A vinda do maior ator do Império ao extremo sul brasileiro

Leandro Kerr Gimenez

RESUMO: Neste artigo, o foco principal é a análise da produção literária no extremo sul brasileiro devido à repercussão da visita do ator João Caetano dos Santos, em agosto de 1854.

PALAVRAS-CHAVE: Imprensa do século XIX. Periodismo literário. Teatro.

ABSTRACT: In this article, the main focus is the analysis of literary production in the extreme south of Brazil due to the impact of the visit of actor João Caetano dos Santos in August 1854.

KEYWORDS: Press of the nineteenth century. Literary Journalism. Theatre.

 

O projeto “O sistema literário rio-grandino no século XIX: estudo sobre a sua formação e consolidação”, desenvolvido desde 2006 na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que pretende recolher, organizar e analisar dados esparsos disponíveis em fontes primárias e secundárias a fim de possibilitar um real entendimento da formação e consolidação do sistema literário, noção pouco exata até hoje, na literatura do extremo sul brasileiro.

Neste artigo, focalizo – partindo da importância do teatro desde a implantação das casas de espetáculos dramáticos no extremo sul – a vinda do ator João Caetano dos Santos[1] a Rio Grande e Pelotas em agosto de 1854, acompanhado do teatrólogo rio-grandino Manuel José da Silva Bastos[2], quando este voltou do Rio de Janeiro. A importância da vinda desse significativo ator pode ser medida pelos poemas publicados no jornal O Rio-Grandense de agosto a novembro de 1854, que serão analisados e comparados para observar as características utilizadas e a contribuição de João Caetano para o incentivo da produção literária local.

A importância do teatro pode igualmente ser verificada pela publicação das peças teatrais apresentadas na cidade de Rio Grande por José Manoel Rego Viana (1809-1846) e Manoel José da Silva Bastos na década de 1840, que se tornaram os primeiros livros publicados na imprensa local. A produção de ambos só foi possível com a inauguração do Teatro Sete de Setembro, em 1832, na cidade de Rio Grande, conforme foi divulgado no jornal O Noticiador de 10 de setembro daquele ano. Nesse artigo, Francisco Xavier Ferreira argumenta que

Não podemos deixar de manifestar o nosso prazer por vermos nesta cidade um teatro, ereto por uma sociedade composta de cidadãos, que não poupou a trabalhos e a despesas, para a sua conclusão; o qual servirá de escola para se aprenderem os bons costumes, aumentar a civilização, e para se festejar os dias nacionais, e as nossas belas instituições livres (O Noticiador, p. 288).

Esses teatrólogos contribuíram para a formação da literatura sul-rio-grandense, influenciando autores contemporâneos e também das gerações seguintes, ajudando na solidificação cultural. Dessa forma, ao olhar para essa formação do sistema literário em Rio Grande, percebe-se uma cadeia linear, sendo influenciados pelos textos representados no teatro local e pelos livros importados, assim como influenciando os autores locais – de textos teatrais ou não – que viriam nas décadas seguintes.

Na cidade gaúcha de Rio Grande, no extremo sul brasileiro, o primeiro relato sobre a existência de uma construção destinada às atividades teatrais é do comerciante inglês John Luccock, em 1809. Suas anotações relatavam o encontro de ruínas de um teatro de madeira, localizado próximo à residência do governador, na hoje Rua General Bacelar esquina Pinto Lima. Esse teatro, possivelmente, era do final do século XVIII e apresentava as mesmas características das modestas Casas da Comédia ou Casas da Ópera existentes em importantes cidades de várias regiões do país.

Antenor Monteiro, em artigo publicado no jornal Rio Grande, em 19 de agosto de 1946, descreve que, em um ofício da Comandância Militar, ao relatar as festas pelo aniversário do Imperador em 1829, é possível constatar que a prática teatral já era existente na cidade, nela encontra-se que “em Teatro particular se pôs em cena, à noite, uma peça” que fora representada por oficiais do batalhão local e alguns particulares. Monteiro relata ainda que no ano seguinte, 1830, a Câmara Municipal recebeu uma representação em que se solicitava multa para o suplente de vereador Manuel Pereira Bastos “por não ser verdadeira a alegação de moléstia para não assistir às sessões, pois foi visto no dia 12 [de outubro] na Casa da Ópera, enquanto ela [a peça] durou”. No entanto, as atividades cênicas em Rio Grande ganharam impulso a partir de 1832, com o Teatro Sete de Setembro.

Inaugurado no dia 7 de Setembro, o teatro foi o primeiro construído em alvenaria no Rio Grande do Sul e teve, em sua noite de estreia, a representação da peça O bom amigo, de Antônio Xavier de Azevedo, como consta n’O Noticiador do dia 10 de setembro (p. 1). A edificação orgulhava os rio-grandinos e não passava muitos anos sem algum melhoramento: em 1849 a iluminação passou das velas de espermanecete aos lampiões de azeite; em 1852, forração do teto, dos camarotes e da entrada da plateia, além da pintura da plateia, do proscênio, dos lados da entrada e das 46 colunas de cedro; em 1855, aumento do palco para os fundos, nos quais o teatro passou a ter uma segunda fachada, esta à Praça São Pedro; e foi aformoseado por novo pano de boca; em 1864, um grande lustre, vindo dos Estados Unidos, com 58 bicos de gás, distribuídos em três ordens; em 1865, melhoramentos no frontispício, com a construção de dois corpos avançados, dois salões, um de cada lado do pátio de entrada.

O prédio permaneceu propriedade da Associação Teatral até 1895, quando vendido ao Dr. Alfredo Correia Leite. Foi demolido em 1948 e acabou dando lugar ao Cine-teatro Sete de Setembro, inaugurado no dia 15 de novembro de 1949. Em 1983, a parte térrea, onde se situava a plateia, foi transformada em lojas comerciais e o cinema passou a funcionar, até 1999, no balcão, também chamado de “sub-plateia”. Hoje, do primeiro teatro do estado, só restam o nome e o endereço.

No Sete de Setembro, Rio Grande assistiu a espetáculos de grandes companhias teatrais e de ópera que aqui aportavam em viagem pela América do Sul. Nomes famosos[3] ali se apresentaram, como João Caetano dos Santos, o maior ator do Império, trazido pelo empresário teatral Manuel José da Silva Bastos em agosto de 1854.

No dia 6 de julho de 1854 (p. 3), constou no jornal O Rio-Grandense, o quanto a confirmação da presença do distinto artista alegrou o povo rio-grandino:

Parece fora de dúvida que o insigne ator, o Sr. Comendador João Caetano dos Santos, tendo resolvido visitar esta província, nos dará brevemente algumas noites de distração, honrando o palco Rio-Grandense. Congratulamo-nos com a província por ter de receber em seu seio, e aplaudir um hospede de tão elevado mérito, um não vulgar talento na arte dramática.
Os preparativos para o recebimento que nossos jovens influentes encabeçarão, e a que se vão chegado todos os que sabem graduar o mérito, não são mais que um justo brinde com que se quer corresponder à visita do distinto artista.

Nessa mesma edição, porém na página 4, encontra-se a confirmação de que a companhia dramática de João Caetano também iria se apresentar no Teatro Sete de Abril, na cidade vizinha de Pelotas, com oito espetáculos:

Resolvendo-se o distinto artista, o comendador João Caetano dos Santos, fazer um passeio a esta província, e tendo o empresário Manuel José da Silva Bastos conseguido que ele honre o palco Rio Grandense, trabalhando com sua companhia, abre na cidade de Pelotas uma assinatura para oito espetáculos dramáticos em que tem de representar o mestre da cena, o indicado artista.
O Illm. Sr. Antonio Joaquim de Freitas está por especial obsequio encarregado de admitir assinaturas sob as condições que ele há de mostrar, sendo para isso procurados os Srs. Proprietários do Teatro  Sete de Abril  Serão proferidos, recorrendo até o dia 10 do corrente, e daí em diante as assinaturas serão indistintamente distribuídas.

No dia 23 de agosto de 1854, depois de ser tanto esperado, chegou a Rio Grande, com status de rei da cena, João Caetano dos Santos. O jornal O Rio-Grandense transcreveu um poema publicado em um jornal do Rio de Janeiro para demonstrar a importância deste ator a quem ainda não o conhecesse. No exemplar do dia 25 de agosto, há o poema “Adeus” (transcrito no anexo), assinado pelo poeta fluminense Santos Neves, que representa o sentimento deixado no povo carioca por ocasião da partida do ator João Caetano dos Santos para Rio Grande.

O poema – mesclando traços árcades e românticos – compõe-se de 46 versos que exaltam as qualidades artísticas de João Caetano e não adota nenhuma forma fixa, uma das características do Romantismo. O título – “Adeus” – constitui-se por um termo de polidez e amizade dirigido a alguém antes de uma separação mais ou menos prolongada, que, no caso do poema, remete a partida de João Caetano da corte para o extremo sul do país. O eu lírico inicia o poema solicitando ao ator que não vá embora sem se despedir e discorre o texto falando da falta que ele faria ao povo carioca. Assim sendo, o título serve como indicador do tema geral.

Observa-se, no oitavo verso, o uso das reticências, que marcam uma pausa que serve para a reflexão do leitor e, até mesmo, do eu lírico visto que o momento pelo qual passa o sujeito poético é sentimentalmente conturbado, pois a ausência do grande artista lhe fará muita falta. Encontram-se no decorrer do poema várias indagações, o que parece aumentar o sofrimento de um eu lírico abandonado, entoando suas lamentações, porém parecem ser perguntas retóricas, pois o próprio sujeito poético acaba, de certa forma, por respondê-las ao afirmar que João Caetano necessita mostrar sua arte aos demais brasileiros.

O poema possui certa rigidez formal na escansão, sendo constituído – em sua maioria – por versos decassílabos, porém possui irregularidade em seis versos eneassílabos; o que demonstra, mais uma vez, um poema árcade com influências românticas. Outra característica romântica é a ênfase ao nacionalismo, uma vez que o ator João Caetano era um símbolo do Brasil, alguém que poderia ser visto com orgulho dentro e fora do país. O nacionalismo está presente no poema sob a forma de exageros adjetivais ao ator, uma forma de comprovar a superioridade do Brasil através da criação de heróis, como aparece nos versos 24-29:

Oh! Não julgues assim que se tens ainda
Troféus a conquistar, nós temos ainda
Patriótico ardor para compensarmos
Teu mérito sem par, nos orgulhando
Em ver-te nosso artista, como a França
Em ver Talma outrora se orgulhava

A estreia ocorreu com a representação de uma aventura do dramaturgo francês Anicet Bourgeois (1806-1870) intitulada A Dama de Saint Tropez e ocorreu dia 27 de agosto de 1854. A peça narra a história de uma mulher que abriu mão de sua felicidade, casando-se com um homem que não amava, para não deixar o pai na miséria[4]. A comunidade rio-grandina compareceu em peso, cerca de mil pessoas foram prestigiar o artista.

No meio dos mais estrondosos aplausos, terminou A Dama de S. Tropez e os brados repetidos de “O Gênio do Brasil à cena!” ecoaram por algum tempo no espaço. Logo após, retornou ao palco o herói da noite e, após alguns momentos, João Caetano dos Santos pediu a atenção do público, e, interrompido a todo o momento pelo som dos bravos, recitou uma poesia intitulada Salve, Estrela do Sul!. Nesse texto, o ator agradece aos rio-grandinos pelo convite e acolhimento, além de dizer que sempre foi um desejo seu visitar a esta província do Sul do Brasil.

Ao final da poesia, de um camarote de 2ª ordem, Augusto Candido recitou o soneto Parabéns! Parabéns! Patrícios meus, publicado no jornal O Rio-Grandense de 30 de agosto. A construção poética, por ser um soneto, a forma clássica por excelência, encaixa os poemas dentro do Arcadismo, que retorna os modelos greco-latinos e seus ideais clássicos. Os versos são, em sua maioria, decassílabos, mas possui irregularidade em quatro versos, sendo estes compostos por eneassílabos; o que demonstra, assim como o texto do autor carioca analisado anteriormente, um poema árcade com influências românticas.

Parabéns! Parabéns! Patrícios meus,
Brasileiro Talma entre nós temos,
Qual astro fulgurante ali vemos.
Provando o gênio raro, os dotes seus.

Neste primeiro quarteto, o eu lírico congratula seus conterrâneos pela honra de ter recebido a visita de João Caetano dos Santos, comparando o ator brasileiro a François-Joseph Talma (1763-1826) – o mais prestigioso ator francês de sua época – e reforçando a admiração de todos pelo brasileiro.

Deixaste a cara esposa, os filhos teus,
Com mágoa, com pesar, oh! nós o cremos!
Às instâncias cedeste que fizemos,
Até aqui vens trazer altos troféus!

Na segunda estrofe, o sujeito poético faz referência à esposa e aos filhos de João Caetano e salienta que o ator deixou-os com mágoa ao fazer essa viagem, o que demonstra que ele era respeitado também como pessoa e não só como artista. Em relação aos troféus, sabe-se que o ator sempre foi premiado em todos os locais por onde se apresentou.

Dos gênios, dos heróis que a historia aponta,
Imenso e sem rival és tu no mundo,
Teus feitos, teu saber lhes faz afronta,Venha o Franco Talma, surja iracundo,
Que à vista do ator que a lira canta
A palma cederá ao mais profundo!

Nestas duas últimas estrofes, o eu lírico elogia ainda mais o ator através dos adjetivos “gênio”, “herói”, “imenso” e “sem rival”, que relacionados a “mundo” explicitam a relação entre a grandeza alcançada pela fama de João Caetano – o mundo – e a sua situação nele – o Herói. Tanto a personificação heroica do personagem quanto a assimilação das características da nação pelo herói e vice-versa foram constantes durante o Romantismo. Após, o eu lírico volta a comparar o brasileiro ao dramaturgo francês, porém a passagem “Franco Talma” demonstra que o consideravam o verdadeiro Talma, ou seja, João Caetano dos Santos era considerado o melhor dos melhores no palco. Este poema rio-grandino possui características semelhantes ao carioca – uma construção árcade com traços românticos com a principal finalidade de elogiar o ator João Caetano.

Após a apresentação deste soneto, o jovem Teodolindo Antônio da Rosa, erguendo-se sobre a sua cadeira na plateia, recitou mais um soneto em homenagem a João Caetano dos Santos. Já Augusto Cândido recitou o soneto Não basta, não, que a cândida amizade em homenagem ao empresário Silva Bastos.

Buscas tenaz à força de vontade
Que entre nós o teatro se engrandeça,
E nada tens achado que te impeça
De dar prazer à ilustre mocidade.

Esta estrofe demonstra que Manuel José da Silva Bastos trabalhava muito para engrandecer o teatro de sua terra natal e, para isso, não poupou esforços para conseguir honrar seus conterrâneos com a presença de João Caetano, como demonstra o último terceto deste soneto:

De teus feitos a fama é mui alta!
Trazer da cena o rei foi teu empenho;
Tens feito tudo! nada mais te falta.

Ao final destas homenagens, o povo tornou a clamar por seu ídolo e por uma terceira vez João Caetano dos Santos compareceu ao palco e teve de ouvir, entre os mais fervorosos aplausos, o último soneto – também em seu oferecimento – recitado nesta noite de estreia, feito e proclamado por Moura.

Em seguida, chegou a vez de Silva Bastos ser chamado ao palco, onde também foi completamente ovacionado pelo público. Após as homenagens, a comunidade rio-grandina ainda pode assistir a comédia vaudeville em um ato, Uma noite de condescendias.

Depois das apresentações, formaram-se em frente à porta principal do teatro duas extensas alas por onde João Caetano dos Santos atravessou, recebendo, durante a passagem, mais vivas e demonstrações do excessivo entusiasmo. Acompanhado por todos e ao som da música, desde o teatro até a casa onde estava hospedado, no Hotel Moreau, o ator continuou sendo constantemente saudado. Depois de ter recebido a todos em sua residência, onde ainda lhe foram dedicados vários brindes, o artista tornou a agradecer as repetidas homenagens que lhe oferecia o povo rio-grandino e, após, todos se retiraram.

A segunda apresentação da companhia ocorreu quatro dias depois, no dia 31 de agosto. João Caetano foi o protagonista-título do drama, em cinco atos, Dom Cesar de Bazan (1844), dos franceses Adolphe d’Ennery (1811-1899) e Philippe-François Dumanoir (1806-1865), seguido, como de costume, por uma comédia, em um ato, A inimiga dos homens. Ao final do espetáculo, assim como ocorreu na noite de estreia, foram oferecidas diversas poesias em homenagem ao ator carioca, igualmente transcritas em jornais da época.

A crítica dramática da época mostrou-se surpresa com o desenvolvimento do drama, visto que era uma peça já muito conhecida pelos rio-grandinos, porém a representação de João Caetano foi tão perfeita que parecia ser um espetáculo inédito. Tentaram descrever aos leitores, mas não encontraram palavras para tal:

Quiséramos poder descrever todas as cenas em que o abalizado ator nos arrebatou; deixamos, porém de fazê-lo porque, cônscios da nossa insuficiência, difícil nos será menciona-las com precisão e verdade ― coisas há que o mortal sente, mas não as exprime (O Rio-Grandense, 3 set. 1854, p. 3).

No domingo seguinte, dia 3 de setembro, foi encenado a terceira peça da companhia na cidade, A gargalhada, drama em três atos, de composição do francês Jacques Arago (1790-1854). Após a representação, encerrou a noite a comedia, em dois atos, Quem porfia mata caça. Apesar do mau tempo, houve um grande número de espectadores e, como de costume, foi recitado de um camarote da primeira ordem pelo redator do jornal O Rio-Grandense, Antonio José Caetano da Silva, um soneto dedicado a João Caetano dos Santos, inspirado no poema declamado pelo ilustre ator em sua noite de estreia intitulado Salve, Estrela do Palco.

No aniversário de independência e do Império do Brasil houve em Rio Grande uma celebração. Desde as vinte horas do dia 6 de setembro, de hora em hora, eram largados fogos da porta do estabelecimento tipográfico do jornal O Rio-Grandense, até que dando meia-noite, ao som da orquestra, aumentou a salva de fogos. Logo depois, algumas pessoas encontraram-se no Beco dos Martins e dirigiram-se à porta do hotel Moreau, onde se hospedava João Caetano, para prestar-lhe uma serenata.

Na noite desse dia houve a quarta, e última, récita da primeira prestação, onde a companhia dramática de João Caetano representou Otelo ou O Mouro de Veneza, de William Shakespeare (1564-1616), numa tradução de Gonçalves de Magalhães (1811-1882). Antes da representação, a orquestra entoou o hino da independência diante da efígie do Imperador. Após as homenagens, a companhia dramática representou o famoso drama, em cinco atos, sendo o papel de Otelo desempenhado por João Caetano. A noite encerrou com a comédia, de ato único, Uma noite de condescendias.

No dia seguinte, a companhia dramática seguiu para a cidade vizinha, Pelotas, pois, tendo em vista que o empresário Manuel José da Silva Bastos conseguiu que a companhia honrasse a província de São Pedro com uma visita, não podia deixar de apresentá-lo ao público pelotense, o qual tinha muito apreço pelo empresário.

Assim como em Rio Grande, as mesmas oito peças seriam encenadas, divididas em duas partes. Da mesma forma, após o espetáculo, foi declamado o soneto Artista entre os artistas sublimado, com autoria do poeta Antônio José Domingues (1791-1860), em homenagem a João Caetano.

Não diferente dos poemas analisados anteriormente, a poesia em questão, publicado no jornal O Rio-Grandense de 16 de setembro, mantém os mesmos traços de um poema árcade com influência romântica, pois sua forma clássica enquadra-o dentro do Arcadismo, embora haja irregularidade métrica em três versos. Novamente trata-se de um poema todo em homenagem a João Caetano dos Santos, divagando a respeito da honra pela presença do ator, das premiações que ele já recebeu e continuará recebendo e, como os demais poemas, coloca-o acima de todos, considerando-o o melhor ator entre os melhores.

No jornal O Rio-Grandense, da mesma edição, mas na página 3, é possível encontrar mais um poema, intitulado Saudação, com autoria do mesmo autor, porém de forma livre, com o mesmo estilo temático dos analisados anteriormente e demonstra, nos primeiros versos o quanto os pelotenses admiravam o ator: “Eis o gênio entre nós, ó Pelotenses!/Aplauso, e saudação ao rei da cena!”.

Lê-se no jornal Pelotense, de 19 de setembro, uma declaração do redator em que demonstra que além de ótimo ator, João Caetano era admirado como pessoa:

O Sr. Comendador João Caetano dos Santos, sabendo que se pretende criar nesta cidade um asilo para órfãs desvalidas teve a generosa e delicada lembrança de oferecer um beneficio para o dito estabelecimento. É mais um ato de beneficência que pratica o Sr. João Caetano, que, a reputação de inimitável artista, reúne a de útil e filantrópico cidadão.

Esse ato de caridade proporcionou a João Caetano mais homenagens poéticas publicadas no O Rio-Grandense no dia 25 de setembro (p. 2-3), com outros dois poemas A. J. Domingues e outra por uma autora que assina como “uma pelotense”. No O Rio-Grandense de 26 de setembro, há um soneto recitado por Eudoro Berlink (1843-1880), aluno do colégio União, da cidade de Pelotas, na noite do dia 20 de setembro, no teatro Sete de Abril e dedicado a João Caetano dos Santos.

Antes dos poemas anteriormente apresentados, a companhia dramática de João Caetano dos Santos já havia retornado para Rio Grande, onde cumpriria a segunda parte do contrato. Já no domingo, 24 de setembro, o espetáculo, dividido em seis quadros, Os seis degraus do crime[5] foi encenado. A segunda récita, da segunda prestação, ocorreu no dia 28 de setembro com a representação de Mariana ou A vivandeira, drama em cinco atos e um prólogo dividido em dois quadros.

A terceira peça encenada foi, em 1º de outubro, Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, em cinco atos, sendo esta a primeira tragédia escrita por um brasileiro, Gonçalves de Magalhães (1811-1882), e com abordagem nacional. Trata-se de um drama romântico em verso, publicado em 1838. João Caetano dos Santos, ao encenar autores nacionais, rompeu com a tradição predominante, totalmente influenciada pela dramaturgia portuguesa. Em Rio Grande, Antônio José foi o único drama de autor brasileiro apresentado, as demais eram peças já conhecidas pelo público rio-grandino. Entretanto, o nacionalismo valorizado pelo ator encontrava-se em uma companhia teatral formada apenas por atores brasileiros e com os textos estrangeiros representados com a pronúncia brasileira.

No dia 3, houve a reapresentação da tragédia neoclássica A nova Castro, em cinco atos, do português João Batista Gomes Júnior (1775?-1803), sendo esta a quarta e última apresentação em Rio Grande. A tragédia conta a história de Inês de Castro (1320-1355), amante do então príncipe D. Pedro I de Portugal, representado por João Caetano.

A companhia dramática de João Caetano retorna para Pelotas, onde cumpriria a segunda parte de seu acordo. A primeira peça foi Antonio José ou O poeta e a inquisição, encenada no dia 5 de outubro. Não há mais registros sobre essa segunda prestação. Por outro lado, outras quatro apresentações foram realizadas em Rio Grande.

No dia 15 de outubro, foi representado, no Teatro Sete de Setembro, A dama de Saint Tropez. Dois dias depois foi a vez de Mariana ou A vivandeira. Dia 31 de outubro, João Caetano encenou seu último espetáculo na província de Rio Grande, A gargalhada. Ao final do drama o ator recitou um monólogo intitulado Adeus ao público.

Conforme descrição no jornal O Rio-Grandense de 26 de outubro (p. 2), atores amadores da cidade ofereceram uma coroa de ouro, mostrando a gratidão e orgulho que o povo rio-grandino teve ao ter recebido em seu palco o ator mais importante do Império. A coroa possuía dois ramos de louro fazendo junção pelas pontas na frente sobre uma peça de brilhante, atrás dois troncos dos ramos por um laço de ouro onde continha a dedicatória aberta nas fitas do laço, seu peso regula por uma libra e orçava o seu custo por mais de novecentos mil-réis.

Em 2 de novembro de 1854, João Caetano dos Santos deixou a cidade de Rio Grande e seguiu para corte. Ao embarque do artista, compareceu grande número de seus amigos e admiradores, recebendo as últimas homenagens em forma de poesia por sua visita a cidade. Antes de partir, o artista dramático João Caetano dos Santos fez questão de publicar, no jornal local, sua despedida aos habitantes da província do Rio Grande do Sul:

Partindo desta Província, não posso ausentar-me sem testemunhar a minha gratidão, a este generoso país. Levo gravado em meu peito vivíssimas saudades, e apreciáveis recordações, e jamais se riscará da minha lembrança o quanto sou devedor do ilustrado público Rio Grandense! Ausento-me penhorado no mais alto quilate, por este benigno público que tanto me honrou, e distinguiu. Terei sempre impresso na memória agradecida que me prodelisaram aqui, aplausos, distinções flores, e primorosas poesias, e que as ilustres, e respeitáveis senhoras desta terra, esses arcanjos do sul, ornaram a minha fronte de artista, com mais uma coroa de glória. Estas elevadas e distintíssimas honras que recebi não as refiro por orgulhoso, nem para exaltar o pouco que considero, se me lembro delas, é para protestar o mais profundo reconhecimento e uma sincera gratidão a par da minha existência! Seja pois este hospitaleiro país sempre ditoso, e prospere sempre. São estes os votos da alma agradecida de João Caetano dos Santos (O Rio-Grandense, 4 out. 1854, p. 2)

Após sua partida, ainda foi possível encontrar um soneto que, ao contrário dos publicados sobre sua partida da corte, procurava mostrar o contentamento por seu retorno e a representação de A dama de Saint Tropez. O poema Dos anjos na mansão bem haja a filha, com autoria de Antonio José dos Santos Neves (1827-1874), encontra-se n’O Rio-Grandense de 30 de novembro (p. 2).

Os poemas oferecidos durante a estada de João Caetano são praticamente todos em exaltação ao ator, além disso, possuem temáticas e características recorrentes. Em muitas poesias, encontra-se referência ao povo – “Orgulhoso este povo se exaltando” (v. 5, AO[6]), “Eis a voz que hoje este povo enobrecido” (v. 9, QE), “Saúda-te este povo entusiasmado” (v. 2, SE) – que demonstram a tentativa de construção de uma identidade imaginada, nos termos de José Murilo de Carvalho (1998), visto cada indivíduo construir, em sua mente, uma imagem da comunidade em que está inserido, ou seja, ainda que os limites de uma nação não existam concretamente, seus indivíduos são capazes de criar e imaginar tais fronteiras. Os escravos eram proibidos de frequentar o teatro[7] e, portanto, por mais admiradores que possuísse o ator, este “povo” do poema não representava todos os cidadãos rio-grandinos, mas, sim, uma sociedade que queria mostrar-se superior, elitizada. De mesmo modo em que se faz, por exemplo, nos seguintes versos “E deixando seu lar, e um povo amado” (v. 12, AO), “Se o povo Fluminense te admira” (v. 13, DV), menções ao povo, porém ao da cidade do Rio de Janeiro, o que demonstra uma tentativa dos rio-grandinos de igualar-se à elite carioca.

O nacionalismo é outro ponto que aparece nos versos desses poemas, como “Que transmuda no Éden o pátrio solo” (v. 11, EO), “E entre as glorias da Pátria refulgente” (v. 123, EO), buscando afirmar o amor pela pátria e a identidade brasileira – comum no período pós-Revolução Farroupilha, pois o povo gaúcho conseguiu estabelecer um estereótipo de nacionalidade ao movimento, negando seu caráter separatista e as influências externas, principalmente as platinas. Assim, esse momento da história gaúcha tornou-se símbolo da brasilidade dos sul-rio-grandenses, a partir da premissa de que o Rio Grande do Sul lutou, acima de tudo, para “continuar brasileiro”. Por esse motivo, é possível encontrar versos que exaltam a pátria e não apenas o Rio Grande do Sul, em uma necessidade da sociedade gaúcha de mostrar-se brasileira de “coração e de vontade”.

As poesias demonstram, também, religiosidade. Encontram-se traços católicos – uma característica romântica – em “Que atento à santa voz do Evangelho” (v. 40, SE), “E imortal Te farão na pátria Eterna” (v. 63, SE), assim como o catolicismo aparece nos versos 28 a 34 do poema “Se eu tivesse uma lira tão suave”, assinado por “uma Pelotense”:

Quis aquele Senhor, que tanto Te ama
Que tanto Tem-Te enchido de favores,
Que em seu Templo, eu te visse a vez primeira
A seus pés tributadando-lhe homenagens;
Mas que dignidade! que grandeza.
Em Ti resplandecia, humilhando-Te,
Ante as aras do Senhor, do Ser Eterno!

Nestes versos, o eu lírico relata seu encontro com João Caetano em uma igreja. É possível observar o uso de maiúsculas nas palavras que têm Deus como referência, assim como acontece quando as palavras são dirigidas ao ator. Pode-se então constatar a comparação entre Deus e João Caetano, sendo estes colocados em um mesmo nível de idolatração, o que se comprova no verso “Esse nume da cena – João Caetano” (v. 3, AO).

Por outro lado, fazem-se citações de deuses mitológicos – o que mostra, também, traços árcades – como, por exemplo, nos versos “Primazia que os numes te cederam?” (v. 18, NV); o mesmo acontece nos versos que seguem e referem-se a deusas gregas: “Ao nível dos oráculos de Têmis” (v. 101, EO) e “Aquele que, Melpômene, e Thalia” (v. 7, EO), neste último caso, as deusas também representam as máscaras do teatro – Thalia, a máscara da comédia, e Melpômene, a da tragédia.

Outro assunto que se encontra nos poemas é a questão do teatro como mecanismo de implantar a moralidade – “Dando sábias lições em que a virtude” (v. 60, EO) e “Onde a nua verdade, e sã a justiça” (v. 70, EO) – ao mesmo tempo em que o faz através do prazer em que oferecia aos espectadores quando estes o assistiam – “De dar prazer à ilustre mocidade” (v. 8, NB), “Que em êxtase sublime arrebatado” (v. 3, SE) e “Que tem para a virtude o riso, as graças, / As palmas, o louvor, a recompensa” (v. 14-15, EO).

Através dos relatos sobre a estada do ator João Caetano dos Santos no extremo sul brasileiro e das análises dos poemas, pode-se observar melhor não só a produção literária presente nas cidades de Rio Grande e Pelotas, na metade do século XIX, mas também resgatar o histórico do ambiente nessas províncias. Pode-se concluir que o Arcadismo foi a escola literária que influiu em tais produções, no entanto a irregularidade nas sílabas poéticas e o sentimento nacionalista presente nos textos demonstra uma influência da escola romântica nas poesias. E que os poemas do extremo sul brasileiro estavam seguindo o mesmo movimento que os da corte, pois, em todos os casos, as características são semelhantes.

O repertório da atividade teatral na corte era extenso. Amorim (2009) apresenta uma lista de 64 peças encenadas no teatro São Pedro de Alcântara, em 1857, e, dentre elas, encontra-se os dramas representados, pela companhia de João Caetano, no extremo sul brasileiro – A dama de Saint Tropez, A nova Castro, Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, Dom César de Bazan, Mariana ou A vivandeira, Os seis degraus do crime e Otelo ou O mouro de Veneza. Embora esta data seja posterior à visita do ator, sabe-se que tais peças eram muito conhecidas pelos brasileiros, principalmente aos da corte. Como exemplo, pode-se citar a representação de António José, ou O Poeta e a Inquisição, no Rio de Janeiro em 1838 ou, até mesmo, A gargalhada, também no Rio de Janeiro em 1850, na presença do autor, Jacques Arago.

Portanto, é possível constatar que João Caetano conseguiu, através dos espetáculos, a ligação entre Rio Grande e Pelotas ao Rio de Janeiro – desejo da sociedade sul-rio-grandense, como se constatou nas interpretações dos poemas. Além de atuar essas peças, tanto no Rio como nas províncias, João Caetano foi convidado, em 1860, para ir a Lisboa, fazendo sua estreia na Europa ao atuar, no Teatro D. Maria II, A Dama de Saint Tropez.

Dessa maneira, a vinda do ilustre dramaturgo não foi apenas a passagem de um importante ator brasileiro, mas também contribuiu para autenticar que Rio Grande e a cidade vizinha de Pelotas eram pólos culturais e sua visita serviu, por que não, para influenciar a produção literária das cidades, fazendo com que, através dos dados apresentados, todos os nomes de poetas citados possam vir a servir como fonte para futuras pesquisas.

 

Referências

Livros

BITTENCOURT, Ézio da Rocha. Da rua ao teatro; os prazeres de uma cidade: sociabilidades e cultura no Brasil Meridional. 2ª ed. Rio Grande: Ed. da Furg, 2007.

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

FANTINI, Marli de Oliveira. Crônicas da antiga corte: literatura e memória em Machado de Assis. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

HESSEL, Lothar; Georges Raeders. O teatro no Brasil sob dom Pedro II. 2 v. Porto Alegre: UFRGS/IEL, 1979-1986.

HESSEL, Lothar. O teatro no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1999.

PRADO, Décio de Almeida. João Caetano e a arte do ator: estudo de fontes. São Paulo: Ática, 1984.

SANTOS, João Caetano dos. Lições dramáticas. Rio de Janeiro: INL, 1956, p.7.

Jornais

NOTICIADOR. Rio Grande, 2º semestre 1832.

PELOTENSE. Pelotas, 2º semestre 1854.

RIO-GRANDENSE. Rio Grande, 2º semestre 1854.

Artigos em periódicos

AMORIM, Mariana. O teatro francês nos palcos da corte brasileira: alguns apontamentos sobre a Companhia Dramática Francesa (1840-1860). In: IV Jornada de Estudos Históricos do PPGHIS/UFRJ, 2009, Rio de Janeiro. IV Jornada de Estudos Históricos do PPGHIS/UFRJ, 2009.

GIMENEZ, Leandro Kerr. O teatro no extremo sul gaúcho e a vinda do maior ator do império.

ALVES, Francisco das Neves et alii (org). Anais do XIII Ciclo de Conferências Históricas. Rio Grande: Universidade Federal do Rio Grande, 2010. p. 695-706. CD-ROM.

MONTEIRO, Antenor. Coisas de Teatro, Jornal Rio Grande, Rio Grande, 19 ago.1946.

VAZ, Artur Emilio Alarcon et alii. Imprensa, teatro, romance e folhetins: A formação da literatura no extremo sul brasileiro (1831-1869). Caderno de textos do XII Encontro Regional dos Estudantes de Letras – SE. Campinas: UNICAMP, 2010. Disponível em erelsudeste2010.webnode.com/publica%C3%A7%C3%B5es. Acesso em 14 fev. 2011.

 

[1] João Caetano dos Santos (1808-1863) é considerado o primeiro teórico da arte dramática brasileira. Funda, em 1833, a Companhia Nacional João Caetano e publicou Reflexões Dramáticas (1837) e Lições Dramáticas (1862). João Caetano criou um perfil para o ator brasileiro, tendo sido um ator excepcional, dentro e fora do palco, tornando-se um mito, um “herói cultural”.

[2] Manuel José da Silva Bastos (Rio Grande, RS, 12 abr. 1823 – Rio Grande, RS, 15 nov. 1861), foi um dos fundadores do Gabinete de Leitura – depois transformado na Biblioteca Rio-Grandense – em 15 de agosto de 1846 (VAZ, 2008). Acredita-se que sua única obra publicada foi O castelo de Oppenheim ou o tribunal secreto, drama impresso pela tipografia de Antônio Bonone Martins Viana em 1849, cujo único exemplar de que atualmente se tem notícia encontra-se na Biblioteca Rio-Grandense.

[3] Esse fato continua ao longo do século XX, com a vinda de atores como Raul Roulien (1905-2000), Procópio Ferreira (1898-1979) e outros.

[4] Resumidamente, a protagonista Hortência é filha do Conde d’Auberive, um homem que contraiu muitas dívidas para salvar a honra de um filho que acabou suicidando-se. Jorge Maurício, o credor, surge para cobrar a dívida que o Conde só conseguirá pagar se entregar suas terras e seu castelo. O credor, não querendo arruinar o Conde e já apaixonado por Hortência, perdoa a dívida e pede a mão de Hortência em casamento, que – mesmo contra a vontade do pai – insiste em se casar para salvar o pai da miséria. Após o casamento, o casal muda-se para Saint Tropez e, durante a viagem, Hortência encontra-se, por acaso, com Carlos, seu antigo amor, em uma estalagem e ele fica sabendo de seu casamento. Já em Saint Tropez, quando Jorge já sabe que Hortência não o ama, todos a acusam de envenenar o marido. Ao final, toda a verdade é descoberta, o envenenamento fora feito por um empregado ambicioso que pretendia ficar com a fortuna do patrão que era seu parente. Carlos é chamado como médico para desvendar o motivo da doença e ajuda a inocentar Hortência.

[5] Fantini (2008) associa a peça ao final do conto A Cartomante (1884), de Machado de Assis, em que Camilo “subiu os seis degraus de pedra” da casa de Vilela, minutos antes de ser morto.

[6] Para facilitar a identificação, os poemas serão identificados com suas as iniciais.

[7] “A entrada de criados e escravos é vedada no teatro na noite do espetáculo”, conforme descrição no jornal O Rio-Grandense de 26 de agosto (p. 3), em uma propaganda teatral.

 

Anexos

Adeus
Santos Neves.

1. Não vás sem que primeiro te despeças
2. De mim, que te hei seguido avidamente
3. P’ra com meus versos te aplaudir!
Não partas
4. Sem a triste canção de minha lira
5. Mais cheia de saudades e tormentos
6. Que do prazer com que outrora ouvistes
7. Cantar-te os feitos…
Oh! Não fora imenso
8. O direito que têm os Rio-grandenses
9. De ver-te e te aplaudir, que neste instante
10. — Ingrato — eu próprio te chamaria, artista!
11. Homem primeiro do Universo, artista
12. Imenso e sem rival, vê como é nobre
13. Este pranto que em jorros se desliza
14. D’um povo inteiro que te chora a fuga!
15. E tu foges de nós? Por quê? Teus louros
16. Acaso estranha destra aventureira
17. Tentou mancha-los, disputando ousado
18. Primazia que os numes te cederam?
19. Ou temes que este fogo se arrefeça
20. Em nossos peitos, porque mais não temos
21. Que dar-te, quando em tua fronte pesa
22. Um laurel de brilhantes e em teu peito
23. De Cristo alto brasão se ostenta altivo?
24. Oh! Não julgues assim que se tens inda
25. Troféus a conquistar, nós temos indo
26. Patriótico ardor p’ra compensarmos
27. Teu mérito sem par, nos orgulhando
28. Em ver-te nosso artista, como a França
29. Em ver Talma outrora se orgulhava
30. Recebe o nosso ADEUS sulcando os mares
31. Alegre partes a colher mais louros
32. Enquanto nós aqui ficamos tristes
33. A tecer uma crina de saudades
34. P’ra cingir-te essa fronte, quando um dia,
35. Mais felizes, de novo te aplaudirmos!
36. Parte, segue, e contigo o repertório
37. Dos teus triunfos mil conduz ufano
38. Aos que t’esperam ver, aos céus pedindo
39. Bonança e salvamento p’ra teu lenho!
40. Parte, segue, lá estão da glória as palmas
41. Do gênio as recompensas, e dos séculos
42. Um mármore onde o nome teu de artista
43. Eterno há de ficar em letras d’ouro!
44. Parte, segue, e de nós jamais t’esqueças,
45. Que de saudade, entre os arquejos tristes
46. Aqui ficamos a carpir-te a ausência!

Soneto recitado por Teodolindo Antonio da Rosa

1. Aí o temos, altivo, o palco honrando
2. Esse raro prodígio americano,
3. Esse nume da cena – João Caetano –
4. Nossos vivos aplausos aceitando.

5. Orgulhoso este povo se exaltando
6. Nessa hora se confessa mais que ufano,
7. Feliz por te aí ver, sincero e lhano
8. Teu gênio com fervor admirando.

9. Benigno acedendo e bondadoso
10. Ao convite de um jovem dedicado,
11. Não temeu afrontar o mar undoso.

12. E deixando seu lar, e um povo amado,
13. Só por nos aprazer, bem que saudoso,
14. Ei-lo aí esse nume admirado!…

Soneto recitado por Augusto Candido

1. Não basta, não, que a cândida amizade
2. Nos domésticos lares te encareça.
3. Oh! Bastos! é mister que se conheça
4. Do gênio teu a rara qualidade.

5. Buscas tenaz à força de vontade
6. Que entre nós o teatro se engrandeça,
7. E nada tens achado que te impeça
8. De dar prazer á ilustre mocidade.

9. Dos compromissos teus no desempenho
10. Se embaraços encontras, mais se exalta
11. Em superá-los teu fecundo engenho!

12. De teus feitos a fama é já mui alta!
13. Trazer da cena o rei foi teu empenho;
14. Tens feito tudo! nada mais te falta.

Soneto recitado por Moura

1. Quem és tu ?! quem és que tão ousado
2. Vens assim espantar a nossa mente?
3. Quem és, que assim eternamente,
4. Vens teu nome entre nós deixar gravado!?

5. Quem és tu?! que de si todo orgulhado,
6. Se apresenta entre os homens iminentes?
7. Quem és, que assim excitas tão ardente
8. Desta gente o aplauso afervorado?

9. Eis a voz que hoje este povo enobrecido
10. Julgando ser ilusão ou ser engano,
11. Repete a todo instante agradecido!

12. E que pode responder quem é humano?
13. Nada: que em todo mundo é conhecido
14. O nome imortal de João Caetano.

Soneto recitado por A. José Domingues

1. Artista entre os artistas sublimado
2. Colhe louro sem par nesta cidade,
3. Que confirme teu jus á eternidade,
4. Que abrilhante inda mais, te exalce o fado:

5. Tens sempre as simpatias conquistado,
6. Penhor deixando de imortal saudade,
7. Sustentando na cena a dignidade,
8. Tens cansado da fama o forte brado:

9. Tu vais sempre troféus amontoando,
10. Fogosos hinos a teu nome entoa
11. Este povo que honraste, visitando:

12. Além dos mares o teu gemido voa:
13. E nos fastos da glória fulgurando,
14. Elevado ao Zenith no mundo ecoa.

Ao Illm. Sr. Comendador João Caetano dos Santos
“Uma Pelotense”.

1. Se eu tivesse uma lira tão suave
2. Que tivesse os doces sons, os sons sublimes,
3. Que ainda há pouco por Ti foram ouvidos,
4. Do ilustre Varão, do Vate ilustre
5. A quem consagro respeito e amizade;
6. Então audaz suas cordas vibraria,
7. Para no mesmo recinto decantar-te.
8. Porém há! tudo me falta, a lira é rouca,
9. O estro é fraco, e de louvar-Te, indigno;
10. Como pode cantar um fraco estro?
11. Os portentes, a arte, os dons imensos,
12. Reunidos em um ente admirável
13. Num dileto singular da Natureza?
14. Devia emudecer meu rude estro,
15. Minha Lira sem voz, calar devia,
16. Porém o que me anima, o que me inspira,
17. É querer inda mesmo em fraco verso,
18. Mostrar que Te consagro Simpatia;
19. Não só pelos altos dons que Te enobrecem
20. Como pelas virtudes que Te adornam.
21. Ah! quantas vezes eu em Ti pensado,
22. Desejava ver-Te, desejava ouvir-Te.
23. Eis que chega este dia desejado,
24. Mas não foi entre aplausos de Alegria,
25. Nem entre turbilhões de entusiasmo,
26. Como és distinguido em toda parte
27. Que pode distinguir-Te e conhecer-Te.
28. Quis aquele Senhor, que tanto Te ama
29. Que tanto Tem-Te enchido de favores,
30. Que em seu Templo, eu te visse a vez primeira
31. Á seus pés tributando-lhe homenagens;
32. Mas que dignidade! que grandeza.
33. Em Ti resplandecia, humilhando-Te,
34. Ante as aras do Senhor, do Ser Eterno!
35. Então minha alma exultando de prazer
36. De repente soltou estes colóquios:
37. É aquele sem duvida, o grande Artista,
38. É aquele sem dúvida o homem grande,
39. É aquele que respeita as leis sagradas,
40. Que atento à santa voz do Evangelho,
41. Enxuga o pranto, e acolhe o desvalido,
42. É aquele que no seu coração tocam
43. O clamor, os tristes ais do indigente,
44. He aquele, que acudiu, correu com pressa,
45. A cortar da miséria o horrível estrago,
46. Estendendo sua mão beneficente
47. Além de imensos mares alongados,
48. Minorando da Esposa, e filhos caros
49. Dos seus Tesouros, uma grande parte
50. Com fadigas e insônias alcançados
51. Para acudir a Humanidade aflita,
52. Sensível no clamor, aos ais, ao pranto.
53. De longínquas terras, de estrangeiros lares.
54. Bem atestam, Senhor, estas verdades,
55. A nobre condecoração que te orna o peito,
56. Ela está repetindo sem cessar,
57. HEROÍSMO! GÊNIO GRANDE! CARIDADE!
58. Sensível coração caritativo
59. Cobre este peito que me honro ornar.
60. Tais virtudes, Senhor, juntas aos dons
61. Que possuis em um grau tão iminente.
62. Imortal o teu nome já fizeram
63. E imortal Te farão na pátria Eterna.

Adeus
Francisco Gonçalves Braga

Illm. Sr. Commendador
João Caetano dos Santos
por occasião
De retirar-se para a
Província de S. Pedro do Sul,

1. Deixar-nos vais enfim! À tua gloria
2. Um louro verdejante vais juntar,
3. Vais os – Rio Grandenses abismar, –

4. Parte ufano, e leva na memória
5. O que esquecer não deves, sim lembrar,
6. Um povo que aqui fica a lastimar
7. Tua ausência saudosa e merencória!

8. Mas volta breve, que por ti suspira
9. Um povo inteiro que na ausência chora,
10. Nossa cena também, sem ti, delira

11. A minha são verdade escuta agora:
12. Se o povo Fluminense te admira,
13. Minh’alma faz mais, porque te adora!