Aspectos da subalternidade e da resistência feminina em Niketche: uma história de poligamia, de Paulina Chiziane

Satumata Malam Sambu Sanhá

RESUMO: Este artigo analisa a resistência feminina na sociedade patriarcal moçambicana no romance Niketche: uma história de poligamia, da escritora Paulina Chiziane, publicado em 2002. O trabalho propõe compreender a prática da tradição cultural da poligamia através da corrupção do conceito para justificar o domínio masculino em circunstâncias não tradicionais, por homens urbanos que vivem de acordo com o capitalismo. Portanto, o trabalho analisa a relação solidária de personagem Rami com as outras mulheres no romance. A pesquisa se embasa no referencial teórico da chamada literatura feminina africana abordada por autores como Pierrette Herzberger-Fofana (2000), entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Paulina Chiziane; Moçambique, resistência feminina; subalternidade.

ABSTRACT: This paper analyzes the feminist resistance in the Mozambican patriarchal society in the novel Niketche: a history of polygamy, by the writer Paulina Chiziane, published in 2002. It proposes to understand the practice of the cultural tradition of polygamy through the corruption of the concept to justify male dominance under no circumstances traditional, by urban men living according to capitalism. Therefore, the work analyzes the relationship of Rami character solidarity with the other women in the novel. The paper is based on the theoretical reference of the so-called African female literature, approached by authors such as Pierrette Herzberger-Fofana (2000), among others.

KEYWORDS: Paulina Chiziane; Mozambique, Female Resistance; Subalternity.

 

Introdução

Este artigo originou-se a partir da observação empírica da condição das mulheres na Guiné-Bissau, e também a partir dos questionamentos motivados pela leitura do romance moçambicano Niketche: uma história de poligamia da autora moçambicana Paulina Chiziane, publicado em 2002. Embora o romance esteja focado na “poligamia urbana” no sul de Moçambique, o tema também despertou nossas inquietações sobre a mesma ocorrência na Guiné-Bissau.

Levantamos a hipótese de que as mulheres de modo geral são vistas como subalternas nas modernas sociedades africanas. Essa subalternidade que é vista como cultural nas sociedades tradicionais-rurais e patriarcais existe também fortemente nos espaços urbanos, com os seus modos de vida supostamente +modernizados e diferenciados. Ou seja, trata-se de mudança da prática tradicional da poligamia[1] na perspectiva ocidental.

O enredo de Niketche,[2] é narrado em primeira pessoa pela protagonista Rami que revela a sua tomada de consciência sobre a própria condição da mulher africana. Maria Rosa ou Rami, mãe, dona de casa, nasceu e foi criada no sul de Moçambique, na capital Maputo, casada legalmente há 20 anos nos moldes cristãos e monogâmico com António Tomás, ou simplesmente Tony, um alto funcionário de polícia com quem teve cinco filhos. Ao desconfiar das ausências do marido, decide investigar a vida do companheiro e descobre as relações extraconjugais, num total de quatro mulheres.

Para compreender o papel de cada uma dessas mulheres e o motivo que as levaram a se unirem contra o homem que as subalternizava, analisamos individualmente essas personagens femininas e em seguida, fizemos comparações das histórias de cada uma delas na construção do enredo. Procuramos discutir a questão social da subalternização feminina, isto é, não poderíamos deixar de pensar no próprio papel das intelectuais e escritoras africanas. Para o debate, procuramos trazer à luz, a chamada literatura feminina africana como aponta Herzberger Fofana (2000), alcançou um lugar mais alto durante a década de 1970:

A expressão literatura feminina em África nasceu relacionada aos movimentos de emancipação feminina dos anos 70 na Europa e nos Estados Unidos. […] Um dos traços caraterísticos dessas obras femininas é o caráter engajado da narrativa que busca destruir algumas faces do muro patriarcal (FOFANA, 2000, apud ROBERT, 2010, p.10).

Fofana (2000) afirma de fato que a década de 1970 marca o início e o surgimento da literatura feminina africana. A partir desse momento, começou a surgir no continente uma tomada de consciência de condições desiguais das mulheres na sociedade. Com esse movimento, as mulheres começam a reivindicar de fato os direitos que foram negados há anos, ou seja, houve uma busca sensata para a conquista dos seus direitos.

Tanto que a partir desse momento vamos ter escritoras como Paulina Chiziane que faz parte dessas mulheres africanas empenhadas em lutar contra os problemas sociais através da escrita, como afirma Koffi Badou Robert (2010, p.10) que “as mulheres começam a denunciar e debochar das tolices dos homens”.  Esta luta literária pode ser lida nos romances das mulheres africanas, que iniciam a desconstrução daquilo que o autor chama de “rasura do antigo mito misógino da superioridade do homem sobre a mulher e das questões que encaram as classes mais desfavoráveis” (ROBERT, 2010, p.10). Como se pode observar na fala da Chiziane no seu ensaio:

Como é que a sociedade recebeu a notícia de que eu estava a es­crever o meu livro? Primeiro com cepticismo e muito desprezo da parte dos homens. Muitas pessoas acreditavam e ainda acreditam que a mulher não é capaz de escrever mais do que poeminhas de amor e cantigas de embalar. Consideraram-me uma mulher frustrada, desesperada, destituída de ra­zão. Foi um momento terrível para mim. Mas, por outro lado, estas atitudes tiveram um efeito positivo porque forçaram-me a demonstrar pela prática que as mulheres podem escrever e escrever bem. Devo confessar que nas condições da atual sociedade, se a mulher pretende um reconhecimento igual ao do seu parceiro masculino deve trabalhar duas ou três vezes mais. Do período que vai da escrita do livro até a sua publicação, entrei em con­tacto com homens de diversas instituições e que não me ajudaram em nada ou ajudaram muito pouco. Contudo, quase todos eles não se esqueceram de fazer-me propostas sexuais, convites de jantar, como condição necessá­ria para a ajuda de que tanto necessitava. Mais tarde entrei na Associação dos Escritores. Mesmo ali a minha integração como mulher não se fez sem grandes esforços. (CHIZIANE, 2013, p. 202).

Diante do exposto, constata-se que as lutas das mulheres intelectuais africanas são constantes, mas pode-se notar algumas diferenças de posicionamento entre as escritoras africanas, sobretudo no que se refere à incorporação do conceito de “feminismo” nas suas escritas.

Exemplo disso pode-se constatar em algumas escritoras africanas dos países africanos de língua oficial portuguesa como a própria Paulina Chiziane, Ana Paula Tavares de Angola e Odete Semedo da Guiné- Bissau, que apesar de serem escritoras que denunciam o mito da superioridade dos homens em relação as mulheres, não aceitam serem chamadas de “feministas”, mas sim de defensoras dos direitos das mulheres, o que demonstra um certo “distanciamento” das lutas das mulheres ocidentais em relação a concepção do conceito “feminista”. Como se pode observar nesta citação da escritora Nigeriana Buchi Emecheta (1986) citada pelo Robert (2010):

Sendo mulher, e além disso, africana, vê as coisas através de olhos femininos. Ela faz crônica dos pequenos acontecimentos nas vidas das mulheres africanas que ela conhece e não achava que, tratando da vida das mulheres africanas, poderia ser chamada de feminista (EMECHETA, 1986 apud ROBERT, 2010, p. 36-37)

A Chiziane numa das suas entrevistas concedida à Maria Geralda, no Brasil, aborda a mesma questão do cotidiano feminino e o termo feminista:

[…] muitas pessoas consideram que como eu escrevo para as mulheres, eu sou feminista, mas eu não vejo a questão dessa forma. O fato é que sou mulher e escrevo sobre temas que me tocam nessa minha condição. O que me incomoda é que, quando é o homem escrevendo, as pessoas não o chamam de machista e nós, mulheres, quando escrevemos, somos chamadas de feministas. (DIOGO, 2013, p. 362-363)

A partir de Spivak (2010) em seu famoso livro “Pode o subalterno falar?”, pode-se notar que Paulina Chiziane como intelectual pós-colonial africana, segue a mesma linha do pensamento da indiana, dando assim a fala às personagens femininas de Niketche a função do autorreconhecimento da subalternização e das desigualdades por elas vividas naquela sociedade.

A escritora como sendo mulher e intelectual dá a voz para as pessoas subalternizadas, como é o caso da Rami e demais personagens femininas para falarem das suas condições de mulheres traídas (no casamento e na vida). Numa sociedade com fortes costumes tradicionais que também, muitas vezes são usados como pretexto para violar os seus direitos. Como diz Spivak:

A tarefa do intelectual pós-colonial deve ser a de criar espaço por meio pelo qual o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele ou ela o faça, possa ser ouvida. Para ela não se pode falar pelo subalterno, mas pode ser trabalhado “contra” a subalternidade, criando espaço nos quais o subalterno se articular e, como consequência possa também ser ouvida. (SPIVAK, 2010, p. 6).

Seguindo essa linha de pensamento, Isabel Casimiro (1995), faz importantes discussões em torno do feminismo em África, demonstrando que esse debate está historicamente dividido em 4 grupos. O primeiro grupo endógeno das mulheres segue o modelo de grande parte das sociedades africanas, como uma resistência anticolonial; já o segundo grupo, surgiu como efeito direto do movimento de libertação nacional, que concebeu o lugar para as mulheres modificarem os procedimentos antecedentes defendidos sobre elas na sociedade, nas suas funções de mães, esposas e filhas servis e respeitosas; o terceiro grupo por sua vez, seria uma consequência das mulheres capacitadas nas universidades, tanto em África, como também no estrangeiro e por fim temos o quarto grupo que são mulheres autônomas do ponto de vista econômico e que foram progressivamente ganhando visibilidade pela sua atuação também em organizações de diferentes tipos (JIRIRA et,al, 1995, apud CASIMIRO, 2014).

Essas quatro frentes afloram os movimentos de mulheres africanas e o grupo feminista em África, que simbolizam um conjunto das atuais feministas: endógena, liberal, radical, socialista, marxista e feminismo negro da diáspora. Todas elas propõem diferentes maneiras de combater as desigualdades enfrentadas pelas mulheres e zelar pela emancipação feminina nas suas sociedades.

Nesse sentido, atuação das mulheres em diferentes tipos de grupos tem a ver com os momentos históricos, com a peculiaridade singularizada dos países, dos grupos étnicos, das classes, do regimento, da idade e da religião (Idem).

Poligamia e outras tradições no contexto africano moderno

Um acidente causado pelo filho mais novo de Rami Bentinho, que quebrou o vidro de carro de um homem rico, dá início aos conflitos e a construção da narrativa. Rami entra em pânico e lamenta a falta do marido para resolver a situação que ela sendo mulher pensava que não conseguiria resolver:

Do alto do céu desliza um punhal invisível contra o meu peito. Ganho a mudez das pedras, estou aterrada […] Meu Tony, onde andas tu? Por que me deixas só a resolver os problemas de cada dia como mulher e como homem, quando tu andas por aí? ” (CHIZIANE, 2002, p.10).

De acordo com a Laura Padilha (2013), nesse primeiro momento, a protagonista relata sua situação conjugal com o policial Tony por meio do uso da metáfora do estrondo. Primeiro pensamento de Rami é lamentar a ausência do parceiro. Não era incomum os homens deixarem suas esposas por longos períodos para irem viver com outras, temporariamente ou definitivamente. As mulheres legalmente pouco podiam fazer contra tais injustiças, abandonos e privações, contextos que em Niketche a todo momento é denunciada pela narradora.

Esse acidente trará uma reviravolta na vida da protagonista, pois ela toma consciência da ausência prolongada do marido. Embora essa situação não fosse nova, e ela nunca reclamasse devido o lugar reservado à mulher naquela sociedade.

No entanto, aproveita esse acontecimento para começar a reivindicar o seu lugar como mulher, e essa reivindicação serve como ponto de partida para toda a trama. Ao refletir sobre o abandono que sofria, ela passa a questionar o modo como a sociedade trata a mulher.  Com isso, Rami se apropria da fala para revelar sua condição e das outras mulheres como subalternizadas numa sociedade patriarcal:

Olho para todas elas. Mulheres cansadas, usadas. Mulheres belas, mulheres feias. Mulheres novas, mulheres velhas. Mulheres vencidas na batalha do amor. Vivas por fora e mortas por dentro, eternas habitantes de trevas. Mas por que se foram embora os nossos maridos, por que nos abandonam depois de muitos anos de convivência? Por que nos largam como trouxas, como fardos, para perseguir novas primaveras e novas paixões? (CHIZIANE, 2002, p. 12).

A protagonista Rami se encontra numa situação de pura melancolia até ao ponto de se comparar com rio morto, deste modo, ela se vê numa situação sem saída e oprimida e ao mesmo tempo também vive na profunda tristeza em busca da sua existência como mulher numa sociedade onde ela se enxerga como fracassada:

A minha vida é um rio morto. No meu rio as águas pararam no tempo e aguardam que o destino traga a força do vento. No meu rio, os antepassados não dançam batuques nas noites de lua. Sou um rio sem alma, não sei se a perdi e nem sei se alguma vez tive uma. Sou um ser perdido, encarrado na solidão mortal. (CHIZIANE, 2002, p.18).

Na concepção de Spivak (2010), as mulheres negras da sociedade colonizada e do terceiro mundo, podem ser consideradas as mais sofridas.  Menciona, portanto, a obscuridade vivida pelo subalterno: “se, no contexto da produção colonial, o sujeito subalterno não tem história e não pode falar, o sujeito subalterno feminino está ainda mais profundamente na obscuridade” (SPIVAK, 2010, p.16).

Rami como subalterna, se encontra nesse estado da profunda obscuridade como sujeito feminino que tenta lançar sua voz em busca de soluções para sair daquela situação de marginalização no seu meio social. Com isso, percebe-se como a mulher é oprimida e obrigada a aceitar os caprichos do parceiro e sofrer tudo em silêncio, isso pode ser visto no pensamento dos homens do Sul de Moçambique na narrativa sobre as mulheres “aqui no Sul, os jovens iniciados aprendem a lição: confiar numa mulher é vender a tua alma. Mulher tem língua comprida, de serpente. Mulher deve ouvir, cumprir e obedecer” (CHIZIANE, 2002, p. 154).

Percebe-se que no seu ensaio “Eu, mulher… por uma nova visão do mudo.” Paulina Chiziane (2013), faz uma generalização inclusiva ao falar em primeira pessoa do plural “Nós”. A escritora, ao pluralizar, traz para o leitor a situação da mulher sem distinção de classe social, raça, etnia e da nacionalidade. Assim, compreende-se que a referência do qual ela faz generalização é sobre o lugar que a mulher ocupa de modo geral há séculos, inclusive mulheres que vivem nos meios mais conservadores e com conflitos culturais e religiosos no seu cotidiano:

Nós, mulheres, somos oprimidas pela condição humana do nosso sexo, pelo meio social, pelas ideias fatalistas que regem as áreas mais con­servadoras da sociedade. Dentro de mim, qualquer coisa me faz pensar que a nossa sorte seria diferente se Deus fosse mulher. (CHIZIANE, 2013, p.200).

Ao referenciar a inversão da ordem divina escrita, nota-se que Chiziane fala da dominação masculina sobre a mulher na sociedade, pois o homem se vê como “Deus” na terra, e não há nada que mude essa escala por séculos. Nesse sentido, a autora lamenta a falta da representatividade divina da mulher e imagina a mulher como uma deusa.

Como podemos perceber no ensaio citado, Chiziane dá um testemunho da sua trajetória como mulher, escritora ou contadora de histórias numa sociedade patriarcal como a Moçambicana. Ela traz para o leitor as informações concisas de como os homens do seu país a enxergavam como sendo mulher no meio literário um campo visto por estes como um espaço permitido somente para os homens:

Dois anos depois da publicação desta obra, ainda continuo a re­ceber propostas de homens dos mais diversos quadrantes da esfera social. Querem conhecer-me de perto, apalpar-me, provar-me física e moralmen­te para entender melhor esta coisa de mulher escritora. Não lhes ligo im­portância nenhuma. Ignoro-os e continuo o meu caminho. A coisa mais gratificante no meio desta história foi a alegria e carinho com que a camada feminina me recebeu a mim e ao meu livro (CHIZIANE, 2013, p. 203).

Nesse ensaio a escritora faz relevantes questionamentos sobre o que é ser mulher intelectual num mundo comandado por homens; assim, fazendo com que a sociedade compreenda o incômodo que é ser desrespeitada, e subestimada todo tempo por questão de gênero.

No entanto, Chiziane nos leva a refletir sobre o corpo feminino no contexto africano, em especial moçambicano. Para alguns homens, para que a mulher atingisse o patamar mais alto na sociedade como a escritora reconhecida nacionalmente e hoje internacionalmente, antes teria que passar por vários sacrifícios, opressão baseada na etnia, classe social e gênero, o que ajuda a reforçar a subalternidade do corpo feminino.

Nesse sentido, a própria escritora enfatiza no ensaio a estratégia desse comportamento “as diversas mitologias não são mais do que ideologias ditadas pelo poder sob a máscara da criação divina” (CHIZIANE,2013, p.199). Assim, os privilegiados, pela ideologia de que o homem é “superior”, aproveitam de todas as maneiras do corpo feminino, alegando a superioridade o que também pode ser vista como um disfarce para manter a mulher no lugar mais baixo para fins estratégicos e exploratórios.

Em Moçambique, o debate sobre a poligamia está ligado à luta das mulheres. Numa entrevista com a Maria Geralda, no Brasil, Chiziane fala sobre o desconforto por parte das mulheres moçambicanas em relação à poligamia:

No meu país, as mulheres fizeram um movimento pela aprovação da nova lei da família que não inclui a poligamia e essa lei já foi aprovada. Porém, as igrejas desde tempos remotos, eram contra poligamia […] as igrejas muçulmanas, que estão a crescer, são a favor da poligamia […] A opinião da maioria das mulheres é contraria à poligamia; elas são obrigadas a aceitar. Portanto, a tradição moçambicana e a religião islâmica tornam a poligamia mais forte. (MIRANDA, LANGA, 2013, p. 352)

Algumas etnias da região norte de Moçambique vivem com a poligamia devido à invasão árabe, mas também há indicio de que antes dos muçulmanos terem pisado no norte de Moçambique já havia existido prática poligâmica apesar de certas etnias serem matrilineares[3]; enquanto a região sul que também era poligâmico, mas com a influência do colonizador e do aparelho colonial, que é da religião cristã, a prática poligâmica não é bem aceita naquela região, ou seja, foi abolida.

No romance Niketche, em que a história se passa no sul de Moçambique, a personagem Rami descobre ser traída pelo marido, que passa “a vida a fazer companhia às mulheres mais lindas da cidade de Maputo, que lhe chovem aos pés como diamantes”. (CHIZIANE, 2002, p.15). Ao ser confrontado pela esposa, que lhe recorda a legislação para o casamento monogâmico onde o adultério (traição) é crime, o marido comprova o seu comportamento de subalternizar as mulheres, exemplificado em palavras de cunho machista e arrogante: “Traição é crime, – Tony! – Traição? Não me faça rir, ah, ah, ah, ah! Só as mulheres não podem trair, os homens são livres, Rami”. (CHIZIANE, 2002, p.29).

Aqui, ao ironizar a fala da esposa com propósito de tornar sua traição uma ação normal ou legítima, por ele ser “homem”, a fala do policial remete ao trecho da Bíblia cristã em que para castigar a mulher assim disse Deus: “[…] teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Genesis, 3.16). Assim, a mulher, tendo cometido o pecado seria eterna sofredora e submissa ao homem sem reclamações, como se pode observar:

Se o ciúme é amor, então elas estão proibidas de amar. O pecado original, quando o cometem, não é para ter prazer, é só para a reprodução. Pode falar dos castigos, das dores, do sofrimento, que essa linguagem as mulheres conhecem bem” (CHIZIANE, 2002, p.94).

Mas Rami não quer ser uma Eva bíblica e continua a questionar o marido:

— O quê?
— Por favor, deixa-me dormir.
— Mas Tony — sacudo-o furiosamente.
— Tony acorda, Tony, Tony…!
Ele não me escuta, ronca. Consegue dormir feliz e deixar-me neste dilema. Sacana! Desgraçado! Insensível!
Tirano! (CHIZIANE, 2002, p. 29).

Essa revolta, no entanto, ainda não leva Rami a se afastar do marido. Em vez disso, ela desesperada tenta entender porque o marido não a quer mais, sempre colocando a culpa em si mesma ou em outras coisas, como feitiçaria das outras mulheres: – “Diz-me, espelho meu: serei eu feia? Serei eu mais azedo que a laranja-lima? Por que é que o meu marido procura outras e me deixa aqui? O que é que as outras têm que eu não tenho?” (CHIZIANE, 2002, p. 32).

Na luta para reconquistar o marido, ela busca conhecimento com uma conselheira matrimonial que sabia sobre a prática de tradição e, embora tivesse ajudado Rami a se conhecer como mulher e esposa que devia ser valorizada, aconselhou-lhe a usar o poder feminino para prender o marido, não para ficar emancipada: “Ela insiste no princípio de agradar ao homem” (CHIZIANE, 2002, p.43). Rami a obedece, enfeita-se, torna-se meiga, mas no fim, Tony, que valorizava as mulheres sempre mais jovens e mais belas não teve nenhum interesse no esforço da esposa:

Mandei fazer umas roupas bem garridas, com amarelo, vermelho e laranja. Vesti-as e fui ao espelho. Estava magnífica. Toda eu era fruta madura.  Cereja. Caju. Maçã. Estava simplesmente tentadora. O Tony vem, e os seus olhos ficam presos em mim. O meu coração bombeava, meu Deus, como a conselheira tinha razão! As lições estão a resultar. […] Ele coloca a mão no meu ombro, meu Deus, como a conselheira tinha razão! De repente larga-me, dá dois passos à retaguarda e lança um sorriso de troça. — Estás tão colorida que pareces uma borboleta. Pareces açafrão. Piripiri maduro. O que te inspira a esses gostos tão espampanantes? Fiquei desgostosa. Estava quase a dar certo. Acho que exagerei no perfume, estava cheirosa de mais, eu penso. Cheiro de mais enjoa, mesmo que seja perfume bom. Mas não, não foi o perfume, não. Deve ter sido a imagem da outra—a terceira e não a segunda — que quebrou o encanto. Fico com raiva de tudo. Quero conhecer essa terceira mulher que enlouquece o meu marido. (CHIZIANE, 2002, p. 47-48).

A personagem Rami percebe que a situação de desrespeito do marido não vai mudar, pois ele está confortável pela possibilidade de ter as mulheres que quiser, ela resolve acabar com a falsa poligamia, associando-se às suas rivais, incitando-as a se libertarem junto com ela da situação de submissão. Mas, antes disso, ela ainda tenta confrontar as amantes do marido, uma a uma, reivindicando o seu lugar de esposa legítima, com brigas e disputa pelo mesmo homem, até com sangrentas lutas corporais. Numa dessas brigas ela é presa e na delegacia onde o marido é chefe, ela diz quem é e desabafa ao policial:

— Compreende, meu jovem. Cansei-me de ser traída, humilhada, desprezada. Cansei-me de dormir sozinha.
Cansei-me de ser abusada por mulheres mais jovens.
— Aié?
— Elas roubam-me o homem e ficam com ele como se fosse delas.
O jovem olhou-me com atenção e parecia estar a pensar em alguma coisa séria. […]
—Se o seu marido a deixa, a senhora deve ser azeda, fria. Homem é homem, tem todo o direito de procurar em qualquer lugar o que em casa não há.
[…]
— E o que faz aqui? Um comandante da polícia com uma mulher assim? (CHIZIANE, 2002, p. 52).

Nesta passagem, percebe-se a solidariedade masculina na sociedade patriarcal. A mulher que reclama ainda é humilhada como alguém que não merece o marido que tem.

Aos poucos Rami se aproxima das rivais, Julieta, Luísa, Saly e Mauá, mas com outros objetivos. Ela planeja uma vingança, não contra as mulheres, mas contra a opressão do marido sobre todas elas.

O mapa das personagens femininas abandonadas por Tony se estende a todo o território moçambicano. Julieta é de Inhambane, sul de Moçambique. Ela foi para cidade ainda jovem, onde conheceu Tony, e tiveram cinco (5) filhos e ela estava grávida do sexto. Ela é considerada a que vive na pior condição de todas as “esposas” do policial.   Luísa, da etnia sena, é da Zambézia, centro/norte do país; é mãe de dois filhos do policial, estuprada por um soldado durante a guerra civil,[4] fugiu do campo e antes de conhecer Tony teve que se prostituir para sobreviver na cidade. Já Saly, da etnia maconde, é de Cabo Delgado, no Norte. É caracterizada como uma boa cozinheira e de briga.  A jovem Mauá, etnia macua, também do Norte, é uma das favoritas do Tony.

Além dessas consideradas como “esposas” por ele, o policial ainda mantinha duas amantes: Eva e Gaby. A doutora Eva é uma empresária de sucesso, inteligente e independente; sem filhos e marido, ela é a única que não depende financeiramente do policial. Sobre Gaby, a última amante mencionada, não há muitas informações. Mas a narradora diz sobre ela: “E a Gaby? Um peixe novo, fresco. Depois de salgada, assada, consumida, será ainda pior do que nós” (CHIZIANE, 2002, p. 243).

Cada uma dessas mulheres tem uma “função” para o policial, ou seja, são “objetos” de usos diversificados, como ele próprio diz para a esposa:

A Mauá é meu franguinho – diz – passou por uma escola de amor, ela é uma doçura. Saly é boa de cozinha. ( …)  Mas também boa de briga, que é bom para relaxar os meus nervos. (…) A Lu é boa de corpo e enfeita-se com arte. A Ju é o meu monumento de erro e perdão. É a mulher a quem mais enganei (…). É a mais bonita de todas vocês. (CHIZIANE, 2002, p. 139).

Com essa classificação percebe-se os diferentes jogos de diversões que ele faz com cada uma para satisfazer a sua fantasia poligâmica.

Na busca de compreensão das traições do esposo e o que significa a poligamia, Rami procura uma tia que durante anos viveu um relacionamento poligâmico. Tia Maria, do sul de Moçambique, foi casada com um rei polígamo e era a mais nova das esposas. Com essa experiência, ela explicou para a sobrinha as normas e as leis que esse tipo de casamento rege. Todas teriam os mesmos direitos para elas e seus filhos; a primeira mulher é considerada como a primeira dama e todas as outras lhes devem a obediência e o respeito. Ela, inclusive participa da escolha das outras mulheres e o marido deve tratar a todas de igual maneira: […] “Se o rei cometesse a imprudência de dar primazia a uma mulher em especial, tinha que suportar as reuniões de crítica dos conselheiros e anciãos” (CHIZIANE, 2002, p.71).

Assim, ela percebe que a justificativa de Tony sobre sua condição de polígamo não era verdadeira. Ou seja, ele não seguia nenhuma das normas explicadas pela tia no que se refere o tratamento que dava às mulheres.

Após o esclarecimento sobre a poligamia, Rami assume o seu poder de mulher e, como sendo a “primeira esposa”, ela decide obrigar Tony a ser um verdadeiro polígamo, não um simples adúltero, sem responsabilidades com as mulheres e seus filhos.

Poligamia é uma rede de pesca lançada ao mar para pescar mulheres de todos os tipos. Já fui pescada. As minhas rivais, minhas irmãs, todas, já fomos pescadas. Afiar os dentes, roer a rede e fugir, ou retirar a rede e pescar o pescador? Qual a melhor solução? Poligamia é um uivo solitário à lua cheia. Viver a madrugada na ansiedade ou no esquecimento. Abrir o peito com as mãos, amputar o coração. Drená-lo até se tornar sólido e seco como uma pedra, para matar o amor e extirpar a dor quando o teu homem dorme com outra, mesmo ao teu lado. Poligamia é uma procissão de esposas, cada uma com o seu petisco para alimentar o senhor. Enquanto prova cada prato ele vai dizendo: este tem muito sal, este tem muita água, este não presta, este é azedo, este não me agrada, porque há uma que sabe cozinhar o que agrada. É chamarem-te feia, quando és bela, pois há sempre uma mais bela do que tu. É seres espancada em cada dia pelo mal que fizeste, por aquele que não fizeste, por aquele que pensaste fazer, ou por aquele que um dia vais pensar cometer (CHIZIANE, 2002, p.91).

O seu plano na verdade é de ajudar as mulheres a saírem da opressão da poligamia, mas para isso ela vai usar as próprias regras da poligamia: “A tia Maria diz que quando as mulheres se entendem, os homens não abusam” (CHIZIANE, 2002, p.103). Ela então organiza a ida de todas as outras à grande festa de aniversário de 50 anos do marido para confrontá-lo diante dos seus importantes convidados:

Há uma convidada entrando. A Ju, muito tímida, entra com o cortejo das cinco crianças e o bebé no colo. Estava vestida exatamente como a instruí. Vou saudá-la e recebo o bebé como uma prenda. Ofereço-lhe um lugar mesmo ao meu lado e procuro um espaço para as crianças dela. Nesse instante chega a Lu com os seus meninos e entrego-a aos cuidados da Ju. A Saly entra em passos de furacão, amazona, guerreira, disposta a vencer qualquer batalha. Finalmente entra a Mauá Sualé, suave como sol de inverno, uma estrela que ilumina o mundo. Estávamos todas vestidas de igual, como se devem apresentar as mulheres de um polígamo. As crianças também se vestiram de igual, ovelhas do mesmo rebanho. E nós conversávamos animadamente umas com as outras, como irmãs. Eu cuidava delas e dos filhos delas para que nada lhes faltasse. Fiz as devidas apresentações e cumpri com muita classe o meu papel de primeira-dama (CHIZIANE, 2002, p. 108).

A provocação é feita. A vida de adúltero disfarçado de falso polígamo é revelada diante da família, amigos e autoridades. Muitos homens que certamente viviam a mesma situação:

— Querido Tony feliz aniversário. Hoje, nós, tuas mulheres, decidimos fazer-te esta surpresa. Como prova do amor que temos por ti, decidimos juntar-nos, para que sintas o palpitar dos nossos corações. Decidimos unir as cinco mulheres numa só. Sabemos o que sofres por nos amares: um dia cá e outro lá. Decidimos todas, em uníssono, homenagear-te com a nossa presença neste teu grande dia (CHIZIANE, 2002, p.110).

Para justificar o ato de adultério perante os convidados, Tony recorre aos argumentos de que ele é homem africano e que a cultura dele lhe permite ter outras mulheres: “Espero que me compreendam… somos africanos… nossa cultura…sabem…elas. Somos bantos de coração e alma. Homens ardentes. Em matéria de virilidade, até os brancos nos respeitam” (CHIZIANE, 2002, p.108-109).

Alguns dos convidados reagiram mal ao comportamento do Tony, como se tudo fosse surpresa. Por exemplo, o padre alegou que o ato é pecado, uma vez que o casamento dos dois foi realizado perante “Deus”. Alguns homens, como políticos, policiais etc., não gostaram dessa revelação:

Arrastam as mulheres para casa, dizendo que têm outros compromissos, para não as expor ao meio nefasto, preservando as de modelos de vingança que as podem inspirar, porque eles também fazem o mesmo” (CHIZIANE, 2002, p. 109).

A próxima armadilha para Tony foi um jantar com todas as mulheres. Ele sentindo-se feliz com a suposta aceitação das mulheres de sua superioridade como marido polígamo, fica incomodado quando o objetivo do encontro é revelado:

— Desde quando vocês me afrontam?
— Desde hoje, agora, e assim será.
—Com que direito?
—Com o direito que a poligamia nos confere. Podíamos até convocar um conselho de família para declarar a tua incapacidade e solicitar a liberdade para ter um assistente conjugal, sabes disso? (CHIZIANE, 2002, p.141).

Ele não queria a poligamia institucionalizada, apenas os prazeres de ter várias mulheres à sua disposição em total submissão e dependência para sobreviverem:

— Rami, a minha vida era boa. Fazia tudo o que queria. Visitava as mulheres quando me apetecia. Tirava o dinheiro do meu bolso, pagava-as quando mereciam. Agora que têm esses vossos negócios julgam-se senhoras, mas não passam de rameiras. Julgam que têm espaço, mas não passam de um buraco. Julgam que têm direitos e voz, mas não passam de patos mudos. (CHIZIANE,2002, p.166).

Por outro lado, a união das mulheres estava levando-as a buscar independência financeira com trabalhos diversos.

Transferi o dinheiro das mãos da Lu para a Mauá e dei a Ju um dinheiro que o Tony me dera um dia para guardar. A Mauá começou a tratar dos cabelos, a desfrisar cabelos, coisa que ela entende muito bem. Começou na varanda da sua casa. Conseguiu duas ajudantes. A varanda era pequena e passou a usar a garagem da sua casa. Agora tem uma multidão de clientes. A Ju vai aos armazéns, comprar bebidas em caixa e vende a retalho. Dá muito lucro. Nesta terra as pessoas consomem álcool como camelos. Ela começa a sorrir um pouco e a ganhar mais confiança em si própria. O Tony reage mal às nossas iniciativas, mas nós fechamos os ouvidos e fazemos a nossa vida. (CHIZIANE, 2002, p. 119).

Para Robert (2010), a sororidade da Rami com as rivais é de pura irmandade, pois ela consegue tirar todas elas da dependência econômica e afetiva para a condição de independentes, assim, tornando-lhes sujeitos das próprias histórias. No entanto, para que haja uma solidariedade ou comunhão feminina, elas tiveram que esquecer as diferenças: “fronteirais sociais, regionais, culturais e linguísticas no âmbito de estabelecer bases fortes na busca pela identidade nacional”. (ROBERT, 2010, p.88).

Para Francisco (2012), numa sociedade com sistema patriarcado muito forte, a ascendência social e financeira feminina é vista por parte dos homens como perda de prestígio, pois, essa uma vez independente, o homem perde o seu espaço que detinha a séculos. Na narrativa Tony passa por esses momentos, pois ele já não se via como centro das atenções e começa a humilhá-las, e tenta justificar seu comportamento alegando que essas já não lhes respeitam.

Insatisfeito com o comportamento das mulheres Tony covardemente desaparece de Maputo. Sai para uma longa viagem à França para supostamente tratar de um problema médico. Mas antes da viagem, ele já havia procurado novas amantes, Eva e Gaby, já que as antigas se tornaram “esposas legitimas” e, junto com Rami, tomavam consciência da opressão que sofriam.

No geral o comportamento do Tony recai no que a socióloga Sofia Aboim no seu artigo Masculinidade na encruzilhada (2008) e outros autores chamaram de “amantismo”, um conceito que explica como os homens urbanos transformaram a poligamia tradicional em “poligamia urbana”, visto que a mulher perde todo o respeito e direitos. Como explica Aboim, com a lei da família aprovada em 2003 em Moçambique, as mulheres seriam beneficiadas porque os homens em todo caso evitariam relações de adultério:

A transformação, em contextos urbanos, da poligamia tradicional, em que as mulheres tinham um estatuto legitimado de esposas, em relações fluidas e informais, privadas de regras rígidas ou controlo comunitário, que tenderiam a desvalorizar a posição tradicional das mulheres (ABOIM, 2008, p. 287).

Jakob (2014) nos fala da deturpação da tradição por parte dos homens em benefício próprio e, que a socióloga Aboim chama de “amantismo”, nesse caso o que seria adultério ou “poligamia urbana” e que Jakob vai esclarecer nessa citação:

Se a cidade dá mais liberdade ao indivíduo quanto às relações sociais atingem apenas fragmentos da personalidade, transformação, em contextos urbanos, da poligamia tradicional, em que as mulheres tinham um estatuto legitimado de esposas” (JAKOB, 2014, p.6).

E, com essa mudança da tradição poligâmica, as mulheres sofrem com a desvalorização por parte dos homens urbanos que alegam viver casamentos poligâmicos tradicionais, mas que na verdade é um novo sistema de adultério.

No enredo com o desaparecimento de Tony, novas violências com base na tradição acontecem para Rami e suas companheiras que agora viviam juntas. Os familiares do policial forjam a sua morte, utilizando um cadáver de um homem que havia sido atropelado. O objetivo era pegar os pertences do “morto” e da “viúva”, pois conforme os costumes do povo machangana (etnia do Tony), quando morre um familiar do homem, a esposa e os filhos não tem direito a nada:

— Parabéns, Rami—grita-me uma das mulheres. — Estás livre, conseguiste os teus intentos. Já não vais suportar o processo da desonra. Já não corres o risco do divórcio. És viúva!
—Viúva? Eu?
— Libertaste-te de um grande fardo. És livre. Mataste o nosso irmão para ficar com a herança. (CHIZIANE, 2002, p. 198)

Após a suposta morte, a esposa Rami é obrigada a fazer o ritual do kutchinga,[5] a “cerimônia de purificação sexual”. Para cumprir a “tradição”, Rami teve a cabeça raspada e a casa também esvaziada (como parte do levirato, isto é, a purificação).  Kutchinga, analisa Robert (2010), é uma das tradições bantas que mais desvaloriza o corpo feminino visto que mulher se torna herança para o irmão do falecido marido. A narradora critica a tradição: “Kutchinga é lavar o nojo com beijos de mel. É inaugurar a viúva na nova vida, oito dias depois da fatalidade. Kutchinga é carimbo, marca de propriedade” (CHIZIANE, 2002, p. 212).

Ao reaparecer em casa horas após o acontecido Tony ainda culpa a esposa por ter aceitado a cerimônia Kutchinga, e ter mantido relação sexual com o seu irmão, Levi; uma imperdoável traição a ele, seu marido. Ela responde de modo irônico:

— És uma mulher de força, Rami. Uma mulher de princípios. Podias aceitar tudo, tudo, menos o kutchinga.
— Ensinaste-me a obediência e a submissão. Sempre te obedeci a ti e a todos os teus. Por que ia desobedecer agora? Não podia trair a tua memória (CHIZIANE, 2002, p.227).

“Eu, mulher” ou Rami através do espelho

Analisando o romance Niketche, Candido Silva (2013) observa que nos momentos conflituosos da sua vida (antes mesmo da descoberta das traições do marido), Rami dialoga com o espelho para tentar compreender através desse objeto que tipo de mulher era, pois ela já não tinha controle das coisas ao seu redor, com isso, ela toma iniciativa de desabafar com o espelho que projetava uma imagem real daquilo que a protagonista é e do que gostaria de ser, e não como a sociedade queria que fosse. Nesse conflito com a imagem de si, ela vai se reconhecendo:

Entre nós há uma barreira fria, gelada, vidrada. Fico angustiada e olho bem para ela. Aqueles olhos alegres têm os meus traços. As linhas do corpo fazem lembrar as minhas. Aquela força interior me faz lembrar a força que tive e perdi. Esta imagem não sou eu, mas aquilo que fui e queria voltar a ser. Esta imagem sou eu, sim, numa outra dimensão. Tento beijar-lhe o rosto. Não a alcanço. Beijo-lhe então a boca, e o beijo sabe a gelo e vidro. Ah, meu espelho confidente. Ah. Meu espelho estranho. Espelho revelador. Vivemos juntos desde que me casei. Porque só hoje me revelas o teu poder? (CHIZIANE, 2002, p 16-17).

Assim, Silva (2013), vai tecendo as histórias da rainha do conto de fadas “Branca de Neve” dos irmãos Grimm, para comparar o comportamento de Rami. Ele argumenta que no conto o espelho mágico servia para a madrasta má como um simples objeto que lhe ajudaria a obter o prestigio social, enquanto para Rami esse instrumento, era como um objeto conselheiro, guiador para obtenção do seu sucesso e das outras mulheres, pois através dele, a narradora vai consegue aos poucos descobrir quem ela era e ao mesmo tempo saber do seu lugar no mundo e o seu “eu-mulher”:

Vou ao espelho tentar descobrir o que há de errado em mim. Vejo olheiras negras no meu rosto, meu Deus, grandes olheiras! Tendo andando a chorar muito por estes dias, choro até demais. Olho bem para a minha imagem. Com esta cara de tristeza, pareço um fantasma, essa aí não sou eu. Titubeio uma canção antiga daqueles que arrastam as lágrimas à superfície. Nessa coisa de cantar, tenho as minhas raízes. Sou de um povo cantador. Nesta terra canta-se na alegria e na dor. A vida é um grande canto. Canto e choro. Delicio-me com as lágrimas que correm com sabor a sal, com o maior prazer do mundo. Ah, mas como me liberta este choro! (CHIZIANE,2002, p. 15).

Rami sendo uma mulher conservadora, católica, e que sempre viveu sob os caprichos do marido, de repente se sente rejeitada. Essa rejeição lhe levou a pensar em ser talvez a culpada por algum erro que tenha levado à fuga do marido, ou seja, ela não conseguia enxergar o comportamento do parceiro como culpa dele: “Penso. Não tenho mais chances, não consigo mais segurar o meu marido com comidas, carinhos, fantasias” (CHIZIANE, 2002, p. 63).

Robert (2010) verifica três estágios psíquicos propostos por Lacan na narrativa de Chiziane, trazendo a seguinte passagem do romance como exemplo:

Entro em pânico. Enquanto eu soluço a imagem dança. Paro de soluçar e fico em silêncio que escuto. E o meu silêncio para escutar a canção mágica desta dança. É o meu silencio que escuto. E o meu silêncio dança, fazendo dançar o meu ciúme, a minha solidão, a minha mágoa. A minha cabeça também entra na dança, sinto vertigens, estarei eu a enlouquecer? (CHIZIANE, 2002, p.16).

Na perspectiva de Robert, as fases da construção do sujeito proposto por Lacan são muito importantes na identificação do “eu” na narrativa por parte da Rami, se fomos levar em consideração as três fases: “ (i), o espelho como a realidade, (ii), o espelho como uma imagem e (iii), o espelho como a própria imagem refletida” (ROBERT, 2010, p.72).

O último espelho se encaixaria com o que ajuda Rami a construir sua identidade no meio de tantas perguntas e dúvidas sobre a sua existência. Através do espelho a protagonista começa a reunir as forças para vencer os obstáculos e estereótipos implantados na sociedade contra a mulher.

Rami e a Rainha do conto de “Branca de Neve” se diferenciam devido as peculiaridades individuais de cada uma delas, pois, no conto o espelho não fala muita coisa para a rainha, nem de como conseguiria solucionar os problemas, mas respondia com uma única resposta. Enquanto que o objeto no enredo de Niketche, projeta comentários da mente subconsciente da narradora, ora a favor ora contra o consciente de Rami, como forma de ajudar esta a resolver por si mesma os seus conflitos internos:

Diz-me, espelho meu: serei eu feia? Serei eu mais azedo que a laranja-lima? Por que é que as outras têm que eu não tenho? O que é que o meu marido procura outras e me deixa aqui? O que as outras têm que eu não tenho? (CHIZIANE, 2002, p.34).

No capítulo 19 do romance as cinco mulheres “encurralam” Tony, despindo-se e obrigando-o a praticar sexo com todas de uma só vez no ritual que mais tarde elas descobrirão ser um tipo de Niketche[6], a “dança Macua do amor” (CHIZIANE, 2002, p.160). Ao chegar a casa, Rami está em conflito e despe-se agora diante do espelho:

Tenho um medo terrível de me apresentar diante do meu espelho, mas vou. Preciso. Quero ver a nudez do meu corpo. Será que me vai assustar? Quero também ver a nudez da minha alma. Lanço um olhar ao espelho que me repreende: será mesmo por amor que chegaste a este ponto? E que tipo de amor é este que te rouba a dignidade e a vergonha a ponto de mostrar o teu nu diante das tuas rivais? Escondo os meus olhos do espelho. (CHIZIANE, 2002, p.149).

Do mesmo modo, quando Tony afirma que quer se divorciar de Rami, novamente o espelho é o seu conselheiro:

Vou ao quarto e diálogo com o meu espelho. – Espelho meu, o que será de mim? O espelho dá-me uma imagem de ternura e responde-me com a maior lucidez de sempre. — Não serás a primeira a divorciar, nem a última. Os divórcios acontecem todos os dias, como os nascimentos e as mortes, mas tranquiliza-te. Há uma grande diferença entre a vontade do homem e a vontade de Deus. O que Deus põe, o homem não dispõe. (CHIZIANE, 2002, p.171).

As diferentes danças realizadas pelas mulheres no Niketche nos levam a refletir sobre a posição da mulher africana, e neste caso a moçambicana e o papel que a sociedade espera que elas desenvolvam. Muitas vezes, como mostra Rami, é preciso despir-se diante do espelho e dialogar com o seu “eu-mulher”. Nesse sentido, elas faziam tudo para prender e agradar o marido que sempre dava atenção às outras mulheres, como podemos observar na fala da narradora Rami na tentativa de prender o marido com feitiços de amor

“A mulher do mago aplica-me a tatuagem num lugar secreto, a bom preço. Rasga-me a pele com uma lâmina gilete novinha—para evitar a S I D A — e depois esfregou-me uma pomada, que ardia como pimenta, com o aspecto da bosta de vaca” (CHIZIANE, 2002, p. 64).

Dos estereótipos patriarcais à dança Niketche da libertação

O moçambicano Lourenço do Rosário, no seu trabalho sobre a narrativa africana de expressão oral (1989) traz uma história muito interessante de uma mulher que foi educada nos padrões da sociedade patriarcal, isto é, a jovem moça foi educada no modelo estereotipado sobre ser mulher. A moça foi ensinada desde criança a cuidar da pele para que os pretendentes ficassem encantados com a beleza da menina, mas como sendo ela de um meio onde a mulher além de ser bela, também deveria ter o que chamam de “serventia”, ou seja, “qualidades” domésticas, mas ela não foi ensinada essas “qualidades” em vez disso ela no lugar de aprender os deveres domésticos, ela adquiriu o cuidado com a pele e da beleza, situação essa, que trazia muitas indagações por partes dos pretendentes da menina:

Lá para os lados de Mwala wa Sen havia uma mulher que tinha uma filha muito bonita. Essa mulher fazia tudo e não deixava que a filha aprendesse os trabalhos que uma mulher deve saber. (…) A rapariga cresceu. Como cresceu, chegou à altura de casar. Apareceram pretendentes. Aos pretendentes a mãe dizia: A minha filha é bonita, mas nada sabe, não aprendeu a fazer nada em casa, nem pilar, nem semear, nem cozinhar, nem varrer a casa, nem esfregar as costas do marido, no banho, nem coisa nenhuma. (…) A única coisa que ensinei à minha filha foi enfiar missangas nas linhas e fabricar outros adornos para o corpo. (…) os rapazes, quando ouviam aquilo, desistiam logo e exclamavam: Eu não como adornos, ninguém vive de beleza, de que me serve ter uma mulher bonita se ela não serve para nada, nem sabe fazer nada? Diziam isto e iam procurar noivas noutras casas da povoação, onde havia raparigas em idade de casar. (ROSÁRIO, 1989, p. 281).

Para Inocência Mata (2010), Chiziane neste romance deixa uma certa marca propositalmente que faz o leitor compreender a “tradição milenar” que vincula à imagem da mulher a estereótipos interiorizados pelas ideologias vigentes sobre o lugar social da mulher como pode-se ver pela “sabedoria tradicional” (MATA, 2010, p. 155). A subalternidade feminina, olhando para citação acima, nos lembra o lugar da mulher na sociedade moçambicana, em que decorrem relações de poder que insistem em impedir as mulheres de mudarem de camada social, pois essa estrutura se encontra em diversas partes da sociedade desde o mais pessoal ao mais público.

Mata (2010) continua refletindo sobre os costumes tradicionais como uma instituição milenar “que transitou da sociedade tradicional, com regras e um código de ética, para se acoitar em uma cultura dita moderna da elite urbana” (MATA, 2010, p.155). Nesse contexto de modernidade encontramos o Tony e sua apropriação da tradição poligâmica modificada:

O ciclo de lobolo começou com a Ju. Foi com dinheiro e não com gado. Lobolou-se a mãe, com muito dinheiro, num lobolo-casamento. As crianças foram legalmente reconhecidas, mas não tinham sido apresentadas aos espíritos da família. Era preciso traze-las do teto da mãe para a sombra do patriarcal num ato de lobolo pelo filho uma forma de legitimá-las uma vez que nasceram fora das regras de jogo de uma família polígamo. Depois fez-se lobolo da Lu e dos filhos. As nortenhas espantaram-se. Essa história de lobolo era nova para elas, mas envolve muito dinheiro. Dinheiro para os pais, elas, e os filhos. Dinheiro que faz falta para comer, para viver, para investir. Quando se trata de benesses, qualquer cultura serve. Elas esquecem o matriarcado e disseram sim à tradição patriarcal. Passamos três meses a andar de festa em festa. Era importante que todos os lobolos fossem feitos numa rajada antes o que Tony mudasse de ideias (CHIZIANE, 2002, p.124 e 125).

Como afirma Robert (2010), as mulheres passaram de simples amantes para esposas legais graças a Rami, que lhes proporcionou uma ascensão da condição de invisíveis para visíveis perante a sociedade; de marginalizadas a reconhecidas por toda a família do policial. Partilham a escala conjugal sem nenhuma diferença como manda a lei da tradição. Tony não mora com elas na mesma casa, porém cumpre sua visita conjugal nas casas das mulheres.  Mas ele continua a demonstrar a sua falsa poligamia perante as mulheres:

 — Posso largar-vos na miséria por baixo da ponte, saibam disso. – Aí é? – Grita a Lu – Estamos por acaso nós as quatro registrada em livro de matrimónio como teu patrimônio? Larga-nos, se quiseres. Não vamos chorar por ti, não és nenhum defunto. (CHIZIANE,2002, p.141).

Segundo Francisco (2012), a superioridade masculina admitida pelo Tony se verifica com falta de oportunidade das mulheres nos contextos dos países em desenvolvimento ou numa sociedade patriarcal em que o homem é o centro de todas as despesas da casa.

De rivais para irmãs e sócias de micro negócios, as ex-mulheres do Tony para sair da difícil vida financeira que elas se encontravam tiveram que se unirem e juntar as forças pelas mesmas causas: fim da tirania e dominação masculina seja ela conjugal ou financeira:

Peguei num dinheiro que tinha guardado e emprestei a Saly comprava cereais em sacos e vendia em copos nos mercados suburbanos. Dois meses depois, ela devolvia-me o dinheiro com juros e uma prenda. Uma capulana, um lenço de seda, e uma rosa vermelha comprada na esquina. A Lu disse-me: estou inspirada. Se a Saly conseguiu emprestas-me algum dinheiro? Passei os fundos devolvidos pela Saly para as mãos dela. E começou a engordar, a sua voz a adoçar, o seu sorriso a crescer, o dinheiro nas mãos a correr. Três semanas depois devolvia-me o dinheiro com mais juros, um carinho e um bouquet de rosas. (CHIZIANE,2002, p.118).

Na perspectiva do Robert (2010), as mulheres do Tony apesar de pertencendo ao mesmo país, têm suas diferenças culturais. No Sul, essa diferença se dá devido à influência cultural europeia e seu comportamento patriarcal e opressor; enquanto os povos do Norte mantiveram-se como sociedades matrilineares. No Norte, ainda se valorizam os ritos de iniciação sexual, Mauá por isso, como sendo nortenha, estranha o comportamento submisso das mulheres do Sul em relação aos maridos e o desconhecimento do próprio corpo.

É também Mauá quem explica para as companheiras do Sul o significado da dança do Niketche como iniciação (libertação) das meninas para a vida sexual:

— Niketche?
— Uma dança nossa, dança macua — explica Mauá —, uma dança do amor, que as raparigas recém-iniciadas executam aos olhos do mundo, para afirmar: somos mulheres. Maduras como frutas. Estamos prontas para a vida! Niketche. A dança do sol e da lua, dança do vento e da chuva, dança da criação. Uma dança que mexe, que aquece. Que imobiliza o corpo e faz a alma voar: As raparigas aparecem de tangas e missangas. Movem o corpo com arte saudando o despertar de todas as primaveras. Ao primeiro toque do tambor, cada um sorre, celebrando o mistério da vida ao saboreio niketche. Os velhos recordam o amor que passou, a paixão que se viveu e se perdeu. As mulheres desamadas reencontram no espaço o príncipe encantado com quem cavalgam de mãos dadas no dorso da lua. Nos jovens desperta a urgência de amar, porque o niketche é sensualidade perfeita, rainha de toda a sensualidade. Quando a dança termina, podem ouvir-se entre os assistentes suspiros de quem desperta de um sonho bom (CHIZIANE, 2002, p.160-161).

De acordo com Silva e Henning (2010),

O século XX mostrou que o corpo representa o crivo ao estatuto da verdade, na mesma medida em que é colocado com fonte de prazer para o indivíduo. Ou seja, há necessidade de reconhecer, pelas vias da sexualidade, por exemplo, como agente ativo da própria vida” (SILVA, HENNING, 2010, p. 5).

Ainda assim, para esses estudiosos, a sexualidade não deixa de fazer parte do discurso científico. Porém, existe espaço de conexão direta com o corpo. Portanto, ao formularmos discursos críticos a respeito do sujeito, faz sentido levar em consideração o corpo, isto é, retomar como ponto de base para a identidade.

Considerações finais

Padilha (2013) afirma que a tomada de consciência de Rami em Niketche trouxe muitas reviravoltas na narrativa, pois a protagonista ao descobrir as outras mulheres do marido, entra na profunda tristeza e decepção. Para dar uma volta por cima, ela dialoga com o seu “eu” por meio do espelho e em seguida usa de um meio muito poderoso e o principal mecanismo dos homens para exploração do corpo feminino, que é a tradição.

A personagem Rami através dos costumes tradicionais poligâmicos, consegue reunir todas as amantes do policial para serem reconhecidas como esposas legais como manda a poligamia tradicional, em seguida o polígamo é abandonado por todas elas. Nesse sentido, Padilha chama atenção dos leitores sobre a representação regional e nacional feita por Chiziane em cada uma dessas mulheres pescadas pela rede opressora do policial: “Vale notar que tais mulheres são a representação da face cultural poliédrica de Moçambique. Elas metonímica o encontro das culturas do Norte, do Sul e do centro do país” (PADILHA, 2013, p. 173).

Niketche é mais um dos romances da Paulina Chiziane que traz momentos de muita reflexão para o público feminino. Se nele é retratada a vivência social da mulher moçambicana no contexto patriarcal, em especial, o caso de “poligamia urbana”, a narrativa aborda a situação das mulheres de um modo geral, levando ao reconhecimento da subalternidade e despertando, a leitora, para a, resistência. Assim, se afastam da dominação masculina e buscam pela própria voz os seus espaços e histórias.

A narrativa revela a vida da mulher numa sociedade patriarcal com os valores culturais e tradicionais altamente em conflito com a modernidade, como da poligamia tradicional e da falsa “poligamia urbana”. É um romance em que a voz, literalmente, é feminina, pois quem fala é a narradora, Rami. A estratégia de Chiziane é colocar a personagem feminina na função de guia para a liberdade individual e coletiva das outras companheiras. Como toda narrativa engajada o romance faz as mulheres tomarem consciência do que está acontecendo na sociedade e na vida. Não há herói masculino a salvar as mulheres nesta história. São elas por elas mesmas, olhando-se através de seus espelhos interiores.

Para concluir, observamos que Niketche: uma história de poligamia traz consigo muitas semelhanças no que se refere a história da vivência social feminina na sociedade guineense, pois a história narrada nessa obra mostra a realidade da mulher subalterna do país anteriormente citado. No entanto, esse romance embora tenha pertencido uma escritora moçambicana, as vivencias ou as histórias das personagens femininas dessa narrativa trazem também a memória coletiva feminina guineense que vive nessa margem da subalternização e negação dos direitos por questões culturais e religiosas nesse contexto de mistura dos costumes.

Por exemplo, os relatos das mulheres na feira em Niketche são os mesmos que as mulheres guineenses contam sobre suas realidades de vida conjugais e familiares. E nos ritos de iniciação também encontramos algumas semelhanças no romance, no que toca a realidade e as práticas de viúves que existe ainda em certas etnias na Guiné-Bissau que é a de herdar a mulher no caso de falecimento do esposo. Por último, a prática da “poligamia urbana” é ainda uma das questões mais compulsórias, pois a mulher perde todo o seu espaço e segurança seja ela conjugal como também afetiva na sociedade.

 

Referências

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SPIVAK, Gayatri Chakrativoty. Pode o subalterno falar? Disponível em: https://perspectivasqueeremdebate.files.wordpress.com/2013/10/spivak-pode-o-subalterno-falar.pdf. Acesso em: 25/04/2018.

 

[1]Poligamia é um sistema onde o homem tem mais de uma mulher ao mesmo tempo, ou seja, é um modelo de casamento onde o homem se casa com duas mulheres e todas elas vivem na mesma casa.

[2] Paulina Chiziane numa entrevista, fala da estratégia de editora em colocar o subtítulo do romance História de poligamia como forma de chamar atenção dos leitores para adquirir o livro.

[3] Matrilinear é um sistema onde se organizam os parentes (sistema de parentesco) através da linhagem materna (matrilinear), isto é, em uma sociedade matrilinear o poder é passado aos descendentes pela via feminina, ou seja, de mãe para filha – o poder só é passado de mãe para filho se ela não tiver uma filha.

[4] Durante 16 anos, de 1977 a 1992, Moçambique viveu uma sucessiva guerra civil entre Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e os rebeldes anticomunista da Resistencia Nacional de Moçambique (RENAMO).

[5] Kutchinga é um ritual que tem como objetivo purificar a viúva, levado a cabo através de relações sexuais com um dos familiares do falecido (geralmente um cunhado). Isto é, esse ritual acontece após oito (8) dias da morte do marido.

[6] Niketche é uma dança da etnia macua, essa dança é realizada pelas meninas na idade de iniciação sexual, ou seja, é essa dança que essas jovens se declaram para sociedade de que já estão prontas para a vida.