Meu corpo minha casa: um mergulho na nascente

Alana Pinto Margarida

Poeta, artista e performer, Rupi Kaur nasceu em Punjab, na Índia e ainda criança imigrou com sua família para o Canadá. Aos 21 anos ela publicou sua primeira obra milk and honey e logo após the sun and her flowers, juntas essas obras venderam mais de 8 milhões de cópias, sendo traduzidas para mais de 42 idiomas. Vale ressaltar, que além das poesias, as ilustrações contidas em suas obras também são produzidas pela autora.  Suas poesias versam sobre amor, relacionamentos, traumas, dor, abuso sexual, medo, imigração, superação, etc. 

A jovem escritora compartilha seus escritos nas redes socias, como Instagram e Tumblr, sendo a “principal responsável por popularizar o compartilhamento de poemas nas redes sociais, transformando a relação e a forma de consumo de poesia e abrindo caminho para outros jovens criadores, hoje conhecidos como instapoets”, segundo o blog da TAG – Experiências literárias. No entanto, começou a pensar em publicar por conta própria seu livro quando durante um workshop sobre escrita do qual participava, perguntou ao professor o que seria necessário para ter seu trabalho publicado, e a resposta obtida foi que ela teria mais chances de publicar poesias individuais em jornais, revistas, periódicos e antologias literárias, porém seus escritos eram sempre rejeitados, e ao selecionar e separar seus poemas percebeu que eles não expressavam a mesma ideia desligados um dos outros, era como arrancar peças de uma coleção. Então ela decidiu seguir o caminho da autopublicação por meio do CreateSpace. 

No final de 2020, a escritora indiana lançou seu mais novo trabalho home body, intitulado  no Brasil meu corpo minha casa, traduzido por Ana Guadalupe e publicado pela editora Planeta. Segundo o website da escritora, home body estreou em primeiro lugar nas listas dos livros mais vendidos no mundo todo. Seguindo a mesma estrutura das obras anteriores, meu corpo minha casa  é dividido em quatro partes: mente, coração, repouso e despertar.

 Como o próprio nome já sugere, a primeira parte trata sobre assuntos relacionados à mente, como a depressão, a ansiedade, a tristeza, a insegurança, etc.  Já na segunda parte, as poesias falam sobre sexo, relacionamentos e amor de todos os tipos, inclusive o amor próprio, que pode ser cultivado de muitas formas, como por exemplo, através do conhecimento sobre nosso corpo. 

em um mundo que pensa
que meu corpo não me pertence
dar prazer a mim mesma é um ato
de amor- próprio
quando me sinto desconectada
eu me conector com meu cerne
um toque por vez
eu retorno a mim mesma
na hora do orgasmo
(KAUR, 2020, p. 76)

Em repouso, Kaur aborda a produtividade do sistema capitalista, em que a todo momento temos que produzir algo, afinal, tempo é dinheiro e muitas vezes o dia não é suficiente para realizar todas as atividades. E nessa busca frenética para adequar-se ao sistema, acabamos sendo esvaziado por ele, deixando de lado nosso relacionamento com o mundo a nossa volta, por isso, para contrapor essa ideia da produtividade, nas páginas seguintes, a autora escreve sobre o equilíbrio entre o trabalho e o lazer, sobre a necessidade do descanso, do respeito à nossa mente e ao nosso corpo.

nem tudo que você faz
tem que melhorar cada vez mais
você não é uma máquina
você é um ser humano
sem descanso
seu trabalho não se satisfaz
sem diversão
sua mente não se sustenta
equilíbrio
(KAUR, 2020, p. 123)

Por fim, as poesias em despertar abordam questões que envolvem raça, preconceito e genocídio, e também questões sociais, como machismo, igualdade de gênero, sexualidade e  padrões de beleza e empoderamento feminino.

tem dias
em que a luz tremula
e então eu lembro
que eu sou a luz
eu entro
e a acendo de novo
potência
(KAUR, 2020, p. 188)

As poesias de Kaur revelam muito sobre sua trajetória, sobre a posição social que ocupa e uma das coisa que possivelmente possa chamar a atenção dos leitores é a grafia utilizada pela autora: sempre com letras minúsculas. Isso porque na língua materna dela, punjabi, não há essa diferenciação entre as letras, como há no português ou no inglês, por exemplo e quando iniciou  o processo de escrita, Rupi Kaur não possuía habilidades necessárias para escrever poesia na sua materna. Então, escrever desse modo para a autora está relacionado a uma questão identitária (mulher Sikh, diaspórica, falante de punjabi) mais do que romper as regras da língua inglesa. 

Com uma linguagem clara, direta e objetiva, as coleções de poesias de Rupi Kaur expressam o movimento da vida, onde passamos por diversos processos, enfatizando a constante mudança e evolução pessoal que podemos obter. Muito mais do que livros, podemos considerar as obras de Kaur como um convite para adentrarmos numa jornada pelo universo feminino – um mergulho na nascente –  atravessando as marcas do passado em busca da libertação: “ eu desperto para meu eu divino” (KAUR, 2020, p. 185).

Diante deste contexto social ensandecedor,  onde o mundo foi pego de surpresa por uma doença que nos obrigou a desacelerar, mudando a rotina, os hábitos e os planos, ceifando tantas vidas, Rupi Kaur presenteou a todos com meu corpo minha casa, enfatizando a necessidade de sermos “improdutivos”, para que possamos nos reconectar com nosso eu interior, com a natureza e com o outro. 

nossa alma
não vai encontrar calma
nas nossas conquistas
na nossa aparência
nem no nosso trabalho árduo
mesmo se ganhássemos
todo o dinheiro do mundo
ainda sentiríamos falta de algo
nossa alma busca comunidade
nosso eu mais profundo busca um ao outro
precisamos viver em contato
para nós sentirmos vivos
(KAUR, 2020, p. 109)

Referências

KAUR, Rupi. Meu corpo minha casa. Tradução de Ana Guadalupe. São Paulo: Planeta, 2020.

 

_____. Rupi Kaur. Disponível em: https://www.rupikaur.com/. Acesso em: 20 jan. 2021

TAG – Experiências literárias. Blog. Entrevista: Rupi Kaur e “Intérprete de males”. 2019. Disponível em: https://www.taglivros.com/blog/entrevista-rupi-kaur-tag-livros/. Acesso em: 21 de jan. 2021.