RESUMO: A literatura infantojuvenil, historicamente relacionada ao aprendizado, vem cada vez mais se distanciando do pedagogismo e do moralismo típicos de sua origem. Apesar disso, muitas obras dessa categoria ainda retratam uma visão maniqueísta de seus personagens. Isto posto, este artigo tem como objetivo investigar a série de livros Desventuras em Série (1999) de Daniel Handler e demonstrar que em seu universo não há uma divisão simples entre bem e mal, certo e errado. Para isso, o estudo tem como foco especial os últimos três livros da série, uma vez que abordam o questionamento da moralidade das ações. O trabalho ainda pretende demonstrar como a construção do universo da série se aproxima do leitor ao tratar de temas complexos e até mesmo controversos para livros direcionados a jovens leitores, andando entre a linha da ficção infantil e adulta.
PALAVRAS-CHAVE: Desventuras em Série; literatura infantojuvenil; estudo da personagem; moralidade.
ABSTRACT: Children’s and youth literature, historically related to learning, has been increasingly distancing itself from the pedagogism and moralism typical of its origin. Despite this, many works in this category still portray a Manichaean vision of their characters. Thus, this article aims to investigate Daniel Handler’s A Series of Unfortunate Events (1999) and demonstrate that in this universe there is no simple division between good and evil, right and wrong. For this, the study has a special focus on the last three books of the series, since they introduce the questioning of the morality of actions. The article also intends to demonstrate how the construction of the universe of the series approaches the reader when dealing with complex and even controversial themes for books aimed at young readers, walking between the line of children’s and adult fiction.
KEYWORDS: A Series of Unfortunate Events; children’s literature; character study; morality.
Introdução
A literatura infantojuvenil está historicamente relacionada ao aprendizado. Essa modalidade literária se consolida durante o século XVIII a partir das mudanças promovidas pela Revolução Industrial. Até então, em geral, a criança era percebida como um pequeno adulto, sem necessidades e cuidados específicos. O surgimento da burguesia possibilita mudanças significativas no modelo social e o modo de percepção da infância é alterado. A instituição escolar passa a ser responsável pela educação infantil e a literatura dedicada à infância nasce fortemente voltada para a transmissão dos valores burgueses, sendo usada especialmente como instrumento de alfabetização e formação.
Anteriormente, durante o século XVII, obras esporádicas eram publicadas a partir do trabalho de compiladores como Charles Perrault (1628-1703). Essas publicações, no entanto, eram usufruídas por crianças e adultos e só foram incorporadas ao acervo da literatura infantil universal posteriormente, à medida que iam sendo revistas e alteradas.
Considerando os contos da tradição oral como origem dessa literatura, observamos que seus personagens são concebidos de maneira padronizada e a partir de uma visão maniqueísta. Suas ações, dessa forma, são construídas a serviço do bem ou do mal e representam a conduta exemplar que a criança deve seguir ou aquela da qual ela deve se distanciar. Nos contos tradicionais, por exemplo, as fadas e princesas são boas e as bruxas e madrastas más. Os personagens, assim, são como funções, existem para representar o confronto dualista bem/mal e transmitir a maneira correta de agir em sociedade.
A fragmentação do mundo moderno e do indivíduo, não mais visto como um sujeito absoluto e pleno, muda a escrita do romance no século XIX, que passa a ter personagens sem contornos nítidos e heróis com ambivalência de valores. Essas mudanças, no entanto, não ocorrem de maneira absoluta na literatura infantojuvenil. Seu personagem pode, por exemplo, ser fragmentário à medida que este apresenta “a crise de identidade, a busca de um novo papel social ou o desconcerto diante de valores velhos e novos que lhe parecem igualmente válidos” (KHÉDE, 1986. p. 57).
Apesar de ainda existirem, nos dias atuais, publicações que conservam seu caráter pedagógico, há muito surgiu uma tendência de desvio dessa norma, isto é, negando a produção literária para crianças e jovens como mera ferramenta educativa. Essa literatura contemporânea apresenta características novas que são “diretamente ligadas à existência de um mercado de bens culturais onde o livro passou a integrar a sociedade industrial e de consumo” (p. 5). Desde o século passado, portanto, a categoria vem se distanciando cada vez mais do pedagogismo e do moralismo (p. 74).
Ainda assim, o confronto entre o bem e o mal pode ser facilmente reconhecido, tendo heróis e vilões que podem ter o papel invertido no decorrer da narrativa, mas que ainda existem em um mundo bem demarcado quanto ao que é certo e errado. A série de livros Harry Potter de J. K. Rowling, a título de exemplo, possui o protagonista que nunca sai do papel de herói; o grande antagonista, Lorde Voldemort, como vilão constante e, ainda, o personagem Severo Snape, que representa um agente duplo convertido para o lado dos “mocinhos”.
À vista dessas considerações, este trabalho tem como objeto de estudo a série de livros Desventuras em Série (1999), de Daniel Handler, publicada pela HarperCollins. Dentro do universo dos livros, não há uma divisão simples entre bem e mal, e a moral é relativizada no decorrer da trama.
Escrita pelo estadunidense Daniel Handler, sob o heterônimo de Lemony Snicket, Desventuras em Série compõe-se de treze livros publicados entre 1999 e 2006 e ilustrados por Brett Helquist. Além da obra original, o autor publicou livros extras sobre o mesmo universo, tais como: Lemony Snicket: Autobiografia não Autorizada (2002), The Beatrice Letters (2006) e uma série de quatro livros intitulada Só Perguntas Erradas (2012-2015) e seu volume extra 13 Incidentes Suspeitos (2014). Os três primeiros livros da série foram adaptados para o cinema em 2004 com a direção de Brad Silberling e todos os treze foram adaptados como websérie pelo serviço de streaming Netflix entre 2017 e 2019 com Daniel Handler como produtor executivo.
A edição brasileira, por sua vez, foi publicada pela Companhia das Letras com o selo Seguinte entre 2001 e 2006 e conta com a tradução de Carlos Sussekind do primeiro ao quinto volume e de Ricardo Gouveia no restante da série. No que lhe diz respeito, a realização deste trabalho dispõe das primeiras edições dos livros.
A série conta a história dos órfãos Baudelaire, três irmãos que perderam seus pais e a mansão onde viviam em um terrível – e suspeito – incêndio. Os protagonistas passam por diversos lares adotivos e estão sempre fugindo de vilões que querem se apossar da fortuna que seus pais lhes deixaram (e à qual não têm acesso até a maioridade).
Desfortúnio e tragédia cercam os órfãos por todos os lados e cada criança possui uma habilidade que constantemente as ajuda a sair da série de desventuras. Violet, a irmã mais velha, tem interesse em mecânica e física e elabora invenções; Klaus, o irmão do meio, é um pesquisador e ávido leitor que retém com facilidade as inúmeras informações que adquire com a leitura e, por fim, a irmã caçula, a bebê Sunny, possui dentes muito afiados que perfuram qualquer coisa e, ainda, perto do fim da série passa a se interessar por culinária. Lemony, por sua vez, é um triste e ingênuo escritor que acredita ser seu dever solene registrar e desvendar os mistérios da trágica história das crianças. Snicket é narrador e personagem, além de “autor” dos livros – que são publicados no universo da série.
Nosso interesse neste estudo é investigar a construção do universo de Desventuras em Série e observar como o autor investe na construção de um mundo ambíguo e conflituoso através da ambivalência de seus personagens. Para isso, o estudo tem como foco especial os livros 11 e 12, uma vez que introduzem o questionamento da moralidade que pode estar subentendida nas ações e a ideia de que não há, nesse universo ficcional, uma simples divisão entre bem e mal como podemos frequentemente observar na literatura direcionada a pré-adolescentes e adolescentes.
Pretendemos demonstrar como a construção do universo da série se aproxima do leitor ao tratar de temas complexos e até mesmo controversos para livros direcionados a jovens leitores, andando entre a linha da ficção infantil e adulta, levando o leitor a sério e não subestimando sua capacidade de interpretação. Pretendemos, ainda, demonstrar que a forma como as personagens protagonistas (ou não) são construídas contribui para essa aproximação a que nos referimos, tornando o ambiente da narrativa convidativo e agradável ao leitor.
Fundamentação Teórica
Se vocês se interessam por histórias com final feliz, é melhor ler algum outro livro. Vou avisando, porque este é um livro que não tem de jeito nenhum um final feliz, como também não tem de jeito nenhum um começo feliz, e em que os acontecimentos felizes no miolo da história são pouquíssimos.
(Lemony Snicket)
Daniel Handler criou um série rica e intrigante que vendeu mais de 60 milhões de cópias ao redor do mundo e foi traduzida para mais de 40 línguas desde a publicação de seu primeiro volume em 1999. Ricos em referências literárias, figuras de linguagem, humor trágico e mistério, os livros continuam fazendo sucesso especialmente entre os leitores jovens, atraindo também adultos com o tom sombrio e os temas subversivos. Apesar do sucesso, desde sua publicação até os dias atuais, com as adaptações mais recentes, os livros também foram alvo de críticas e avaliações negativas devido ao temas tratados, sendo inclusive banidos em algumas escolas nos Estados Unidos durante as primeiras publicações.
No entanto, existem atualmente poucos estudos sobre a série no Brasil – ainda que o número tenha crescido nos últimos anos, quem sabe devido à manutenção da popularidade dos livros com a websérie da Netflix -, a maioria dos estudos vêm do país de origem da série, ou seja, são americanos. Acreditamos que os livros em questão são riquíssimos e pesquisas sobre eles (das mais diversas áreas) só acrescentarão para os estudos da literatura infantojuvenil e para observarmos como os jovens podem assimilar muito mais do que é esperado deles.
Diante disso, podemos mencionar a afirmação de Gregorin Filho (2008) sobre a literatura para crianças e jovens ainda ser entendida como “de menor valor por grande parte dos críticos literários, talvez pela sua origem e pela sua associação frequente com os textos de prática pedagógica” (p. 37). E ainda, “estudar a leitura da literatura, seja ela para crianças ou não, é, em última análise, estudar como o homem se relaciona com os demais e com o seu meio” (p. 39).
Adotamos como foco deste trabalho o estudo da personagem, uma vez que “o personagem, como é o elemento diretamente ligado à ação, aos fatos e acontecimentos da sequência narrativa, movimentando-se num tempo e num espaço específicos, é fundamental para qualquer estudo ficcional” (KHÉDE, 1986, p. 9). E ainda:
Um dos estatutos da literariedade do texto artístico estará nessa possibilidade de apresentar ao leitor uma obra pluralista onde o confronto de visões de mundo ou de ideologias seja transmitido justamente pelas múltiplas vozes dos personagens que, na perspectiva de Mikhail Bakhtin, devem ser personalidades em formação, não fechadas num perfil preconcebido. (KHÉDE, 1986, p. 14).
Khéde (1986) discorre sobre as características dos personagens e seu confronto dualista entre bons e maus, feios e belos, fracos e fortes, isto é, personagens lineares de modelo fechado que se configuram dentro do conflito dualista, comuns nos contos de fadas tradicionais. Apresenta também as mudanças que a literatura infantil contemporânea incorporou com a fragmentação do indivíduo e os conflitos do mundo moderno refletidos nos personagens dos romances contemporâneos: “como a arte sempre supôs a representação da realidade, essa crise de representação levou a uma crise de identidade que se manifesta a partir do personagem” (p. 15).
Ao considerar os processos de socialização de crianças e os livros como parte desses processos, Machado (2018) propõe investigar como livros infanto-juvenis constroem a noção de infância e que “lições sociais” projetam a partir de uma análise da série de Handler. O autor comenta sobre o conceito de infância associado à ideia de dificuldade que pode ser encontrado em diversas obras contemporâneas com a figura do órfão e destaca o posicionamento de Snicket como autor-narrador do texto. Handler desconstrói a noção de infância atrelada à felicidade, aquela em que a criança depende de um agente cuidador. Os irmãos Baudelaire passam a desacreditar cada vez mais em agentes cuidadores, até que decidem se virar sozinhos e são obrigados a crescer, “o que é uma ruptura com os valores e ideologias que permeiam o universo da literatura infantojuvenil” (p. 34).
Durante toda a série vemos, além dos vilões, pessoas bem intencionadas que são ineficazes e não falam sobre os abusos que testemunham, eventualmente deixando seu próprio interesse atrapalhar o cuidado que deveriam dispensar às crianças. A moral relativizada, isto é, aquela que não é absoluta e restrita, passa a ser um tema central à medida que a série avança e os irmãos Baudelaire passam a cometer as mesmas atrocidades que seus inimigos para fins diferentes. Não existe uma divisão absoluta entre o bem e o mal. Machado entende que a série promove a descoberta da autonomia e da independência, bem como contesta o processo de separar a criança do mundo considerado adulto.
Freitas (2018), por sua vez, defende esse amadurecimento forçado e a descredibilidade da fala infantil à luz da realidade de muitas crianças fora da ficção. Segundo a autora, “a construção do enredo em Desventuras em Série explicita o único impasse para a validação das crianças no mundo social: a exclusão de seus discursos pelos indivíduos adultos” (p. 223), isto é, as falas das crianças são constantemente postas em dúvida e elas são forçadas a permanecer em ambientes perigosos. As crianças, vistas como incapazes, enxergam através dos disfarces dos vilões e tentam denunciá-los, mas nunca são levadas a sério. Suas próprias habilidades e engenhosidade é que garantem sua sobrevivência livro após livro:
Violet, Klaus e Sunny enfrentaram condições insalubres de moradia, violência física, doenças, sequestro, cárcere privado, trabalho escravo, viram de perto o consumo em excesso de drogas lícitas (como álcool e cigarro), tentativa de homicídio, tiveram de sobreviver a desmoronamentos, incêndios, foram testemunhas de atos violentos e até mesmo da morte de pessoas que lhes eram próximas, queridas e confiáveis. (p. 224).
A pesquisa de Freitas ainda apresenta uma lista de algumas das críticas desenvolvidas em cada um dos livros. Destacamos as críticas apontadas nos volumes 10 (O Escorregador de Gelo) e 12 (O Penúltimo Perigo) da série:
O Escorregador de Gelo: aqui a reflexão é sobre integridade de caráter e corrupção e se haveriam, suficientemente, pessoas decentes capazes de impedir que o mundo caia em desespero. Aqui vemos os irmãos Baudelaire optando por decisões pouco louváveis justamente por serem crianças; é possível perceber que essa concepção se ergue sob o ideal de pureza e bondade de uma criança mesmo que estas estejam padecendo sob as mais torpes situações. […] O Penúltimo Perigo: uma das críticas mais importantes nesse livro é a concepção de moralidade, nobreza e inocência. Ao longo dos livros, os próprios irmãos Baudelaire fizeram atos que podem ser considerados injustos ou imorais, justificando-os como atos necessários para suas sobrevivências, o que leva o leitor a refletir sobre diversas situações em que julgávamos fazer o correto mas que aos olhos dos demais, pode ter sido interpretado como injustiça. (p. 225).
Refletindo sobre as diversas características típicas da literatura infantil e como elas mudam ao longo da história – como o tópico da ‘morte’ que era comum, passou a ser evitado depois da Segunda Guerra Mundial com a expectativa de vida maior, e voltou a ser usado na literatura moderna -, Taipale (2016) analisa que tipo de personagem os protagonistas são e defende seu amadurecimento logo nos primeiros livros da série. Os três irmãos são comparados com os protagonistas tradicionais encontrados em histórias de órfãos e são considerados um personagem coletivo, isto é, eles possuem a mesma função no enredo e se complementam. Dessa forma, a autora defende que Desventuras em Série pode ser considerada um Bildungsroman: os órfãos crescem como personagens individuais ao longo da série, mas também começam a formar um vínculo mais forte entre si (p. 5).
Isolada da sociedade e sem seus pais, a figura do órfão é forçada a trabalhar ainda mais que os outros para sobreviver. A tese de Taipale ainda chama atenção para esse tipo de história tipicamente ter um final feliz – ainda que obras mais recentes tenham se afastado dessa tradição ao deixar de apresentar desfechos selados, ou seja, que não são abertos a interpretação. Tipicamente, ainda, todos os personagens são bons ou maus, todos devem escolher um lado, enquanto os livros de Handler não possuem uma divisão tão clara entre bem e mal, certo e errado. Ainda em contraste com o que pode ser encontrado na literatura infanto-juvenil, os Baudelaire não são recompensados por seu bom comportamento, mas, em vez disso, continuam sofrendo e lutando para encontrar seu lugar no mundo. É interessante notarmos que Desventuras em Série usa fórmulas convencionais para criar um universo com personagens não convencionais. Os livros, dessa maneira, agradam a uma ampla gama de leitores.
Além dos autores já citados, devemos considerar ainda a tese de Compoint (2018) sobre a inocência perdida no contato com o mundo adulto na obra de Handler. Aqui a série é comparada com o gênero picaresco, uma vez que os protagonistas ficam entregues à sua própria sorte em uma sociedade corrupta e se valem de meios desonestos para sobreviver. Compoint aponta alguns momentos considerados críticos para a mudança de perspectiva dos três irmãos e o declínio de seu senso de moralidade, como as condições de trabalho forçado que vivenciam no quarto volume (Serraria Baixo-Astral), ou ainda o sequestro dos trigêmeos Quagmire, seus amigos (e nova família), a partir do quinto volume (Inferno no Colégio Interno): “as crianças não hesitam mais: o bem e o mal não importam, o que importa é a sobrevivência da unidade” (p. 48, tradução nossa).
Snicket brinca com seus personagens e seus leitores: o narrador nos deixa cada vez menos esperançosos com o destino dos protagonistas; ele desafia o espaço confortável e seguro que o leitor desfruta ao ler uma história e ainda questiona nossos limites morais e as responsabilidades dos adultos. Para Compoint, Desventuras em Série é uma das raras histórias infantis que considera sua própria ficção um lugar mais pessimista para crescer do que a realidade. À medida que Handler usa a série para fazer uma sátira da ficção infantil e da sociedade adulta, seu leitor tem a oportunidade de refletir sobre esse universo ambíguo como um reflexo da complexidade da própria natureza humana.
Desenvolvimento
Os primeiros sete volumes da série mantêm a mesma estrutura: as crianças, Violet, Klaus e Sunny, são levadas a um tutor pelo ingênuo Sr. Poe, banqueiro responsável pela fortuna dos Baudelaire, e são obrigadas a usar suas habilidades e seu intelecto para escapar das garras do terrível Conde Olaf – seu primeiro tutor – que está atrás da fortuna das crianças. Olaf aparece onde quer que estejam, sempre usando algum disfarce que é imediatamente reconhecido pelos protagonistas – mas nunca pelos adultos responsáveis por eles. A partir do quinto volume, os irmãos começam a descobrir sobre outros incêndios suspeitos e acabam desvendando segredos que seus pais escondiam – particularmente sobre a organização secreta, C.S.C., da qual faziam parte e para a qual as crianças eram treinadas desde o nascimento. Durante suas investigações, as crianças descobrem que C.S.C. foi uma nobre organização responsável por combater incêndios – tanto literais quanto figurativos. No entanto, após uma cisão, a associação passou a ter não só um lado nobre, mas um lado vil – responsável por causar os incêndios que um dia combateram.
Dessa maneira, a segunda metade da série revela a maneira não-binária do mundo, em que qualquer pessoa pode esconder más intenções e rejeitar o altruísmo. A busca pela misteriosa C.S.C., assim, orienta os objetivos e a jornada dos irmãos e revela a natureza ambígua do homem à medida que mescla a linha entre o bem e o mal. Antes preocupados com sua sobrevivência e bem-estar, as crianças passam a buscar a verdade sobre seus pais, o passado e as intenções do vilão, “primeiro tentando decodificar os mistérios sinistros da organização e depois tentando participar das suas nobres missões” (SNICKET, 2016c, p. 278).
Essa ambiguidade é ainda representada pela imagem de um olho que segue os irmãos desde o primeiro volume, Mau Começo:
[…] o conde Olaf tinha tatuada a imagem de um olho em seu tornozelo, igual à do olho em sua porta da rua. [Os órfãos] ficaram imaginando quantos outros olhos não haveria na casa do conde Olaf, e veio-lhes um pressentimento de que, para o resto da vida, estariam sempre se sentindo sob a estreita vigilância do conde Olaf, mesmo quando ele não estivesse por perto. (SNICKET, 2016b, p. 30).
A tatuagem do conde, seus olhos brilhantes e intensos e sua única sobrancelha são as principais características físicas do vilão que sempre ajudam as crianças a reconhecerem seus mais variados disfarces e a provar sua verdadeira identidade. A figura do olho é recorrente em toda trama e simboliza uma dualidade entre Olaf e os Baudelaire. Durante a segunda parte da série, no entanto, essa mesma figura passa a simbolizar a ambiguidade desse universo: os irmãos descobrem que todos os voluntários de C.S.C. possuem a mesma tatuagem no tornozelo. Isto é, não é mais possível distinguir os vilões das pessoas nobres; tanto os vilões quanto os heróis fazem parte da sociedade secreta.
Os outros adultos na série, por sua vez, são autoridade, mas não educam ou zelam pelas crianças, ainda que possuam boas intenções. Raramente são capazes de ajudar efetivamente os órfãos, são inaptos a perceber os perigos ou acreditar nas crianças, forçando-as a cuidar umas das outras e, eventualmente, a agir de maneira moralmente questionável. Durante a trama, os Baudelaire usualmente representam mais a maturidade da vida adulta que os próprios adultos.
Conde Olaf e sua trupe de teatro são distintamente maus e violentos, enquanto os outros adultos nem sempre possuem uma divisão maniqueísta visível, indo do bondoso ao vilanesco. O maior exemplo disso é o Sr. Poe, que deseja o bem das crianças, mas falha em mantê-las seguras todas as vezes, mais preocupado com seu trabalho no banco do que com a segurança dos órfãos. À medida que as crianças passam a depender e acreditar menos nos adultos, passam a tomar suas próprias decisões e podemos observar a perda progressiva de sua integridade. Os livros 11 e 12 são ideais para ilustrar o questionamento dos próprios personagens quanto à moralidade de suas escolhas, como apontaremos a seguir. Algumas passagens do livro 13, por sua vez, também são relevantes para a discussão.
Durante os acontecimentos do décimo primeiro volume, A Gruta Gorgônea, as crianças se encontram no submarino Queequeg em busca do misterioso açucareiro, um objeto perdido que está sendo procurado pelos dois lados da organização. Conhecem o nobre voluntário de C.S.C., Capitão Andarré, e sua enteada, a micetologista Fiona. O livro em questão tem como foco justamente a ambiguidade moral de seus personagens. O leitor descobre junto de Fiona que o homem das mãos de gancho, um dos capangas de Olaf, é seu irmão perdido, que foi para o lado vil da organização ao se juntar ao grupo de Olaf. Fernald, o homem das mãos de gancho, foi retratado até então como uma pessoa ruim e, assim, os papéis de “heróis” e “vilões” da série passam a oscilar e a ser questionados. Fernald conta que pessoas boas são capazes de atos vis e vice-versa e que não existe um lado errado na cisão. Assim,
“As pessoas não são vis nem nobres”, disse o homem de mãos de gancho. “Elas são como as saladas do chef, com coisas boas e ruins misturadas num molho vinagrete de confusão e conflito.” Ele voltou-se para os dois Baudelaire mais velhos e apontou para eles com seus ganchos. “Vocês mesmos, Baudelaire. Vocês realmente acham que somos assim tão diferentes?”. (SNICKET, 2016a, p. 196).
No decorrer do livro, Fernald e Fiona mudam de lado mais de uma vez, mostrando sua natureza volátil e complexa. Os dois irmãos não sabem escolher um lado da cisão e ajudam Violet e Klaus a salvar Sunny do letal fungo Mycelium Medusoide, mas acabam voltando para a tripulação de Olaf – e por fim fogem dele e roubam seu submarino. O Capitão Andarré não escapa da natureza volátil de sua família: inicialmente é considerado um personagem nobre, mas não somente já cometeu um incêndio criminoso, como durante o livro ele abandona sua enteada e tripulação por algum motivo não esclarecido.
Enquanto o décimo primeiro volume tem como foco a incerteza moral de outros personagens, particularmente a família Andarré, o penúltimo volume, por sua vez, intitulado O Penúltimo Perigo, tem como cerne a hesitação das próprias crianças protagonistas sobre a moralidade de suas ações, inclusive mostrando certa ambiguidade no grande antagonista da série, Conde Olaf.
Os Baudelaire, dessa forma, encontram-se a caminho do Hotel Desenlace no táxi de Kit Snicket, no qual embarcaram no final do livro anterior. Sua missão é disfarçarem-se de concierges e serem espiões até um grande julgamento que haverá para Olaf e os vilões de C.S.C. em menos de uma semana. O Hotel Desenlace é um dos últimos lugares seguros em que os voluntários nobres de C.S.C. se reúnem para trocar informações e discutir planos para derrotar os inimigos. Neste volume, quase todos os personagens sobreviventes dos livros anteriores, principais ou coadjuvantes, se reúnem no hotel para o julgamento.
Vale mencionarmos aqui que os órfãos já haviam sido acusados de atos ignóbeis e sido cúmplices neles: são acusados de homicídio durante o sétimo livro, A Cidade Sinistra dos Corvos, com a morte de Jacques Snicket, por exemplo, e, durante o nono livro, O Espetáculo Carnívoro, as crianças invertem seu papel com Olaf – são elas, dessa vez, que estão disfarçadas e escondem suas identidades, e acabam, sob as ordens de Olaf, ajudando a incendiar o Parque Caligari. Durante uma discussão no hotel, Olaf confirma a noção de que não existem pessoas verdadeiramente nobres:
“Vocês não aprenderam nada depois de todas as suas aventuras?”, insistiu ele. “Todas as pessoas nobres desapontaram vocês, órfãos Baudelaire.” […] “E como vocês sobreviveram a mim?”, perguntou Olaf. “O Pundonor Diário está repleto dos seus crimes. Vocês mentiram para as pessoas. Vocês roubaram. Vocês abandonaram pessoas em perigo. Vocês provocaram incêndios. Por vezes seguidas vocês dependeram de traições para sobreviver, exatamente como todo mundo. Não existem pessoas verdadeiramente nobres.”. (SNICKET, 2016d, p. 187-188).
Ao longo do diálogo, Olaf e as crianças citam diversos personagens que estiveram presentes nos livros anteriores que eram más ou ainda que tinham boas intenções mas falharam em agir de maneira nobre e desapontaram as crianças. O vilão ainda provoca os órfãos sobre a nobreza de seus pais com uma história envolvendo uma caixa de dardos envenenados que já havia sido citada no começo do livro por Kit Snicket. Mais tarde, depois do julgamento, Olaf revela que dardos envenenados foram a arma que o deixaram órfão – insinuando a participação dos pais das crianças no ato e modificando a natureza das motivações do conde (antes conduzido apenas por ganância e não vingança).
Com a orientação dos irmãos Dénouement, gerentes do hotel, Violet, Klaus e Sunny desempenham diversas incumbências como concierges. Ao serem questionados sobre a moralidade das tarefas, os Baudelaire justificam que tiveram de obedecer como parte do disfarce e indagam “o que mais eu poderia fazer?”. O vilão chega a mostrar, pela primeira vez, sinais de incerteza moral ao hesitar em cometer crime e assassinato, fazendo a mesma pergunta (“o que mais posso fazer?”) para os órfãos momentos depois. Diante disso, deixamos de ver Olaf como o personagem invariável no papel do grande antagonista da série. Ainda que tenha cometido múltiplos atos hediondos, Olaf não foge da complexidade inerente desse universo.
O leitor descobre, ainda, que Olaf nem sempre foi uma pessoa má. Os livros insinuam que Olaf esteve do lado “nobre” da organização quando jovem e que passou por situações semelhantes aos órfãos, sendo vítima de abusos e desventuras. Diferente das crianças, contudo, o conde usa seus traumas para agir de maneira cruel e praticar sua própria “justiça”, provocando as mesmas adversidades que sofreu.
Perto do desfecho do décimo segundo volume, os órfãos acabam sendo acusados mais uma vez de homicídio: desta vez de um dos gerentes, Dewey Dénouement. Um acidente terrível acontecera: um lançador de arpões que estava nas mãos de Olaf foi entregue às pressas às crianças e, escorregando de suas mãos, foi disparado e acertou o gerente. Para sobreviver, as crianças, escapando das autoridades, ajudam Olaf e fogem com ele, ateando fogo ao hotel no processo. A razão do incêndio, orquestrado por Sunny, era enviar um sinal para Kit Snicket cancelando o encontro de nobres voluntários que chegariam no hotel em apenas um dia, bem como impedir que Olaf envenenasse a todos com um espécime do mortífero Mycelium Medusoide. Apesar de passarem por todos os andares do hotel avisando sobre o incêndio antes de escaparem com o vilão que os persegue há doze livros, a existência de pessoas verdadeiramente nobres mais uma vez é questionada. Pessoas realmente nobres seriam capazes de tantos atos ignóbeis? Esses atos seriam justificáveis se houvesse “bons motivos” por trás? E ainda, seria correto fazer justiça com as próprias mãos quando as figuras de autoridade são ineficientes? Essas são apenas algumas das perguntas sem resposta que preocupam os três irmãos à medida que a série chega ao fim. Acima de tudo, esses questionamentos nos mostram a transição das crianças para o mundo adulto e o abandono da sua inocência ao longo dos treze livros:
É muito difícil abrir caminho neste mundo sem ser perverso em uma ou outra ocasião, já que, para começar, os caminhos do mundo são tão perversos. Quando situações insondáveis surgiam na vida dos Baudelaire, e eles não sabiam o que fazer, com frequência se sentiam como se estivessem se equilibrando muito delicadamente em cima de alguma coisa muito frágil e muito perigosa e, caso não se cuidassem, poderiam cair muito fundo dentro de um mar de perversidade. […] Seus irmãos se perguntaram se não teriam por fim perdido o equilíbrio, se não estariam se afastando aos trambolhões de todas as pessoas nobres do mundo. (SNICKET, 2016d, p. 278).
O último volume, O Fim, revela o ápice da transformação dos Baudelaire, além de desenvolver mais a complexidade de Olaf. Durante o início da trama, as crianças e seu antagonista se encontram em um barco à deriva. Nesse momento os irmãos se deparam com uma grande dúvida:
Quando os Baudelaire se encontraram com o conde Olaf pela primeira vez, suas bússolas morais nunca lhes teriam dito para se livrar do homem terrível, fosse empurrando-o para fora de seu misterioso quarto na torre, fosse atropelando-o com o seu longo automóvel preto. Mas agora, no Carmelita, os órfãos Baudelaire não tinham certeza do que deveriam fazer com aquele vilão que estava tão debruçado na borda da embarcação que bastaria um leve empurrão para mandá-lo ao seu túmulo de água. (SNICKET, 2016c, p. 24).
Apesar de serem interrompidas e não terem tempo de tomar uma decisão, podemos notar como a “bússola moral” das crianças se encontra comprometida e elas se sentem inseguras, enfrentando dilemas sobre os quais nunca acharam que poderiam hesitar.
O décimo terceiro livro explora o apogeu do crescimento das crianças tomando suas próprias decisões sem a orientação de adultos, além de explorar temas como a manipulação e a impossibilidade de fuga da sociedade e seus problemas. Por causa de uma tempestade, os navegantes vão parar em uma ilha remota que inicialmente parece ser um paraíso perdido. Os habitantes da ilha tentam criar uma espécie de utopia pacífica, mas os três irmãos eventualmente compreendem que a perfídia do mundo pode chegar em qualquer lugar, e nenhum local está verdadeiramente seguro da perversidade. O “facilitador” da ilha prega a simplicidade e o desapego, manipulando seus ilhéus com o pretexto de protegê-los dos segredos terríveis do mundo e evitar cisões, ainda que ele mesmo não seguisse as instruções que “sugeria” aos habitantes. Assim, após a trama do livro, os Baudelaire decidem enfrentar o mundo por conta própria e retornar à sociedade, dessa vez sem o vilão que os atormentou até aqui. Apesar de seus medos sobre o mundo exterior, os irmãos estão cansados de fugir, e empenham-se em manter seu senso de moralidade em um mundo que os força a agir de maneira infame e os vê como vilões.
É interessante notarmos que algumas incertezas nunca são resolvidas, uma vez que estão diretamente ligadas à volatilidade da natureza humana. Conde Olaf é capaz do que Violet chama “uma única coisa boa na vida” ao final da série. Devido a um grave ferimento no abdômen e, ainda, envenenado pelo letal Mycelium Medusoide que ele mesmo trouxe à ilha, o conde revela que perdeu demais para continuar: seus pais, seu verdadeiro amor, seus comparsas. Somente quando as crianças mencionam Kit Snicket é que o vilão encontra forças para ajudar a salvar a antiga associada e o bebê que estava prestes a nascer. Nesse momento, a figura do olho tatuado no tornozelo do vilão, bem como as diversas ocasiões em que o símbolo foi visto enquanto investigavam C.S.C., volta a ser mencionada: “parecia que aqueles olhos as observavam, embora saber se eles eram nobres ou pérfidos, bons ou maus, permanece como um mistério até agora.” (SNICKET, 2016c, p. 278). Isto é, o fim da série não traz soluções e respostas concretas para a natureza ambígua do homem. Os três irmãos viram – e viveram – que o próprio lado “bom” de C.S.C. tinha objetivos supostamente nobres, mas não deixava de usar métodos controversos para alcançá-los. O grande antagonista, por sua vez, não tem seus terríveis atos redimidos, mas os últimos livros mostram um outro lado do conde: como apontamos, Olaf não foge da complexidade inerente desse universo.
Considerações Finais
A literatura, como ferramenta de formação cultural e de desenvolvimento crítico, contribui significantemente para a formação das crianças e dos adolescentes. Por vezes, no entanto, essa literatura é considerada mais simples e de menor valor em relação à adulta pela crítica literária. Neste artigo procuramos defender que a construção de Desventuras em Série e seu universo ambíguo rompem com a moral dogmática usualmente aceita para obras de literatura infantojuvenil e atesta como essa literatura tem a oferecer muito mais do que é esperado dela. Os livros em questão são dotados de diversas críticas sociais, em especial a dominação social de adultos sobre crianças e adolescentes. O narrador guia a percepção de mundo do leitor à medida que os temas tratados nos livros se tornam mais complexos, muitas vezes andando entre a linha da ficção infantil e adulta. Sem perder a sofisticação, Snicket escreve de maneira adequada e marcante.
Os livros possuem diversos atributos que garantem seu status de fenômeno editorial e sustentam o interesse dos jovens leitores. Entre eles, podemos mencionar o uso da figura do órfão e a escrita irônica e hiperbólica de seu autor-narrador. Ainda, o leitor é constantemente desafiado e exposto a um mundo sombrio cheio de segredos e mensagens codificadas. Ao acompanhar a trágica história dos irmãos Baudelaire, o leitor investiga os mistérios desse mundo junto com os protagonistas, desenrolando o fio que liga todos os personagens desse mundo enigmático, sem nunca desvendar todos os seus mistérios: como as três crianças, o leitor não conhece toda a história, mesmo ao final dos treze volumes. Não se sabe, por exemplo, o “fim” da maioria das personagens, em especial os próprios protagonistas. O leitor acompanha a história sempre através da visão melancólica de Snicket, mas amadurece junto com os protagonistas no decorrer de sua jornada.
Além da natureza detetivesca da série, Snicket nos mostra que o mundo adulto é cheio de aparências e personagens cinzentos. Ao tratar de temas típicos da literatura adulta, como o luto e a relatividade moral, o autor cria uma história intrigante e atraente para os mais diversos leitores. Ao questionar a nobreza de seus personagens, em especial seus heróis, e refletir sobre a capacidade que todos têm de agir de maneira nobre e vil, Snicket convida seu leitor a não estigmatizar questões como vilania e adversidades, e sim a desenvolver um pensamento crítico sobre elas. Isto é, o autor não subestima o jovem leitor e sua capacidade de interpretação.
Encontramos facilmente nos conteúdos criados pelas mídias de entretenimento voltadas para o público infantil e juvenil figuras simbólicas que representam opostos: o bem e o mal são retratados como forças contrastantes. Os personagens que as representam agem de acordo com seu papel no enredo e seus intuitos definem o destino que têm nas histórias. Snicket, por sua vez, conduz as crianças protagonistas pelos mesmos caminhos imorais dos vilões para que elas – e o leitor – possam aprender a partir das adversidades. Assim, acreditamos que Desventuras em Série é um exemplo notável de como um autor não deve subestimar o intelecto do público juvenil e que essa literatura pode tratar de temas considerados adultos.
Dessa maneira, Daniel Handler constrói um mundo caótico e cheio de injustiças, onde os personagens questionam a moralidade de suas escolhas – e levam o leitor a questioná-las também. Neste mundo, o bem nem sempre é recompensado e o mal nem sempre é castigado, uma vez que a sorte e o acaso são fatores ainda mais significantes que a virtude, isto é, infortúnios podem acometer qualquer pessoa por qualquer motivo. O leitor descobre junto com os protagonistas que todos podem agir de forma nobre e vil, o que não só oferece complexidade ao universo da série, como também apresenta ao leitor uma visão realista do mundo real.
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