Cipó-cobra

Emmanuel Fritz Neves

Ritmados os humanos, que em duas pernas andam em movimentos constantes, carregados de braços paralelos, quase que melodiosos. Crescem em progressão, geometria a-ritm-ética talvez. Nascem, vivem, morrem, vivem, morrem, sempre presos à circularidade, ao ciclo. Apesar de sociais, insetos humanos são indissociáveis, idiossincráticos; convivem, mas não exibem seu real ser, seu real querer; se ocultam e se projetam. Sociedade mútua, composta por relações de parasitismo; intraespecífica não harmônica. Confesso que me preocupei de início, mostrei-me outro e não eu mesmo, consternado,sentia-me atópico, atípico. Anômalo eu que me distanciei do social, predisposto ao ideal de que a vida não era apenas aquele comum, a todos igual. Busquei-me em primeiro lugar, ainda busco, mas não com ritmada vontade de humano. Não ando como antes, rastejo como cobra, me esquivo do todo que agora já não é mais nada. Sou cobra não-peçonhenta; cobra-cipó, camuflada em meio ao meio, me assemelho a todos e assemelho a nenhum. Troco de pele costumeiramente, buscando sempre me agregar em minha companhia, assim me detenho em minha casa: minha casa sou eu. Rotineiramente sinto-me sozinho, admito isso, mas curo-me com rápida companhia, afinal, humanos não são complementares, são individuais. Por ser cobra, me apego facilmente, saio de casa, abandono o eu em busca do teu, me esforço mas, por ser humano cobra, também me canso. Perco minha casa e primeiro abrigo. Ando perdido e em busca do método protetivo tão comum a nós ofídios. Busco enlaçar-me em trepadeira, camuflo-me, converto-me em cipó-cobra.