Nadiêjda Porokhova

Ariel Von Ocker

“Pois uma vida também deve ser digna daqueles que a vivem.”

 

Por todo o dia, Nadiêjda Porokhova torceu as mãos nervosamente. Em vão, se tentara ocupar cozendo o xale que Piotr Porokhov lhe dera no aniversário. Errara os pontos, como se fora aprendiz de costureira. Tentou ela ensaiar um acorde no violino esquecido que mantivera consigo não sabia porquê. Olvidara as notas, tal que o som lhe saiu estrídulo e desagradável.

Olhou a casa e sentiu-se perdida. Tudo era um entorpecente olhar sobre o caos. Cadeiras arranhadas iam de canto a canto pela casinha. O chão era batido e sujo, coisa que se não podia evitar, de cinzas e terra. A lareira velha ornava-se de manchas carbonizadas e um cheiro de fumaça asfixiava quem ali estivesse. Nas janelas, cascas de sujeira e imundície se juntavam nos vértices do vidro e miríades de cabelos aglutinavam-se como aranhas sob os pés de Nádia. 

Em vão, suspirava a mulher, sem coragem de confessar em palavras o que sentia… 

Fez um chá e, depois de o ter bebido somente, deu-se conta de que era tarde e não havia comido nada. Olhou o relógio de parede e assustou-se com a própria voz:

 

-Seis da tarde!-

 

Sentiu, às súbitas, um aperto no peito e uma contorção no abdômen. O ácido, então, lhe subiu queimando a garganta até a boca.

Pensou em fazer uma omelete para acalmar o estômago. Esse, porém, volveu a revirar-se em descompasso. Náuseas e tontura. 

Pensou no que poderia fazer para acalmar o retesar violento da angústia. 

Pegou o velho rosário que fora de Pulkhieria Osentiskaya e rezou três Ave Maria pensando na mãe. 

 

Ave MariaGratia plena... Não! De que adianta? É inútil.- Ralhou consigo mesma atirando o rosário ao chão. Ele se partiu em quatro pontos espalhando fragmentos de madeira por toda saleta da isbá. 

 

Nádia Porokhova levou a mão à boca num susto. Não desejava quebra-lo. Mas…por que insistia numa reza vazia? Não…era uma coisa vã : rezava pela memória e não pela fé.

 

– Coisa feia é não ter fé!- Dizia a velha.

 

E a vida, como um sopro, partira. Morrera-lhe a mãe. Restou, então, Nadiêjda Osentiskaya. E…o homem: Piotr Porokhov, a quem aceitara Nádia por marido sem pensar.

Ora, Piotr Porokhov era quinze anos mais velho do que ela e, não lhe importava o quanto tentasse, Nádia, sem explicar-se de si o porquê, sentia nele apenas a incompreensão.

Deram sete horas. O homem saiu do trabalho. Sete e quinze, Nádia terminou a sopa de legumes e carne velha. Sete e quarenta, ele chegou em casa: corpulento e pesado como se fora um armário de mogno corroído pelo mofo. 

Não cumprimentou Nádia, que se encolheu ao vê-lo. Mandou-a, antes, trazer-lhe a comida e um copo bem servido de vodka. 

Ele comeu e se fartou. Sujou o canto da boca de caldo. Ele escorreu pela barba e cristalizou-se ali num licor viscoso que viria a cheirar forte, não fosse o frio que fazia. 

Piotr Porokhov levantou-se da mesa e se deitou na cama. O estrado gemeu com o peso do homem.

Sozinha, Nadiêjda recolheu o prato e a colher. Lavou-os na tina sentindo a água enregelante adormecer seus dedos. 

 

-Esposa! Venha cá!-

 

Bradou Piotr Porokhov. Ela obedeceu. Sem dizer palavra, recebeu os beijos de luxúria que o marido lhe dava e amou-o ainda vestida, como se um cão lhe lambesse o rosto.

Findo o ato, baixou a saia. E retesou-se enojada de si e do mundo. 

Na cama, Piotr já dormia roncando alto. 

Um espasmo no tórax fez coçar a garganta de Nádia. Tossiu. 

Uma gota de sangue pingou-lhe da boca. Sujou-se o vestido.