Naquela noite, a maestra foi a lua, as estrelas eram minha plateia, eu, o único musicista que iria me apresentar, usei como instrumento o corpo dele.
Ele veio guardado em seu case, uma camisa amarrotada, uma bermuda jeans segurada por um cinto preto, os tênis também pretos ocultando as meias, que eram completamente brancas. Estávamos os dois sentados no sofá, lado a lado em uma calorosa conversa. A primeira tranca do case eu abri quando segurei sua mão, a segunda quando o beijei, a terceira abriu no momento em que eu desci o meu beijo para o seu pescoço. Comecei a revelar meu instrumento do seu invólucro: tirei sua camiseta, vi seu braço, o espelho, cintura, filetes e costilhas. Ao tirar sua bermuda encontrei o cavalete, a caixa de ressonância e os efes, na retirada das suas meias e tênis revelei o estandarte e o espigão. Na cabeça já nua eu via a voluta, suas orelhas as cravelhas, no seu pescoço o fundo, nele também começavam as cordas. A perfeita estrutura de um corpo, de um violoncelo.
Meu corpo foi também revelado, ele atuaria como o arco, nossos corpos ao se tocarem formariam uma bela harmonia se utilizados da forma correta, se já afinados. Comecei a descer minha mão pelo seu peitoral, ali encontrei o início da escala: DÓ. Quando acariciei o seu braço toquei RÉ. Sua barriga me mostrou MI. Sua perna foi para FA, e a coxa SOL. Com a minha mão no seu pênis foi onde achei LA, mas mesmo passando por todo seu corpo, utilizando minha mão como arco, não parecia ser capaz de encontrar a nota SI, como seria capaz de tocar aquela sinfonia com apenas 7 notas, sem fechar o ciclo da escala?
Relembrei que não apenas minhas mãos constituíam o arco, mas todo o meu corpo, então decidi percorrer o mesmo caminho utilizando os meus lábios, as estrelas pareciam olhar curiosas. Encontrei variações das mesmas notas, seus sustenidos e bemóis; comecei a me preocupar. Foi apenas no local onde antes toquei LA, que encontrei o desaparecido SI. Minha escala agora se mantinha completa, de DÓ a DÓ. Nesse momento, comecei a entoar a minha composição. Ou melhor, a nossa composição.
Os sons que produzíamos eram harmoniosos e caóticos, a lua aumentava e diminuía a velocidade das suas ordens, horas as cordas eram tocadas de forma leve, em outras eu rapidamente escalava para o fortíssimo. A pressão do arco, porém, não pode ser muito pesada, nem muito leve, a pressão que coloquei foi apenas a correta para os sons saírem da forma desejada. Da sua boca os gemidos que saiam eram notas afinadas, seus gritos eram vibratos perfeitos. O vai-e-vem do meu corpo simulava o arco.
Nossa junção continuou por toda a apresentação, nossos corpos se tocavam e afinavam constantemente, as estrelas brilhavam com apreço e a lua se movimentava de forma incessante.
Ao final da maestria, nós dois, instrumentos separados, mas por hora uno, alcançamos o pico da nossa apresentação, terminamos na nota antes perdida, o SI. Seu corpo expressou o prazer da apresentação ao materializar as notas finais em um branco néctar. Segui o seu exemplo. No sofá reverenciamos as estrelas e ouvimos os seus aplausos, logo elas se retiraram, com elas se foi a lua que congratulou a nossa performance. O sol foi o último a entrar, veio para limpar o palco e nos tirar dele. Corpo e arco se despediram.
Estes acontecimentos ocorreram na noite passada, na noite de hoje não tocarei violoncelo, já não serei arco. Hoje meu instrumento é o piano, minha abordagem será outra, os ingressos foram esgotados, novamente pelas estrelas, agora apenas me resta a incerteza da presença da lua, talvez ela apareça e me guie para outro sucesso, mas talvez, apenas talvez, sua ausência me desafine.