Inexistência (ou a tentativa)

Tayná Bauer

Estive fora por um minúsculo tempo que pareceu tanto. Um tempo que detinha no bolso a sensação de inércia. Eu fixava o olhar no papel e via o tempo relutando, hesitando, tentando avançar. Ouvia o arrastar do conteúdo de seu bolso…Arrastava, arrastava. Contudo, a sensação só engordava, alimentava-se da ficção que minha mente criava. Sentia a ausência de direção, ordem e movimento. Vazio ou plenitude? Prefiro pensar em uma espécie de prisão no instante ou segundo. Como era possível começar sem avançar? Fiquei estagnada no ponto. O ponto não é o final, é o antes de ser e o início do que será, ou melhor, na linha de Kandinsky: tudo começa com um ponto. Ora, o movimento de escrever e desenhar precisa de um início. O lápis toca o papel e ali está o “início da aventura pictórica”, um ponto. O que virá depois? O que se guardava antes? Estava entre o temeroso abismo e o possível começo de algo. 

Cambaleando sobre o “nada”, meu olhar estava compenetrado no ponto. Ainda via o bolso pesado do tempo carregando a sensação pulsante de tudo o que não passa. Mais viva do que nunca, eu sentia o vazio e ouvia o sibilar violento do que poderia acontecer depois do instante. Embora estivesse, ou não, no espaço isento de qualquer atividade cinética, em um quadro branco implorando pela primeira mancha de tinta, meus pensamentos se movimentavam. Eu torcia para que o ponto se transformasse. Ansiava para que o ponto se tornasse uma forma e para que meus pensamentos, finalmente, respigassem no ambiente. Mas tudo era uma possibilidade que pendia ora para um lado, ora para outro. Olhando ao redor, começava a me dar conta de que o estado de balança, ainda que metafórico, era o que mais se aproximava do que eu realmente me sentia ser. Alguma vez já havia me sentido ser? A indagação me desvencilhou da atmosfera vazia. 

Dentro daquele instante eu me enxergava e discutia com meus pensamentos. Não existia outra alternativa senão me concentrar na única coisa que pertencia ao espaço: eu. Lembro-me que a correria do meu juízo tomou conta quando parei de reparar no ambiente. Estava no meio do tráfego do caos da minha mente. Dentro de mim tudo corria exageradamente, não conseguia dar conta de selecionar um só pensamento. O tempo pesava e eu também. De uma forma que eu nunca compreendera, a simultaneidade acontecia no instante. Confusão, confusão, confusão. Era uma só, mas existiam tantas outras em mim. Tantas eus! Procurava por algo que não sabia o que era e, subitamente, pequenos e grandes demônios de mim começaram a me atacar. No meio daquele antes e concomitantemente depois, um estado não-figurativo nascia: eu crescia, via-me completa. Era meu mais completo estado ser – meus demônios misturados com meus anjos. Não queria estar falando de mim, mas é o que me restara. 

Não que eu sabia de tudo sobre a minha existência, nem gostaria, mas via sob um ângulo espantoso! Precisava pegar pensamento por pensamento e entender de qual precisava. Como criar uma ordem diante de tamanha confusão? Sobre o que seria a criação desse começo tão fatigante? A paciência de começar estava se esgotando…E para sair do ponto, era necessário decidir, organizar e dissociar o meu estado completo em pedaços selecionados de lembranças. Lembranças estas que me estruturariam em outras centenas de personas. Só assim vocês me compreenderiam e se ligariam a mim, se é que deveriam… 

Em algum instante depois daquele, eu precisava começar a escrever e sair do ponto-zero. Nunca conseguiria entender o que havia antes do ponto, no entanto sabia que havia um silêncio absurdo e inimaginável. Sabia dentro de onde estavam as possibilidades que viriam depois do ponto, uma dica: a escrita. O ponto se materializa na escrita. Eu precisava me movimentar, deixar passar ou sair do meio da passagem. Então deixei, abandonei a caneta, joguei a folha no lixo e, por fim, vi o tempo esvaziando o bolso e as migalhas das minhas sensações caindo. Estas ficaram aqui. 

Este texto vem antes do começo, é uma união entre o silêncio e a palavra. Talvez seja um nada ou uma tentativa de ser algo…E se fosse algo, não seria uma ficção? 

 


* O texto foi baseado na concepção de ponto segundo o pintor concretista Wassily Kandinsky, presente no livro Ponto e linha sobre plano (2012).