A ballada do enforcado, de Oscar Wilde

Priscila Rosa, Alckmar Luiz dos Santos, Thaís Angélica Mendes dos Santos

A ballada do enforcado

Oscar Wilde

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Material gentilmente cedidos pelo Archivo Rubén Darío através de sua coordenadora Profa. Rocío Oviedo

Foi possível reunir três grandes nomes de uma só vez para premiar as Obras Raras da Mafuá. Com exclusividade disponibilizamos de um livro do acervo do poeta e embaixador Rubén Darío . Trata-se de uma tradução feita pela figura interessante de Elísio de Carvalho de A Ballada do Enforcado, de Oscar Wilde.

A tradução para o português contou com duas fontes: a original, escrita em versos, e a traduzida para o francês de Henry D. Davray, a que mais se aproxima pois se encontra em prosa.

A transcrição da obra completa pode ser acessada clicando aqui.

 


 

Apresentação de Elísio de Carvalho
Alckmar Luiz dos Santos

Interessantíssima figura essa, a de Elísio de Carvalho. Notável pela diversidade das produções, dos interlocutores, dos interesses intelectuais. O nome Elísio faz referência imediata aos Campos Elíseos, da mitologia grega e, coincidentemente, é citado de vez em quando como poeta parnasiano. Ainda, foi participante das rodinhas da Livraria Garnier, que reunia a intelectualidade bem-pensante de finais do século XIX e inícios do XX, no Rio de Janeiro. Até aqui, em resumo, uma figura como a de tantos outros, aparentemente ligado aos estereótipos do intelectual conservador brasileiro próximo à Academia Brasileira de Letras. Todavia, Elísio foi também um dos participantes da Semana de Arte Moderna, conforme noticiado na edição de 29 de janeiro de 1922, por O Estado de São Paulo. Não se estranha, portanto, que seu nome também se encontre entre os participantes de congressos e iniciativas libertárias ou, melhor dizendo, anarquistas. Em 1906, realizou-se no Rio de Janeiro o 10° Congresso Operário Brasileiro, com a colaboração de vários intelectuais, mais ou menos assumidamente anarquistas. Após o Congresso, lançaram a revista Floreal, que contava com Domingos Ribeiro, Fábio Luz, Curvelo de Mendonça, Lima Barreto (certamente o mais conhecido atualmente) e… Elísio de Carvalho. Pouco antes, em 1904, Elísio já havia sido o principal animador da Universidade Popular d’Ensino Livre, localizada no Rio de Janeiro e onde, entre outras coisas, dava conferências, como a que fez sobre Kropotkin, na sede da Universidade, na Rua são José, num festival literário realizado em 11 de outubro daquele mesmo ano.

Contudo, há que se destacar que, em 1906, ano do Congresso Operário, Elísio foi encarregado de receber o poeta Rubén Darío, que era então o secretário da Delegação da Nicarágua à Conferência Pan-Americana, encontro que iniciou um diálogo interessante e ainda não suficientemente estudado do poeta nicaraguense com a literatura brasileira.

Mas a revista Floreal acima citada não foi a única publicação de que tenha participado Elísio de Carvalho, ou que tenha sido lançada e dirigida por ele. Antes, em 1906, já aparecia entre os colaboradores da revista carioca Renascença (Rodrigo Otávio e Henrique Bernardelli), uma espécie de rival da muito bem considerada Kosmos, e que contava com gente de peso: José Veríssimo, Coelho Neto, Olavo Bilac, Guimarães Passos, Sílvio Romero, Paulo Barreto (João do Rio), Araripe Júnior, Vieira Fazenda, Max Fleiuss, Afonso Celso e outros. Ou seja, o anarquista de 1910 e o modernista de 1922 publicava no mesmo espaço dos próceres do academicismo, como Coelho Neto e Sílvio Romero, ou dos que tentavam meio timidamente renovar nossa literatura, caso de João do Rio. Mas ainda antes disso, aos 19 anos de idade, esse alagoano da cidade de Penedo[1], já lançava, sempre no Rio de Janeiro, a revista Meridional. Pouco após, em 1903, lançou A Greve, que se afirmava como jornal proletário e anarquista. Na esteira d’A Greve, veio Kultur, em 1904, anunciada como revista “filosófica e literária”, mas abertamente ligada aos movimentos proletários e anarquistas da então capital federal. Em 1919, lançou no Rio de Janeiro a Revista Nacional, curiosamente quase ao tempo em que, em São Paulo, o grupo de intelectuais ligados a’O Estado de São Paulo lançasse a Revista do Brasil, rapidamente passada às mãos de Monteiro Lobato.

Em suma, vemos em Elísio a figura do intelectual com múltiplos interesses e atividades, sem medo do diálogo com setores menos revolucionários da intelectualidade, sem receio de meter-se em projetos políticos e culturais de escassíssimas possibilidades de serem bem-sucedidos.

João do Rio, em seu O Momento literário, afirma:

O Sr. Elísio de Carvalho representa por si só uma porção de pequenos movimentos literários, reflexos de pequenas escolas francesas.

A princípio, a propósito da antiga história de um soneto, resolveram jurar que o Sr. Elísio não escrevia nada — mas o Sr. Elísio tem escrito tanto e a respeito de tanta coisa pouco conhecida no Rio que forçoso foi dar-lhe atenção.

O Sr. Elísio de Carvalho conta a história do seu espírito com um prazer evidente. Lê-lo é saber o que fizeram de 1897 para cá os tremendos jovens nefelibatas, hoje socialistas…

Luiz Edmundo, em O Rio de Janeiro do meu tempo, conta de Elísio que ele

“… pela época, casa-se com mulher rica, instalando-se na rua do Riachuelo, organiza uma notável biblioteca de moderna literatura, mandada buscar diretamente à Europa: livros franceses e ingleses, espanhóis, italianos, quase sempre em edições de grande luxo, volumes impressos em papel de Holanda, China e Japão, coleções raras e caríssimas. Empresta livros a todos os seus amigos e mesmo aos que não são. Exemplares únicos aparecem, no fim de algumas semanas, pelos balcões dos sebos da cidade, outros desaparecem para sempre, sem que saiba, exatamente, onde… E a caixotaria a chegar da Alfândega, e mais os pacotes, as faturas, os catálogos… E o Elysio como um nababo, a encher as estantes, dele, dos amigos, dos sebos da rua de São José… Esse delírio bibliomaníaco, do qual se aproveitavam, honestamente, diga-se de passagem – certos intelectuais pobres, da sua maior intimidade, só acaba quando o dote da mulher se esgota, no dia em que a uma roda de amigos, no fundo de sua linda e rica biblioteca, folheando uma coleção de affiches de Mucha, posta em volume numa edição valendo muito mais de mil francos, ele diz, embora sem grandes apreensões e cuidados:

“– O pior é que o dinheiro acabou. Felizmente prometeram-me um emprego aí numa repartição qualquer…

“Nesse momento, Elysio de Carvalho, o bibliômano mais moço da cidade, não tem mais de vinte anos. Convém não esquecer que, por ocasião de sua morte, anos depois, lega à sua família uma biblioteca importante, riquíssima, sobretudo em obras históricas sobre o Brasil e sobre a América.”

De sua produção literária, diz Brito Broca, em A vida literária no Brasil — 1900:

“Five o’clock é justamente o título do livro em que Elísio de Carvalho nos deixou curiosa documentação sobre aspectos e figuras dessa boêmia dourada na primeira década do século. Num estilo afetado, com grande extração de termos estrangeiros, em tudo semelhante ao de João do Rio (a quem o livro é dedicado); carregando ainda mais na nota original, o cronista descreve-nos uma comparsaria mundana do refinamento e decadentismo que parece moldada pelas silhuetas nevrálgicas de Jean Lorrain.”

E a aproximação com o Decadentismo não é fortuito. É o que explica, em boa parte, o interesse de Elísio por Oscar Wilde, de quem foi divulgador e tradutor no Brasil, a exemplo da Balada do Enforcado, publicada em 1899.

E é esse penumbrista, decadentista, anarquista, participante das rodas literárias da Garnier e da Semana de Arte Moderna, autor de estudos de teoria e de história literárias (como As modernas correntes estéticas na literatura brasileira) ou de sociologia (Esplendor e decadência da sociedade brasileira), de contos (Five o’clock), de poemas (Horas de febre), é ele quem ainda nos surpreende uma última vez. Dele diz Fábio Luz, amigo e militante anarquista:

“Nós íamos fazer conferências nas portas das fábricas. Aos domingos reuníamos na sede da Universidade todos os camaradas. Depois os contribuintes para a manutenção das aulas incorreram em faltas graves de administração universitária, sendo responsabilidade por tudo isso o reitor, que era Elísio de Carvalho.

“Este se afastou totalmente e a universidade teve de fechar suas portas.

“Elísio foi ocupar um cargo na política e chegou a ser diretor do instituto de identificação criminal, debaixo da proteção do atual diretor e redator do Jornal do Comércio, doutor Félix Pacheco, ex-ministro de relações exteriores, deputado e senador.[2]

Pois o intelectual adepto da revolução do operariado se tornou funcionário da polícia do Rio de Janeiro e autor de estudos técnicos, entre os quais A luta técnica contra o crime, A polícia carioca, L’organisation et le fonctionnement du service d’identificationde Rio de Janeiro, La police scientifique au Brésil, O laudo da perícia gráfica do caso da rua Januzzi n° 13. Como dizia acima, interessantíssima figura essa, a de Elísio de Carvalho!

 

[1] E morto na Suíça, na cidade de Schaldalf, em 1925.

[2] RODRIGUES, E. O anarquismo na escola, no teatro, na poesia. Rio de Janeiro, Achiamé, 1992, p. 210.

 


 

Sobre o livro, algumas palavras…
Thaís Angélica Mendes dos Santos

Este volume d’A Balada do enforcado está atualmente no Archivo Rubén Darío, localizado na Faculdade de Filologia, da Universidade Complutense de Madrid (UCM).  Nele, todo o material pertencente ao escritor nicaraguense, sobretudo os livros de sua biblioteca pessoal, está sob a responsabilidade e a guarda da profa. Rocío Oviedo, uma das mais importantes conhecedoras de sua obra.

Para conhecer um pouco mais sobre o Archivo Rubén Darío, ou sobre Rocío Oviedo, podem-se consultar os endereços abaixo:

  • www.ucm.es/info/rdario/
  • www.ucm.es/BUCM/atencion/17651.php
  • www.elnuevodiario.com.ni/especiales/39058
  • magazinemodernista.com/?p=935

Como está fazendo com todo o acervo de Darío, o Archivo digitalizou a obra acima citada, com a finalidade de oferecer ao público a possibilidade de ter acesso à leitura e a consultas desse material todo. Especificamente esse livro, A Balada do enforcado, foi digitalizado no final de julho passado e será posto no banco de dados do Archivo ainda neste segundo semestre de 2009.

Em seguida à digitalização de todo o material (além dos livros, vários documentos pessoais de Rubén Darío), ele será levado e entregue oficialmente ao acervo da Biblioteca Histórica Marqués de Valdecilla, também ligada à UCM.

Nessa biblioteca, o livro estará em condições excelentes: há controle da temperatura, da umidade e da luz; prevenção de fatores adversos tais como pragas, insetos, roedores, e toda uma legião de outros organismos nocivos à vida útil de livros raros e antigos, incunábulos, mapas, gravuras, fotos, pergaminhos etc. Tudo está sob controle diuturno, nessa Biblioteca em que foram investidos pesados recursos em equipamentos e em qualificação do pessoal para utilizar tal sistema de controle, além dos procedimentos técnicos mais avançados na restauração e na conservação de acervos bibliotecários.

O primeiro procedimento técnico realizado pelos bibliotecários que trabalham nessa instituição, é o registro ou a catalogação do documento. É o que ocorrerá com A Balada do enforcado: tanto esse livro, como todo o material do acervo de Rubén Darío, será catalogado e irá para o depósito de guarda. A partir daí, a Oficina de Restauração e Conservação (Taller de restauración y conservación) realiza os procedimentos adequados a cada documento, livro, mapa, gravura, foto, que estão sob a guarda da Biblioteca. Com uma agenda completamente tomada pelo grande volume de documentos de seu acervo próprio, os profissionais dessa oficina organizam os cuidados necessários para que os documentos estejam em condições de serem utilizados, ou seja, consultados pelos pesquisadores, únicos a terem acesso ao acervo da Biblioteca. Ou, ainda, algumas coleções são cuidadas pelo Taller para exposições segundo um calendário cultural:  são exposições, mostras, eventos próprios e anos de festejos de algum tema (este ano, por exemplo, é o da astronomia). Nesses casos, as coleções que necessitam sair da biblioteca são acondicionadas em caixas confeccionadas pela Oficina de Restauro e Conservação. Um dos compromissos assumidos neste ano, por essa Oficina, é o cuidado com o acervo de Rubén Darío. Para que isso ocorra, foi realizado um planejamento detalhado de como, quando, por quem e qual material será utilizado, as ferramentas, o lugar físico para realizar o trabalho. Acertada a agenda, a execução da conservação dos documentos do embaixador e poeta foi iniciada.

O acervo de Rubén Darío estava guardado em mais de setenta caixas, em que o material ficou acondicionado de um modo pouco adequado. Agora na Biblioteca, os documentos estão sendo catalogados um a um e enviados ao Taller, onde são conferidos para serem, em seguida, cuidados. Primeiramente, é feita a limpeza dos documentos, para retirar pó e sujeira solta. Nesse momento, um pequeno relato é redigido para cada documento, registrando as características de cada um deles, ou seja, as condições originais em que o material chegou. Isso inclui também um levantamento das condições físico-químicas de cada documentos. Assim, ficam anotadas as marcas deixadas pelo tempo ou pela manipulação: manchas de líquidos; falta de partes do documento com perda de informação; oxidação causada pela presença de metais no suporte papel; rasgos; enfim, toda deterioração dos documentos é registrada nesse momento.

Após a limpeza, os procedimentos para a conservação preventiva desses documentos preveem a utilização de material químico para alcalinização dos papéis, assim como a retirada de material metálico ou de qualquer outro estranho à obra. Todo material retirado é guardado em papel neutro e identificado através de uma associação à origem do documento. Em alguns casos, é feita a documentação fotográfica, antes e depois de alguma intervenção mínima ser realizada. Durante a realização dessas tarefas, mantém-se um informe diário das ações de cada profissional envolvido nessas tarefas, num sistema em rede interna de computadores. São colocadas nesses diários as fotos, as informações detalhadas de cada atenção realizada por cada profissional.

Após esse trabalho inicial de conservação preventiva, os documentos serão guardados entre os papéis “de barreira”. Esses papéis têm a finalidade de proteger os documentos. Em seguida, estes serão registrados, reconferidos e guardados em caixas elaboradas em papel neutro e com dimensões apropriadas para essa finalidade. Em nosso caso, as caixas que, originalmente, guardavam os documentos no Archivo, serão mantidas para guardar todo material encontrado e que seja estranho à obra e ao acervo do poeta; os documentos desse acervo serão acondicionados em caixas novas. Feitas todas as tarefas de preservação, todas serão enviadas ao depósito da Biblioteca Marqués de Valdecilla.