O Tempo… quem poderá descrevê-lo? Deve-se a ele o desassossego de Pessoa, suas divagações acerca da metafísica da existência. O orgasmo poético de Nassar tece os seus fios minuciosos: “porque existe o tempo de aguardar e o tempo de ser ágil”. E Clarice Lispector se rendeu às diabruras desse Deus implacável: “Tudo olha para tudo, tudo vive o outro; neste deserto as coisas sabem as coisas”. Calo-me ao ouvir os ecos do tempo, sussurrando em números, datas e nomes. O impacto se estende ao vê-lo penetrar as vermelhas carnes deste solo, envolvendo nossa terra chã de hospedes longínquos e pegajosos. Esses hospedes se transfiguraram em espíritos coroados, nos tocando, nos invadindo estranhamente: num ponto de ônibus, na superfície da cadeira, nos automóveis, nas paredes de casas, prédios e em todas localidades do globo. Esses espíritos faziam parte de uma matéria que recicla, cujos intervalos de lamúrias e isolamentos nos faziam questionar o que somos e onde pretendíamos chegar.
Há quem diga que tudo é acaso ou consequência da história, mas nada me leva a entender o porquê de uns terem vivido e outros terem morrido; o porquê de tudo ter acontecido de tal jeito e não de outro. Ao passo que incendiávamos nossa morada interna com questionamentos e soluções, poderosos, líderes de nações se transpassavam com lanças bélicas e burocráticas. Falavam de casa, família e economia, sem nem ao menos entender as miudezas de nossa condição. Desde um primitivo projeto de sociedade no período Neolítico, passando pela Polis- Grega e tendo sua industrialização no século atual, o homem não se reconhece movido por energias de luz e sombra. Os sete pecados, tão amplamente conhecidos, são as manifestações de nossas sombras no mundo. A avareza e a luxúria, que corrompem a consciência e se materializam em lavagens e desvios de dinheiro, conduzem a trama do século, tornando a gula e a preguiça assuntos morais e de saúde pública
O todo é um grande ciclo, uma nebulosa indivisível que não termina em mim, nem em você. Há um propósito in-ter-di-ta-do que se expande em dimensões estratosféricas, ampliando nosso olhar para além da atmosfera. O nosso planeta é um redondo formigueiro, cujas formigas não sobrevivem em buracos de barro, mas em barracos e casas de concreto. Em que dimensão, época ou ancestralidade havíamos perdido nossa expansão cósmica? Passaríamos a ser cativos de uma nova espécie desconhecida, que, em apenas um dia, soterraria nossos sonhos, memórias e expressões de vida? Esses espíritos coroados vieram segregar raças, laços, famílias e nos mostrar as desigualdades de ser humano? É nos infectando pelo ar que nos mostraria a fragilidade de nossos direitos, moralidades e apegos excessivos para com a vida? Foram milhares de mortos em dias, em semanas e meses para nos dizer, somente, que a vida não está sob o nosso controle; que estamos desvalidos; que os nossos escritos e leis nada valem; que o nosso grito foi enlameado pelo barro da podridão humana! Olho lá fora e o planeta terra é incapaz de me manter aterrado. Quero minha grandeza fundamental. Volver meu olhar além da atmosfera e redesenhar meu código antigo—genético? —nas poeiras celestes que constituem as estrelas.
Desde o nascer ao morrer, a sombra que nos aterroriza faz parte de nós: perfeito casamento da razão e da loucura. Estamos, temporariamente, de volta aos cativeiros, ouço os ecos do passado e os orgasmos sussurrando em meu presente. Mas pressinto que algo diferente nasce em nós: o conhecimento de saber que somos parte de um grande todo, e que é humano dizer que falhamos e que somos participantes de uma terra governada por contradições.