Campo Santo: cemitério de sonhos mortos

Paulo Henrique Pergher

Campo Santo

Múcio Teixeira

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Nem vale também o pranto
Que cai dos olhos fingidos:
A areia do Campo Santo
Tem os lábios prevenidos,
(Guimarães Passos, do poema Ao vento, 1902).

A obra Campo Santo, de Múcio Teixeira, publicada em 1902 pela Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, é, em primeiro lugar, uma belíssima edição. Isto, pois ornada de numerosas gravuras, de artistas estrangeiros e nacionais, como Victor Meirelles, Lopes Rodrigues, Augusto Alexandre dos Santos e Raul Pederneiras, como indicado pelo autor. Apresentada como uma despedida, suas Últimas poesias, nas palavras de Múcio Teixeira, “Campo Santo… é o cemitério dos meus sonhos mortos” (TEIXEIRA, 1902, p. 506). A virada do século, a queda da monarquia e a necessidade urgente de novas energias são motivações apontadas por ele em nota à edição:

Quem se der ao trabalho de ler esta obra, verá que acompanhei de perto toda a evolução moral e social de um fim de século tão agitado, (como foi aquele que me devorou a mocidade), sem ter recuado um passo no alvorecer deste novo século, que exige o concurso viril de energias novas, quando já me vejo no declive da montanha da vida, ameaçado de morte próxima pelos sintomas alarmantes de uma moléstia velha e de nome novo, cuja gravidade avalio, mas não me acabrunha. (TEIXEIRA, 1902, p. 506).

Múcio Teixeira faleceria em 8 de agosto de 1926, vinte e quatro anos após o lançamento de Campo Santo, e publicaria, ainda, tratando-se de poesia, a obra Terra Incógnita em 1916 – que disponibilizamos na última edição desta revista. Mas se o escritor gaúcho, em sua breve nota, avalia sua situação com certo tom de tristeza, Wenceslau de Queiroz, em crítica publicada no Correio Paulistano em 1904, afirmaria que “Múcio Teixeira não se revela, no ‘Campo Santo’, um vencido, mas um vitorioso.” (QUEIROZ, 1904).

Os temas religiosos, talvez em menor evidência em outras obras do escritor, avolumam-se e irrompem através de personagens vários, como o próprio diabo. Os poemas O sermão da meia-noite, que apresenta como personagem Satan, O diabo e O inferno são alguns exemplares que giram em torno dessa tópica. Mas não só sobre o funesto anjo versam os poemas de Campo SantoEm verdade, qualquer tentativa de reduzir os 110 poemas, divididos em cinco livros, à quaisquer características comuns seria deveras impertinente. A tendência, todavia, pode ser relevante, se pensarmos na subsequente publicação de poemas, Terra Incógnita, que, com maior ênfase, aprofunda-se na temática.

Por fim, gostaríamos de destacar que, em Campo Santo, Múcio Teixeira deixa transparecer sua influência romântica, sem, contudo, nas palavras de Queiroz, resolver-se somente como lírico: “é um pensador, tem ideias filosóficas, o que folgo de registrar, por que, neste ponto, mostra ir no encalço dos maiores poetas do século […]” (1904).

Referências

PASSOS, Guimarães. Ao vento. Gazeta de notícias, Rio de Janeiro, 1902.

QUEIROZ, Wenceslau de. Crítica literária. Correio Paulistano, São Paulo, 1904.

TEIXEIRA, Múcio. Campo Santo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902.