Ruidosas

Weliton Carvalho

Este conjunto de miniaturas sonoras, marcado pelo amadorismo na lida com o programa de áudio utilizado em sua produção, revela uma inquietação casual cotidiana banal que se passa em algumas horas. Horas de vivificação dum estado de angústia potencial (brecha no tempo para uma descoberta-diversão-invenção-imersão) que desencadeia e atravessa as peças apresentadas em atmosfera experimental. Pequenos excertos de textos e sons aquosos encontrados na memória. A criação poética impulsiona a pesquisa sonora que, por sua vez, mobiliza ruídos e defeitos do próprio material gravado, gerando: nuances rítmicas operacionalizadas pelo recorte e repetição do acaso sonoro, deslocamentos temporais e espaciais pela justaposição de efeitos de áudio aplicados intuitivamente, reciclagem de fragmentos ruidosos devidos à péssima qualidade de captação do áudio, distorção do tempo percebido e da própria vocalidade através da ativação de uma memória não linear nem narrativa, talvez nem mesmo semântica. Aqui o ato de fala enquanto devaneio musical pretende dar abertura à imaginação do ouvinte.

Erro, multiplicidade de acasos, recorte, reminiscências, rumores, inconveniências constroem uma paisagem às vezes desagradável – materialidade de uma inquietação gélida e salobra – outras vezes sugestiva e carregada de afetos calorosos – propulsora do movimento de criação da própria escuta que funciona como uma espécie de mosaico sonoro.


00antes: prelúdio de movimentos ruidosos, esta faixa é a única que apresenta acordes, mas sem qualquer implicação harmônica. minha voz recita um poema que é revertido e passa a não ter significado algum. do texto nasce o direcionamento poético e formal da música, que desemboca num oceano ruidoso final, crescendo até a próxima faixa… 

“Ponte pra mim é

partida

Digo adeus àquilo que 

não tenho

Me despeço do mar que

não chorei

Sou mar

Oceanarei”


01mar mínimo: algo e qualquer coisa se arrasta e vem provocando ranhuras na escuta, friccionando a imaginação, sugerindo sons aquosos (mar descarga chuveiro tempestade etc), na parte central é possível perceber nuances rítmicas curtas.


02cuidado: aqui citando uma fala da obra O capataz de salema de Joaquim Cardozo “Cuidado! Que o mar derrama… / cuidado! Que o mar rasteja.”, a peça se constrói de forma exclamativa e é desenvolvida apenas com recortes da frase dita, respiração e ruídos da gravação. 


03mínimoínimo: diferença na repetição, transfiguração de fragmentos, bricolagem – a gravação da melodia ao piano produz ruídos inesperados que servem como material produtivo, citados com efeitos diversos, deslocados em tempo e espaço.


04abismo: “…e fiz dos meus abismos os locais mais adequados para vôos leves” a voz performa esse fragmento poético e deixa os corpos sonoros caírem em lugares inadequados querendo chegar ao hiperespaço. repetição cambiante de uma memória sem lugar, de uma escuta que se multiplica. aqui se revela o abismo experimentado nesta tentativa de materializar alguns rumores de minha memória inebriada em maresia, pondo também em reflexão a experiência de eu-mesmo-enquanto-ser-humano a explorar uma ferramenta tecnológica de produção musical.