Entrevista com Taiza Mara Rauen Moraes, coordenadora do PROLER de Joinville

Fernanda Aguiar Souza, Vinícius Rutes Henning

Na edição 31 da Revista Mafuá, trazemos uma entrevista com Taiza Mara Rauen Moraes, que possui mestrado e doutorado em Teoria Literária pela UFSC, e atualmente é professora na Universidade da Região de Joinville. Além disso, Taiza é coordenadora do núcleo de Joinville do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), onde desenvolve inúmeros projetos para a comunidade externa.

 

1) Taiza, primeiramente gostaríamos de saber, na sua opinião, como se configura o ato de ler?

O ato de ler é um ato de libertação que permite abrir veredas culturais, morais, estéticas, reavaliar continuamente valores, impressões, sensações, manter a vida em movimento. A leitura em síntese é uma experiência aberta para as interpretações e tensões com as ideologias circulantes, propiciando espaços de questionamentos sobre o mundo, a partir de relações subjetivas e partilháveis com o outro, gerando condições favoráveis à produção de valores, na dupla acepção da palavra: tanto valor psíquico, intelectual e emocional imbuído de qualidades humanas, quanto valor concreto de transformar o mundo.

2) Em Paixão Segundo G.H., as letras são essenciais: “Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo”. Sabemos que Clarice Lispector é um grande marco em sua vida literária e, pensando no poder da palavra que é exaltado por Clarice, para você qual o poder que a literatura pode exercer sobre o indivíduo?

G. H. ecoa uma voz libertária, na qual a “palavra” é o gatilho para abrir espaços reflexivos sobre o mundo. Uma voz que mobiliza o “conhecido” e envereda rumo ao “desconhecido” permitindo o estabelecimento de encontros e de descobertas. As palavras articuladas narrativamente por Clarice Lispector viabilizam a organização de hipóteses sobre o “ser” e o “estar” no mundo. A escritura clariceana permite ao leitor estabelecer relações metaléxicas, perceber os índices, os sinais que a palavra estabelece com o mundo abrindo brechas de percepções sensíveis sobre a realidade. Em decorrência, a leitura do literário abre espaços para experiências sensíveis e culturais e como diz Barthes[1], a escrita literária viabiliza o “prazer do texto”, ou seja, transmigrar para o outro e escrever fragmentos de sua cotidianidade, produzindo assim, uma coexistência entre texto/vida, uma desfiguração da língua.

3) Esse ano o PROLER comemora seus 25 anos de atividade. Como foi esse caminhar até aqui e como se configura o cenário atual do programa? Quais são os lugares em que o PROLER atua?

O PROLER/JOINVILLE nos 25 anos de trajetória se mantém em permanente busca coletiva de articulações visando estabelecimento e a manutenção de redes de ações leitoras que rompam com o mercado de bens simbólicos que hierarquizam a sociedade dificultando sua distribuição e acesso. Em tempos atuais, o caminhar é lento e o foco de resistência é a manutenção de parcerias entre a universidade e as redes públicas de ensino e espaços comunitários para a promoção de vivências de letramento cultural que articulem as múltiplas linguagens. O eixo de sustentação do Programa Institucional de Incentivo à Leitura da UNIVILLE e do Comitê Interinstitucional Municipal é a manutenção de projetos estruturantes: Encontro do Proler Joinville de Leitura, na 25ª edição; Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura, na 10ª edição; Projeto Salve o Cinema, iniciado em 2004 e ininterruptamente circulando filmes com mediações dirigidas para leituras críticas da linguagem do cinema; A leitura como Instrumento de Ressocialização e Cidadania: Remição Penal, remição penal pela leitura.  A meta do PROLER/JOINVILLE é a desescolarização da leitura, abrindo fissuras nas propostas escolares centradas na “alfabetização” tendo como horizonte a “leiturização”, que segundo Foucambert [2]se constitui como uma alternativa de formação permanente a ser assumida por múltiplas instâncias educativas que compõem a sociedade gerando possibilidades de ampliar e democratizar a leitura.

4) Como funciona o subprojeto vinculado ao PROLER A leitura como Instrumento de Ressocialização e Cidadania: Remição Penal e qual sua importância no cenário atual?

O Programa Institucional de Incentivo à Leitura – Proler/UNIVILLE, desde 2014 está investindo no subprojeto A leitura como Instrumento de Ressocialização e Cidadania: Remição Penal, mobilizando acadêmicos dos diversos cursos da UNIVILLE como avaliadores de resenhas de leitura produzidas por apenados do Presídio Regional de Joinville S.D. Jackson dos Santos. O subprojeto é resultante de uma parceria e do sonho do Juiz Corregedor do Sistema Prisional de Joinville, João Marcos Buch de construir uma política de humanização dos presídios por intermédio da leitura e de reflexões escritas. Assim, o ato de ler é compreendido como um exercício de cidadania por se desdobrar em narrativas de experiências vivenciadas pela por intermédio da leitura visando à recuperação da autoestima e a promoção da inclusão social da pessoa presa. As considerações leitoras efetuadas a partir das resenhas dos apenados produzidas pelos acadêmicos da UNIVILLE são entregues aos responsáveis pela remição de pena, que avaliam os resultados, ratificando ou não a redução de 04 dias de aprisionamento para cada relato produzido mensalmente de impressões leitoras decorrentes da leitura de um romance disponibilizado pela biblioteca do presídio. Movimento leitor que amplia o repertório do universitário e do apenado e gera um diálogo sobre os movimentos da vida.

5) Recentemente foi lançado o livro “Cárcere: a prisão funciona? – relatos de apenados sobre o encarceramento”, pela editora Giostri, que contém várias resenhas produzidas por detentos. Na sua opinião, qual é a importância de dar voz a eles?

O livro Cárcere: a prisão funciona? – Relatos de apenados sobre o encarceramento, editado pela Giostri é resultado de uma Oficina Literária – A formação do eu, projetada e executada na Penitenciária Industrial de Joinville por Alex Giostri, em 2018. Estruturado por doze relatos sobre a funcionalidade de um encarceramento busca discutir os conflitos que envolvem a privação de liberdade. A coletânea aborda a problemática de “encarcerar” e de “estar encarcerado” a partir de reflexões narradas pelos apenados participantes da oficina sobre suas vivências na prisão marcadas pelo isolamento social e pela ociosidade. Os relatos expõem os desafios da ressocialização no cárcere e sinalizam a força da palavra como libertadora.

6) As resenhas escritas pelos detentos são lidas pelos graduandos da universidade que fazem parte do projeto. Para você, quais são as contribuições que essa leitura traz na formação humana e profissional para os estudantes dos cursos de licenciatura?

Os graduandos da UNIVILLE envolvidos no projeto de remição penal pela leitura como voluntários ou bolsistas têm a oportunidade de saírem de suas bolhas sociais e partilharem experiências leitoras com aqueles que temporariamente estão privados da liberdade. As avaliações contribuem para a reintegração social do apenado por estabelecerem um diálogo via leitura partilhada que dilui o isolamento do cárcere, além de sinalizar a possibilidade de um abatimento de pena. As ações compartilhadas de escritas avaliativas a partir de leituras de romances comprovam a possibilidade de transversalidade entre a universidade e a sociedade e do letramento como uma das bases para a ressocialização, pois essas experiências reafirmam as reflexões propostas por Walter Benjamin[3] em seu ensaio, O narrador, segundo o qual, o romance é uma forma narrativa que aquece a vida enregelada do leitor gerando esperança de renovação. Em decorrência os acadêmicos envolvidos no projeto detectam nas experiências de leitura e de escrita a força simbólica da palavra como geradora de novos sentidos para suas vidas pessoais e profissionais.

 

[1] R. Barthes, O prazer do texto. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996, p.50.

[2] J. Foucambert. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994, p.20.

[3] W. Benjamin. O narrador. Os pensadores. T. W. Adorno, J. Habermas. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pp.57-74.