode em fogos de artificios e foguetes, rojões, chicotes de fogo e carvões, lenhas, brasas no ceu, mirabolantes mandalas inflamadas incessantes incandencentes interessantes dançantes como vagalumes pirilampos, arcanjos fogarentos, que sacodem asas e o ajojo todo, que cantam junto com violas e violões as modinhas da hora caipirinha de vinho pira pora minha piroca (eia!), que só tem como testemunha o teu olho azul universo profundo e teu cu; uma cratera no chão na lua, um buraco na rua de terra daqui, longe pra caralho pra chegar, não tinha lugar mais perto pra quem já tá pra lá de Bagdá? Mísseis e torpedos me atingem, vindos de um submarino alemão Steinhäger. Na madruga, me escuta: é quente o pinhão, o cachorro tá quentinho, dormindo na casinha, e o quentão já frio ainda bate; canela, gengibre, noz moscada, cachaça cachaça vinho e mais cachaça, ai assim, vem cá e se encaixa em mim, ai moço! ai moça! Cuidado, assim assim, com os bichinhos do jardim e, ui ui!, Com o que lembrará para ser contado pra mim, na manhã seguinte, entre o sol e ressacas, bandeirinhas e chapéus de palha, vômitos e declarações de amor.

Rosnar pra minha mãe
Morder meu pai
E depois fuder de quatro
Primas, tias
Suas amigas
Nem quero saber
É tudo da matilha
Tudo família.

Chupar a manga
Comer o lixo,
A salsicha
Do cachorro quente
O churrasquinho de gato
Meu vômito
Saboroso
Apetitoso
Lambo a fuça toda.

Lambo meu saco
Lambo minha xota
E depois lambo a cara
A boca,
Lambo toda
A menininha loira
De olhos azuis
E mãos pequeninas
Risadinhas
Me abraça
Me beija
Gracinha
Minha dona,
Madonna mia
Querida dona
Sou fiel.

Uivar pra lua
Correr na rua
Latir de besteira
Para quem passa
Pelo portão
Só pra passar o tempo
Que não passa.

E o que é tempo?
E quem sou eu?
E que dia é hoje?
Que?
Ah…
Au-au!

Dar e doar
Carinho
Tão bonito
Tão querido
Melhor amigo
Sempre por perto
Esperto.

Cachorros loucos
Cadelas prenhas
Bundas
Tetas de fora
Caos dos cães
Acha bonito
Natural
Deitado no sol
Meio de lado
Sem vergonha
Arreganhado.

Pulga, carrapato,
Orelha mordida,
Sarna,
Frieira,
Coceira
5 meses
Sem toma banho
Não importa
Não liga
Cheira o cu dos outros
Como forma de bom dia.

Bom dia, Rex!
Como vai, Totó!
Vou bem, Fifi!
Olá, Lulu!

Anda pelo reto
E pelo torto,
Por cima
E pelas quebrada,
Sem ter onde dormir,
Sem ter onde ficar,
Continua
Firme e forte
E faz o corre
E corre atrás
Das bolas
Passarinho
Gato
Sacola
Pau
Plástico
A própria sombra
Qualquer coisa
Tudo
E corre
Corre
Foge
Por aí, por ali
Porra, fugiu de novo…
Andarilho canino
Sem pressa
Nada estressa.

E nem saber
O por que
Do meu nome
Nem dar bola
Pro que me chamam
Mesmo que me chamem
De burro, retardado,
Idiota,
É tudo por carinho,
Tudo por carinho.
Se chama, eu vou
Vem cá, vem!
Uiuiuiuiuiuiui!

Eu vou!
Eu vou!
\/ \/ \/ \/ \/

Perro
Curisco
Cusco
Gambuá
Guaipeca
Jaguara
Bucica velha
Pedigree
Vira lata
Tantos nomes
Tantas raças.

Cão é cão
Cachorro
Amo todos
E basta.

+

Nota de 3
Jogo pra Play
Zircônia cúbica
Liberdade em Cuba
Falsianes
Photoshop.

Meu riso
Teu sorriso
Tudo aquilo
Tudo isso
Desconfio
É golpe.

+

Perante teus mamilos esculturais como os da Vênus de Milo paraliso reflito desvisto tua vergonha e invisto sem parcimônia nessa imensidão que é teu corpo fresh, meio blues, meio jazzy, no stress, meu caro amigo/

Delicio-me com o suicídio das borboletas em meu estomago perco o medo de te amar e te amo te amo e te amo deixo de ser um estranho para tuas entranhas e me entranho entre teus cabelos negros como num labirinto fantástico de curvas enigmáticas esquinas galáticas onde em cada uma encontro um suspiro um gemido sexto sentido/

Toco-te toca-me entoco-me em ti refugio-me de toda essa maldita guerra que me assola dia após dia hora após hora guerra maldita guerra dentro de minha cabeça quero que de toda essa merda eu me esqueça e só de ti minha memória prevaleça/

Abraça-me com o calor de um sol num claro dia de inverno e assim esquece todo meu corpo desse frio de almas tacanhas que me transtornam na imensidão poluída dessa cidade piranhas devoradoras de bons sentimentos meus pensamentos cada vez mais lentos e lentos a medida que tua calma faz passar todo devastador lamento/

Menina de unhas roídas e ansiedade sem limites esperando que transite da cozinha para a sala para o banheiro debaixo do chuveiro ao lado do teu travesseiro perguntando gostosuras ou travessuras não é dia das bruxas mas puxa eu vou fazer você gritar e não vai ser de susto/

Enche nossos copos de vinho me ama me beija me odeie me esqueça e brindemos a todos os sonhos do mundo tenho por ti todos os sonhos do mundo não sou nada nunca serei nada não posso querer ser nada pois por ti já sou tudo.

+

Não se pode esperar
Não se pode
Sequer pensar
Em esperar.

Não se deve
E não se pode.

Nem 5, 4, muito menos
Um segundo
Um…
Imagina!
Onde já se viu?
O cúmulo do absurdo.

De um lado;
Pecado!
Acusarão, os apressados
De outro;
Tempo é dinheiro!
Dirão, os afoitos.

Anos Luz!
Alta produtividade!
Alta-tensão!
Velocidade!
Nem agora,
Muito antes nunca,
Já!

A espera
É inimiga do bom trabalho.

Não para, não para, não para!
Não para, não para, não para!

Preguiça?
Moleza?
Lerdeza?

Desleixe!
Não deixe!
Avante!

Ande,
Ande!

Os pistões!
Os pistões!
Sem descanso
Sem intervalo
Sem calma
O pulso vibrante,
A máquina pulsante

Calmantes
São coisas do passado
Viva a correria do dia a dia!
Disposição!
Ânimo!
Alegria!
Anfetaminas!
Speedball!

Yeah! Wow! Uau!
Rodando, subindo, girando
Pra cima, pra baixo, pulando

Uivando
Pimba!
Pinball!
Uauuuu!

E com todos os carros travados
No congestionamento
Que se formou
Por todos aqueles que queriam
Sair primeiro
Chegar primeiro
Ser o primeiro
Os novos sinais de trânsito
Estipulados pela lei 15,
No parágrafo nono,
Serão:

O vermelho,
Se desespere;
O amarelo,
Não espere;
O verde,
Atropele.

Por fim,
Não estranhe
Se até mesmo
Aquela velha senhorinha
Que no caminhar
É tão devagar
Devagar…
Num ríspido trovejo
Ordenar:

Vai, merda!
Apressa, apressa!
Apressa…
Que é a pressa
Que nos interessa!

+

Implosão

Roncou daquela vez como se fosse a última
Bateu em sua mulher como se fosse a última
E em cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo largo
Postou-se a demolir como se fosse máximo
E pôs ao quarto andar cinco paredes flácidas
Tijolo por tijolo num destino trágico
Seus olhos emundados de tormento e ódio
Pousou a reclamar como se fosse lógico
Comeu seu pirão como se fosse nobre
Bebeu e perturbou como se fosse tosco
Parou e escarrou como fizesse música
E desabou ao piso como se fosse sóbrio
E flutuou no ar como se faz um louco
E se acabou no chão como papel de bala
E terminou no canto do banheiro imundo
Morreu buscando ajuda e entupindo o vaso.

Roncou daquela vez como se fosse a última
Bateu em sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o lógico
E atravessou a rua feito sacola plástica
E pôs-se a demolir como se fosse sólido
Pousou no patamar quatro paredes trágicas
Tijolo por tijolo num desenho esquálido
Seus olhos emundando e entupindo o vaso
Postou-se a reclamar como se fosse o máximo
Comeu seu pirão como se faz um mágico
Bebeu e escarrou como se fosse sábio
Parou e perturbou como se fosse sóbrio
E desabou ao piso como fizesse música
E flutuou no ar como num feriado
E se acabou no chão feito fosse catarro
E agonizou no meio do banheiro louco
Morreu buscando ajuda esculhambando tudo.

Roncou daquela vez como se fosse máquina
Bateu em sua mulher como se fosse nobre
E colocou ao plano quatro paredes trágicas
E pôs-se a xingar como se fosse tórpido
E flutuou no ar como se fosse um mágico
E se acabou ao chão como criança esquálida
Morreu na contramão atrapalhando o mundo.

Por essa merda a fazer, por esse chão prá cuspir
E o vacilo sinistro e a vida a nos punir
Por me deixar invejar, por me deixar iludir,
Satã lhe mate

Pela peteca de pó que a gente entope o nariz
Pela matança e a desgraça que a gente tem que assistir
Pelas paredes imensas que a gente tem que implodir,
Satã lhe mate

Pelas vadia fuleira pra nóis gozar e sorrir
E pelas vespas macabras a envenenar e ferir
E a palavra final que vem pra nos denegrir,
Satã lhe mate.

+

De verdade
Eu não sei como havia
Como tinha
Como pode…
Era ruim
Tudo aquilo
Mesmo
Mesmo.

De ter escrito
Não tinha como escrever
Como?
De ter pensado
Ter processado
Merecia é um processo
Ruim
Tudo sem nexo
Ou conexo
Sei lá
Olhando daqui pra lá
Ruim
Desnecessário.

Nem sei os porquês
De pq tô mostrando pra vocês
Contando
Fazendo vocês lerem
Horas perdidas
Preciosas na frente da TV
Perdidas
Nem devia
Uma surra
Ah, uma surra
Ostracismo.

Segredo para lembrar, só
Na hora do banho
Limpando a sujeira do umbigo
Lavando os dedos do pé
Passando fio dental
Bochechando enxaguante
Fundo nos olhos,
Pensando no almoço,
Aquele buchicho,
Murmurinho sem atenção
Mosca voando na alface
Quando não quer escutar
Nada
Quieto para ninguém saber
Nada
Só,
Sozinho.

Tempos sem ordem
Ritmo sem frases
Assentos fora do lugar
Tudo desarrumado
Ç rimando com F
Dizendo esse e S.O.S
Dodecassílabos
De onze sílabas
Onde isso?

Olha…
Olha…
Tudo…
Como eu tinha
Ou pensei
Tinha pensado
Pensei tinhoso
Explanado
Em escrever aquilo
Isso
Pensando em quê?
Pra quê?
Impressionar a crítica
Vai impressionar, vai…

Tanta coisa pra fazer
Até cruzar os braços
E não fazer nada
Seria melhor
E fui inventar
Achando
Pois…
É
É, pois
Agora foi
E eu só queria…

É,
Daí você pensa
Que agora
Depois dessa breve confissão
Tão aconfessional
Tão comensurada
Poeta sofredor
Bom fingidor
Vem com uma tirada engraçada
Ou com um verso marcante
Digno de dignidade
Pra sentir pena
Ou pra dar uma risadinha
“kkkkk”
“Esse cara sabe das coisas”
“Avantguarda!”

Mas nada,
Fecha o livro
Vai pra casa
É só
Acaba aqui, ó.

+

A baleia cachalote,
que vivia numa caixa,
caixa chata,
chata a lot.

Só ela e ela,
pra lá e pra cá,
num oceano,
raso, chato,
de águas brancas.

Tudo chato,
chato a lot.

Uma cachalote,
caixa caixa,
cachalote,
que vivia,
ela e ela,
só,
pra cá e pra lá,
sozinha,
na sua caixa,
chata caixa,
chata a lot.

Cachalote,
encalhada,
ninguém queria ser sua amiga.

Vilã de Moby Dick,
só queria chocolate.

Cachalote,
que também é conhecida
como sperm whale,
balena dello sperma,
la ballena de esperma,
devido ao seu
espermacete,
capacete
de esperma.

Cachalote,
na chata profundidade,
de sua caixa.

Cachalote,
a maior dos cetáceos,
nem baleia é.

Cachalote,
mergulhada no fundo,
de um mar de porra.

 

(Gabriel Faraco nasceu em Florianópolis, em 1986. Escreve desde que conseguiu segurar uma caneta entre os dedos e já publicou os livros “O Grande Livro da Poesia Mediocre”, “Desgraçado Desespero”, “Umdoistrês” e “Cachorro”, além de diversos zines e outras criações. Nos blogs Perdighoto, Jogador Caro, Gigante Pigmeu e Coloca Qualquer Coisa você pode conhecer mais dele)