Indiana Jonas

Arthur Scapini

Diferente de todo o entusiasmo infantil, os dias nublados eram sinônimos de felicidade  para Jonas. A cortina cinzenta sugere que pode haver nevoeiro, unindo-se com o clima  gelado de um dia comum de junho. A casa localizada entre as árvores que dançam em  sintonia de pequenos movimentos evidencia uma localização longe das grandes metrópoles. 

A mãe está fotografando as abelhas que demonstram uma perfeição de movimentos  sincronizados no pequeno formato de apicultura familiar. 

– Jonas, olha lá… em uma colmeia, a mais importante é a rainha! Ela que coloca os ovos e  organiza socialmente a colmeia. 

– Que? Como assim mãe? 

– A rainha organiza liberando umas substâncias… umas substâncias químicas para  demonstrar que existe uma rainha presente. Além disso ela é muito maior que as outras  abelhas e coloca mais de dois mil ovos por dia! 

– Dois mil?! 

– Isso, dois mil! Desses ovos, nascem as abelhas-operárias e os zangões. As operárias  fazem a faxina e ajudam na defesa da colmeia. 

– E o zangão, mãe? 

– Bom, filho, o zangão é quem ajuda a rainha a ter seus filhos… 

– Nossa! Rainha, operários que ajudam a colmeia, é um castelo… parece medieval! – Não esqueça que a Rainha é a mais importante, Jonas. 

A tarde teve um apreço maior para a mãe de Jonas, ela sempre demonstrou muito  orgulho do filho. Sua preocupação era morar tão afastada da casa de seus colegas, mas  passava por um momento de reflexão positiva, pois a necessidade de estar longe era  contemplada pelo interesse da criança naquele ambiente. Em todo o momento, o jovem  apresentava alguma dúvida ou aparecia observando aquela imensidão verde na sua frente.  Sua maior companhia era conversar com a natureza. A mãe não se importava, achava uma  graça. Deve ser só uma fase, pensava. Apesar de não conseguir brincar com outras crianças,  Jonas aproveitava as noites que recebia suas visitas particulares, sua mãe não tinha como  interferir, nem a localização distante se mostrava como empecilho para algumas noites de  conversa. 

O entardecer era substituído pela escuridão, mas essa noite seria diferente, Jonas  sabia que poderia receber visitas essa noite, passou o dia fazendo seus deveres de casa  para aproveitar ainda mais as companhias, afinal, não era sempre. Era como se fosse  comemorar seu aniversário, mas sem bolo ou canções. Naquele vagaroso tempo, a primeira 

surpresa chegara com seu ar cordial, um tom leve, parecendo a primeira gota de chuva na  árvore em pleno outono. Alice era sempre a primeira a chegar para entreter o jovem Jonas. 

– Nossa, Alice, essa viagem em outros países deve ter sido uma maravilha. 

– Foi bastante curiosa. Em alguns lugares eu podia até disputar corrida com um coelho e ao  mesmo tempo quando notava aparecia um gato… como se fosse invisível! 

– Invisível? 

– Sim, mas não era…era como se fosse. Não tenho cara de chapeleiro pra ser tão maluca! 

Alice era uma menina aventureira, gostava de fazer comparações e repetir as  histórias que ouvia das outras pessoas, não se importava de estar sempre olhando para o  relógio, sempre com a sensação de parecer atrasada ou perdida. As pessoas deveriam se  perder mais, pois sempre acabamos nos achando, dizia. Naquela noite estava mais quieta  que o normal, deveria ser porquê dessa vez teria que competir a atenção do jovem Jonas  com mais visitantes naquela noite. 

A porta da casa rangendo com a sua abertura, faz com que os presentes se deparam  com um cidadão muito pequeno, destacando ainda mais o tamanho de seus pés. O estado  de angústia criava nesse pequeno indivíduo algumas manias. Essas manias se transformavam em perturbações que o faziam ter o hábito de segurar um anel para conseguir  aproveitar a noite que recém iniciava.  

Jonas não gostava muito de sua companhia, mas como não recusava em ouvir suas  histórias, conseguia aguentar em prol da sua curiosidade. Todas eram preciosas, embora  não entendesse como uma pessoa pudesse ter tantos problemas e ao mesmo tempo receber  ajuda de um anel. Na verdade, talvez não entendesse que o anel era o problema. O pequeno  menino Rodo e seu anel sempre pareciam nervosos como se alguém os perseguissem, a  forma de contar suas aventuras criavam um ar de fantasia e terror no ambiente, algo que o  jovem Jonas valorizava, gostava de ouvir os relatos sobre os campos verdes de água  cristalina e o céu azul que na medida do caminho se tornavam cinzas com nuvens em  formatos estranhos, mais parecendo um monstro irreconhecível. 

– Aquela nuvem era um dragão, mas tinha alguém em cima, parecia um cavalo com asas!  Gritou Rodo 

– Isso nem eu acredito – disse Alice 

– Deixa ele terminar – disse Jonas 

– Por que sempre tenho que explicar o que estou falando, Alice? Você sempre fica  questionando minhas histórias, eu nunca questionei as suas! Até parece que as suas  histórias são as maravilhas! 

O silêncio daquela discussão foi arruinado por Jonas que começou a perguntar onde  estavam os atrasados, a mesa de visitas estava ficando cheia, mas ainda faltavam algumas 

pessoas para Jonas se sentir completo. Diferente das conversas que tinha com sua mãe, era  como se nessas histórias ele pudesse fazer parte. Ele estava fazendo parte de algo. Uma das moças atrasadas apareceu toda descabelada, segurando uma vassoura. 

– Aí, desculpem chegar assim. Estava limpando a casa e quando notei o horário saí correndo  com a vassoura na mão…o clima tá terrível na escola. Voltou uma pessoa que há tempo  estava sumida. Nunca imaginaram que ele poderia voltar… 

– Qual o problema de alguém voltar? Perguntou o pequeno com seu anel 

– O problema não é voltar, o problema é quem voltou. Até parece que você não passou por  isso. Aposto que esse anel já foi de outras pessoas antes de ser seu. É a mesma coisa  comigo, eu não queria ter que aturar alguém que eu não gosto – disse a menina com sua  vassoura ainda em mãos. 

– Quem nunca viajou e voltou – disse Alice 

– Ai meu Deus! O problema não é viajar! O problema é quem viajou, parece que estava  procurando emprego em outro lugar, mas acabou voltando…pelo jeito não conseguiu. 

– Se vocês pudessem escolher uma profissão, qual seria? – Por ser o dono da casa, Jonas  gostava de criar demandas de conversar para deixar os outros falarem 

– Veterinária, disse Alice 

– Algum departamento de execução das Leis, disse a menina com a vassoura em seu lado  – Escritor, disse o rapaz com seu anel em um colar no pescoço 

– Eu seria arqueólogo! Disse Jonas 

– Arqueólogo?! – perguntaram os três surpresos 

– Sim! Gosto muito de encontrar coisas para entender sua origem, entender o porquê de  tudo. É como se o planeta Terra tivesse contando histórias. Imaginem só poder falar a língua  do planeta. Todos nós esquecemos que o planeta é um ser tão vivo como nós todos. Ele  também gosta de conversar, mas ninguém está dando atenção para ele… ela? Ele? O  planeta Terra ou a planeta terra? Tanto faz. Eu quero ouvir o que ela tem a me dizer…  entender seus sentimentos. 

– Como sempre discursando hein meu amigo, disse Hamlet completando a lista de visitas  daquela noite – Gosta de uma tragédia esse jovem. Será famoso por toda a eternidade se  continuar a falar de tal forma. 

O jovem Hamlet sempre chegava por último, parecia um membro de uma realeza  esquecida de algum lugar da Europa. Era um verdadeiro rei sem trono. Todas as suas  expressões demonstravam alguém que foi duramente educado nas antigas tradições. Embora sempre deixando o ar mais triste, Jonas apreciava de sua companhia porque tinham  uma relação em comum com seus tormentos.

A conversa naquele momento criou uma sensação de inquietude. Todos estavam  presentes de corpo, mas não com a devida atenção para o dono da casa. A moça com a  vassoura não enxergava o motivo para atender as necessidades do jovem Jonas, enquanto  os outros continuavam mergulhados em suas próprias reflexões. As histórias que contavam  se tornavam parte de suas personalidades, por esse motivo o ambiente se tornava mais frio,  como se o externo tivesse influência no interno de suas existências. Deveria ser por isso que  Jonas se sentia menos incompleto com a presença dos visitantes, mas necessitava mais. 

Ainda incomodado que seus visitantes não estavam prestando atenção nos seus  argumentos, Jonas não iria desistir até concordarem com ele. Naquele momento virou uma  questão de princípios. 

– A terra tem todas as necessidades que precisamos, nós precisamos dela, ela não precisa  de nós! 

– Parece meu anel – disse o pequeno 

– Parece meu reino – disse Hamlet 

– Parece o lugar que visito – disse Alice 

– Parece, bom não sei… – disse a moça da vassoura 

– Parece meu pai… 

Naquele breve momento, uma mão acolhedora toca no ombro do jovem Jonas para abrir as  portas do mundo. 

– Jonas, Jonas… acorda meu filho. Tá na hora da sua aula online. Sonhando de novo  criatura? Está vivendo em universo paralelo, Jonas… ou até em vários. E esses livros  espalhados pelo chão, a TV ligada… Quando eu voltar quero ver tudo isso bem arrumado!