Mulheres e literatura: um olhar para a literatura de autoria feminina publicada pela revista Granta

Giovana Laura Scheibel

RESUMO: O presente artigo investiga como se caracteriza o protagonismo autoral da mulher brasileira no cenário literário atual, tendo em vista a divulgação da edição de Melhores Jovens Escritores Brasileiros da Revista Britânica Granta, publicada no ano de 2012. Para isso, são analisados seis contos de autoria feminina: “Aquele vento na praça”, de Laura Erber; “O que você está fazendo aqui”, de Luisa Geisler; “Noites de alface”, de Vanessa Barbara; “Faíscas”, de Carol Bensimon; “Fragmento de um romance”, de Carola Saavedra; e “O Rio sua”, de Tatiana Salem Levy. Tais análises se desenvolveram com base na crítica feminista e na ginocrítica e visam olhar criticamente para as personagens femininas, as estruturas formais e os temas sobre os quais os contos versam. A fim de dispor de um embasamento teórico, as primeiras seções foram dedicadas à definição do que é a crítica literária feminista, ao histórico sobre a literatura de autoria feminina, às informações sobre a literatura brasileira no exterior e aos detalhes sobre a Revista, sua publicação e as escritoras que a integram. Após as análises foi possível concluir que as autoras escrevem sobre os mais variados assuntos e das mais variadas formas. Nem todas criaram representações de personagens vistas como mulheres-sujeito, levando em consideração que algumas personagens femininas estavam nos contos apenas para serem admiradas. Além disso, é possível observar que em alguns dos contos há a presença de protagonistas homens, fato que também demonstra a liberdade criativa de que as autoras contemporâneas dispõem.

PALAVRAS-CHAVE: literatura de autoria feminina; Revista Granta; crítica feminista.

ABSTRACT: This paper investigates how Brazilian women’s protagonism is characterized in the literary scene nowadays considering the release of the edition Best Young Brazilian Writers in the British magazine Granta published in 2012. To this purpose, we analyzed six short stories of female authorship such as “Aquele vento na praça”, by Laura Erber; “O que você está fazendo aqui”, by Luisa Geisler; “Noites de alface”, by Vanessa Barbara; “Faíscas”, by Carol Bensimon; “Fragmento de um romance”, by Carola Saavedra; and “O Rio sua”, by Tatiana Salem Levy. Such analysis were developed based on feminist criticism and gynocriticism and aiming to look critically toward female characters, formal structures and themes about which the short stories relate. In order to dispose of a theoretical basis, the first sections were dedicated to define what is feminist literary criticism, the history about female authorship literature, information about Brazilian literature abroad and some detail about the magazine, its publication and the writers that take part on it. After analyzing it was possible to conclude that the authors write about the most varied themes and in many forms. Not all of them created characters’ representations seen as women-subject because some female characters were in the short stories just to be appreciated. Besides this, it is possible to observe that in some of the stories there is the presence of male protagonists, which also shows the creative freedom of which the contemporary authors dispose.

 KEYWORDS: Female authorship literature; Granta magazine; feminist criticism.

 Introdução

A história das mulheres na sociedade brasileira passou por momentos turbulentos, nos quais elas não podiam decidir sobre as suas próprias vidas, sendo que esse papel ficava a cargo da população masculina. Segundo Beauvoir (2009, p. 21), “os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condições”, levando em consideração que foi somente após a disseminação do feminismo que as mulheres passaram a compreender os seus direitos, lutar por eles e fazer parte da sociedade (DUARTE, 2003).

Sendo assim, quando as mulheres passam a assumir a sua voz – e a falar a partir dela –, elas vão contra o silêncio ao qual foram submetidas por séculos (ZINANI, 2013), ocupando, dessa forma, espaços que antes estavam destinados somente aos homens: na política, na sociedade e também no meio literário.

Devido a essa inserção, vários papéis sociais precisaram ser modificados, fazendo com que todos os sujeitos participantes passassem por um processo de incertezas quanto às suas próprias identidades (ZINANI, 2013), sendo necessário uma reafirmação de cada uma delas. Em meio a isso, é através da força do feminismo e da união entre as mulheres que elas passam a se identificar como sujeitos participantes da sociedade e reivindicar seus direitos e sua identidade. Através de uma emancipação “profunda, veloz e repleta de múltiplos significados” (CARVALHO, 2006, p. 20), as mulheres rompem uma série de tabus criados pelo sexo masculino, colocando em dúvida várias ideias culturalmente aceitas, e reafirmando, assim, uma identidade baseada em igualdade.

Conforme Beauvoir (2009), nas relações entre os sexos, as mulheres sempre foram vistas como o “outro” do homem, não conseguindo – até então – se opor ao fato, sendo que isso auxiliou no processo de exclusão da voz feminina dentro de todos os cenários da sociedade, inclusive na literatura. Tendo em vista o cenário literário, Duarte (2003) menciona que ele alia-se ao feminismo e torna-se importante meio de as mulheres poderem compartilhar suas ideias para a sua libertação. À vista disso, elas passam a escrever sobre os mais variados assuntos.

Podemos exemplificar essa situação através da escritora Rachel de Queiroz, que foi a primeira mulher brasileira a escrever livros que integraram as obras canônicas, bem como a primeira a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Na sua famosa obra O quinze (1930), mesmo dando voz a uma mulher que desafia os costumes, Rachel aborda a temática das secas, que é um problema recorrente na região onde a escritora nasceu e viveu.

Embora Rachel não se curvasse frente às práticas conservadoras, alguns autores contemporâneos a ela a criticavam pelas temáticas sobre as quais ela escrevia, outros desacreditavam que tais assuntos pudessem ser abordados por uma mulher. Graciliano Ramos, autor do romance Vidas Secas (1938), obra que trata também das secas do Nordeste, duvidou da identidade da autora: “Não há ninguém com esse nome. É pilhéria. Uma garota assim fazer romance! Deve ser pseudônimo de sujeito barbado” (RAMOS apud DUARTE, 2003, s.p.). Logo, mesmo que as mulheres conquistassem alguns espaços no meio literário, ainda havia um grande preconceito sobre o escrito delas.

Tendo esse cenário como ponto de partida, busca-se investigar como se caracteriza o protagonismo autoral da mulher brasileira no cenário literário atual, tendo em vista a divulgação da edição de Melhores Jovens Escritores Brasileiros da Revista Britânica Granta, no ano de 2012.

A Revista foi publicada no mencionado ano pela Editora Alfaguara, por intermédio do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior (FERES; BRISOLARA, 2016). Nela, há vinte contos inéditos de autores nascidos depois do ano de 1972 e que já tinham publicado algum texto de ficção. Dentre esses autores, há seis mulheres, dessa forma, os contos escritos por elas serão analisados neste artigo.

A fim de investigar características da literatura contemporânea de autoria feminina, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica, na qual uma série de autores e autoras embasam as análises dos contos. Após a coleta de informações, a investigação se deu para conhecer melhor quem são essas jovens autoras publicadas pela Revista Granta.

Ainda, através de uma pesquisa qualitativa, a análise dos contos buscou investigar se há temas recorrentes neles, analisando também as estruturas formais e as representações femininas que são encontradas nestes contos. Todas essas análises, embasadas na crítica feminista e na ginocrítica (SHOWALTER apud ZINANI, 2013), serviram para investigar aquelas características que são comuns a todos ou à maioria dos contos e das autoras.

A temática mostra-se relevante pois o cenário literário ainda é dominado por homens e repleto de estereótipos e preconceitos que permeiam tanto a escrita da mulher, quanto as personagens femininas na literatura. Logo, a fim de investigar como o protagonismo autoral da mulher brasileira se caracteriza no cenário literário internacional, a presente pesquisa se desenvolveu. Nesse sentido, a escolha pela Revista Granta se deu pelo fato dela ser uma iniciativa que dá destaque à Literatura Brasileira no contexto internacional[1].

Dessa forma, este artigo encontra-se dividida em cinco seções, intituladas da seguinte maneira: A crítica feminista e a representação das personagens mulheres na literatura contemporânea brasileira de autoria feminina; Uma breve história da autoria feminina no Brasil; A Revista Granta e a edição especial de Melhores Jovens Escritores Brasileiros; Os contos e as autoras; finalizando com as Considerações Finais.

Na seção a seguir, é abordada a crítica feminista e a forma como as personagens mulheres são caracterizadas nas obras contemporâneas de autoria feminina.

A crítica feminista e as representações das personagens mulheres na literatura contemporânea brasileira de autoria feminina

 Durante séculos, a história das mulheres foi contada através da perspectiva do homem, que, em suas narrativas, criava mulheres que permaneciam em casa, dedicadas à família e aos afazeres domésticos. Se houvesse representações que fugissem desse modelo, essas personagens eram vistas como transgressoras.

Uma representação muito comum nos anos 1960 – e que persiste até hoje em algumas obras literárias – dizia respeito a mulheres que precisavam se multiplicar em várias para conseguir concluir as tarefas que lhes eram cobradas: cuidar dos filhos, competir no mercado de trabalho, ser mãe, esposa e uma boa dona de casa e, ainda assim, permanecer bonita, magra e bem cuidada (ZOLIN, 2009).

Tais representações variam com base no grupo que as criam, mas, por outro lado, têm uma forte conexão com o poder (ZOLIN, 2009). Devido a isso, em uma sociedade patriarcal, a história das mulheres será contada pelo ponto de vista do homem, não permitindo que elas se imponham na narrativa. Como exemplo, podemos citar Dom Casmurro, de Machado de Assis, obra na qual o ponto de vista predominante é masculino. Embora o narrador-personagem dê grande importância à Capitu, a suposta traição da moça é narrada conforme os olhos de Bentinho, que atribui a ela características e uma história que só contempla o que ele vê ou acredita. Em função da conhecida ambiguidade machadiana, cabe, então, ao/à leitor/a ou ao/à crítico/a, interpretar a relevância da mulher na obra. Por muitos anos, essa interpretação levou à condenação de Capitu, o que só começou a mudar a partir da crítica feita em 1960 por Helen Caldwell (2002), que demonstrou que o autor não atribuiu culpa à personagem.

Se, por um lado, vemos retratos de mulheres extremamente estereotipadas, a representação de personagens femininas mais condizentes com a realidade começa a aparecer, tensionando aquelas anteriormente criadas. Atualmente, é possível ver que a representação delas, na maioria das vezes, diz respeito a “mulheres-sujeito, capazes de decidir o rumo que desejam imprimir à própria vida” (ZOLIN, 2009, p. 113).

Uma estratégia utilizada por autoras contemporâneas para mudar as representações femininas, principalmente em clássicos da literatura, é a reescrita (ZOLIN, 2011). Muitas escritoras contemporâneas estão se valendo de personagens femininas de séculos anteriores para dar-lhes voz e uma história na qual elas sejam protagonistas e trilhem o seu próprio caminho.

Zolin (2011) cita exemplos dessa reescrita que dá voz a personagens que sempre foram caladas, entre elas está A audácia dessa mulher (1999), de Ana Maria Machado. Essa obra dá voz a Capitu, que se reinventa e ignora a taxação de “mulher infiel” criando uma vida a partir de seus próprios méritos. Conforme analisa Zolin (2011), ela se reergue e passa a assumir os rumos da própria vida ignorando o pensamento patriarcal. Reafirma-se profissional e pessoalmente, relatando a nova situação da mulher na sociedade, que foi conquistada graças ao feminismo.

Além da importância de autoras e autores escreverem histórias cujos protagonistas sejam mulheres condizentes com a realidade, é de suma relevância pensar o papel da crítica literária nesse processo. Segundo Showalter (apud ZINANI, 2013), a crítica literária está a cargo, em sua maioria, de homens, brancos, heterossexuais e de classe média, sendo interpretadas frequentemente pelo olhar da tradição patriarcal. É importante frisar que há homens pertencentes a esses grupos, mas que se valem da crítica feminista em suas análises e produção, não podendo haver, dessa forma, uma generalização do fato anteriormente citado. No entanto, com base nessa visão machista, muitas interpretações e pontos de vista não são contemplados pela crítica, levando em consideração que muitas vezes são as experiências de vida que determinam opiniões a respeito dos mais variados assuntos.

Contrapondo-se a isso, cria-se a crítica feminista que, conforme Silva (2008), emerge com importantes contribuições do feminismo, em especial dos anos 1960, propondo para a literatura novos olhares e novas perspectivas. A autora supramencionada pontua, ainda, que Showalter, referência da crítica feminista, desenvolveu o termo ginocrítica, referindo-se à crítica destinada às mulheres enquanto escritoras, investigando “os aspectos pertinentes à produção literária” (ZINANI, 2013, p. 21), buscando pontos específicos dos escritos das mulheres. À vista disso, o objetivo da crítica é fazer com que a mulher assuma a sua voz e seja capaz de, por meio dela, expressar sua consciência e sua subjetividade.

Zinani (2013) comenta que outra contribuição muito importante é a formação da própria leitora, que necessita ser crítica também, buscando romper com o círculo de representação de mulheres silenciadas na Literatura Brasileira. A autora supramencionada cita a importância de que haja um grupo com o olhar atento e familiarizado com a expressão da mulher, podendo participar da luta proposta pela crítica feminista, derrubando estereótipos e auxiliando no processo de transformação da mulher em um ser atuante no cenário literário (ZINANI, 2013).

Tal mudança só foi possível graças a um processo histórico e social, que será detalhado na próxima seção.

Uma breve história da autoria feminina no Brasil

Não é novidade que, quando o assunto é direitos e lugar de fala[2] (RIBEIRO, 2020) as mulheres sempre tiveram dificuldades para se imporem perante esse cenário, enquanto os homens sempre foram aqueles que ditavam as regras das sociedades. Duarte (2003) exemplifica essa afirmação através do fato de que as mulheres não tinham direito de aprender a ler e a escrever, pois, na ideia masculina, serviam apenas para os afazeres domésticos. Na concepção da autora, é no momento em que insurge o movimento feminista que o sexo feminino passa a se unir e a gritar por direitos que também eram seus. Tomando as bandeiras como escudos, elas passam a lutar contra qualquer tipo de opressão e desigualdade, buscando, dessa maneira, a sua nova identidade (COELHO, 1991).

Com base em um panorama histórico feito por Duarte (2003), menciona-se que, embora as mulheres lutassem para reivindicar seus direitos há muito tempo, foi somente em 1827 que foi aprovada a primeira legislação autorizando a abertura de escolas particulares destinadas a elas. Se, como pontuado pela autora supracitada, a educação já era defasada, a presença de mulheres no cenário literário era ainda mais limitada, poucos nomes eram conhecidos e os conteúdos produzidos por essas escritoras diziam respeito a temas que não eram considerados polêmicos, como moda e teatro (DUARTE, 2003).

Após essa primeira conquista, algumas mulheres passaram a escrever para que outras tantas pudessem conhecer o movimento feminista e se unir à luta pela igualdade de direitos. Nesse momento, as primeiras obras literárias de cunho feminista foram registradas na história da literatura de autoria feminina (DUARTE, 2003).

Baseando-se no levantamento de Duarte (2003), o livro que pode ser considerado o marco do feminismo no Brasil é Direito das mulheres e injustiça dos homens (1832), de Nísia Floresta Brasileira Augusta, sendo o primeiro livro brasileiro que trata do direito das mulheres à educação e ao trabalho. A ideia da obra era traçar um panorama, buscando na herança portuguesa a origem do preconceito para com as mulheres, e demonstrar para todos que o sexo feminino é tão capaz intelectualmente quanto o masculino.

Nesse mesmo estudo desenvolvido por Duarte (2003), constatou-se que outra manifestação literária que deu oportunidade de fala às mulheres foram os jornais. A linguagem jornalística e a fácil disseminação desse meio de comunicação fez com que as ideias feministas atingissem um número maior de pessoas. Tendo mulheres à frente do comando desses jornais, todos eles tinham como intuito conscientizar o sexo feminino do seu valor e de seus direitos tanto ao trabalho remunerado quanto à voz e à emissão de opiniões (DUARTE, 2003).

Com base na autora mencionada, foi durante a Semana de Arte Moderna que uma das obras mais polêmicas da literatura de autoria feminina foi publicada: Virgindade inútil – a novela de uma revoltada, de Ercília Nogueira Cobra. O livro versava sobre a exploração sexual e trabalhista da mulher e rendeu à autora perseguições do Estado Novo, que, inclusive, a prendeu.

Como pontuado por Duarte (2003), dizer que estamos no pós-feminismo é equivocado, pois as mulheres continuam lutando para que possam adentrar outros espaços que antes eram reservados apenas aos homens, inclusive nos dias atuais. Após conquistarem o direito à escrita, outros empecilhos cruzaram os caminhos das mulheres que desejavam escrever, estando eles atrelados aos preconceitos da cultura machista, fazendo com que fosse necessário que as mulheres continuassem a se reafirmar quanto intelectualmente capazes (DUARTE, 2003).

Tendo isso em vista, pondera-se que a literatura de autoria feminina foi também uma literatura de protesto, cuja finalidade era lutar contra a opressão sofrida por mulheres que tinham suas vozes silenciadas e seus intelectos postos em dúvida. É fato que ainda existem vestígios da cultura patriarcal dentro do cenário literário atual, mas não pode ser deixado de lado o mérito de nossas antepassadas que lutaram pela liberdade autoral que as escritoras dispõem hoje (DUARTE, 2003).

Logo, é de imensa importância conhecer como é produzida a Literatura Brasileira Contemporânea de autoria feminina, tema que será tratado na seção a seguir.

A autoria feminina na Literatura Brasileira Contemporânea

Duarte (2017) pontua que até o século XIX eram os homens que dominavam o cenário literário, e nesse momento, a literatura era vista como sendo “sem sexo”. É no instante em que as mulheres conseguem publicar seus livros que é criado um novo recorte para a literatura: a chamada literatura feminina. Corroborando com a ideia da autora, Welter (2019) problematiza o uso deste termo, visto que dá uma ideia de que obras escritas por mulheres só serão sobre temas que, estereotipados, fazem parte do “universo feminino”.

Enquanto obras escritas por homens são denominadas como literatura, por qual motivo dizer que obras escritas por mulheres são literatura feminina? Logo, é por esse motivo, que, ao longo deste artigo, o termo “literatura feminina” não será utilizado, tendo em vista que remete a hierarquias que não existem e que só reafirmam estereótipos que precisam ser superados.

Alicerçado nos mesmos preconceitos que regem o termo “literatura feminina”, Zolin (2009) destaca que, antigamente, os vistos “marginalizados” – nesse nicho se encontravam mulheres, negros, homossexuais – tinham suas vozes silenciadas e suas artes postas em segundo plano, apagando as diversidades existentes. Segundo a autora, no contexto da pós-modernidade, as relações entre os gêneros vão se modificando e a mulher passa a ser parte integrante de questões sociais e econômicas. Na literatura não é diferente, os textos que são escritos por mulheres passam a ser lidos e discutidos nos mais variados contextos de circulação.

Bosi (2017) destaca que se percebem novas configurações de mundo, e, por isso, são exigidas novas experiências artísticas, a fim de espelhar o que há de novo na representação da vida moderna.

Embora as relações tenham mudado, o cenário literário ainda é muito homogêneo e quem o domina é o sexo masculino. Baccon e Haetinger (2020), através de uma pesquisa sobre o Prêmio Jabuti, constataram que as mulheres precisam estar mais tempo do que os homens no meio literário para que sejam reconhecidas. Dalcastagnè (2012) complementa tal afirmativa ao citar alguns números de premiações nacionais que demonstram que entre os anos de 2006 e 2011 apenas uma mulher foi premiada, em oposição a vinte e nove homens. As estatísticas ficam ainda mais alarmantes quando são colocadas questões raciais e socioeconômicas em pauta.

Através disso, é possível perceber que todo lugar é de intensa disputa na literatura, uma vez que as vozes marginalizadas (DALCASTAGNÈ, 2012) precisam se reafirmar e resistir constantemente, pois cria-se uma hierarquia daqueles que podem escrever e daqueles que não têm as suas verdades validadas. A grande questão que se pode fazer quando essas vozes silenciadas entram no campo literário é a dificuldade que encontram em terem autoridade de fala e direito de se expressarem através da literatura (DALCASTAGNÈ, 2012).

Logo, essa literatura que emerge das minorias silenciadas é mais consciente das mazelas do mundo, pois, na maioria das vezes, falam das suas vivências e buscam denunciar situações que ainda persistem em acontecer, tomando o seu lugar de fala (RIBEIRO, 2020) como objeto de denúncia (DALCASTAGNÈ, 2012).

É a partir do momento em que a mulher adentra o cenário literário que ela tem a oportunidade de expor o seu ponto de vista e ser ouvida por ele, “promovendo uma reflexão sobre a história silenciada e instituindo um espaço de resistência contra as formas simbólicas de representação por meio da criação de novas formas representacionais” (ZINANI, 2013, p. 32).

Dalcastagnè (2012) menciona que a literatura contemporânea está alicerçada em uma série de outros discursos proferidos por outras obras e períodos literários, mas também pela própria sociedade na qual ela se constrói. Ou seja, a autora contemporânea transporta todos os elementos próprios do espaço em que habita e as integra em sua literatura, sendo por meio dessas características que as personagens contemporâneas falam de si e do local de onde vivem (DALCASTAGNÈ, 2012).

À vista disso, como citado por Duarte (2003), as mulheres passam a assumir as suas vozes, e a inspirarem tantas outras a fazerem o mesmo, no momento em que começam a escrever as suas próprias histórias. Dessa forma, é importante relembrar que foram as lutas travadas pelas gerações passadas que possibilitaram que as autoras dispusessem de um território mais confortável para se expressarem literariamente.

Diante disso, na seção seguinte, o olhar se voltará à história da Revista Granta e às autoras publicadas na edição de Melhores Jovens Escritores Brasileiros, divulgada no ano de 2012. Juntamente a isso, trazemos as análises dos contos que integram a Revista, bem como uma breve biografia a respeito de cada uma das autoras.

A Revista Granta e a edição especial de Melhores Jovens Escritores Brasileiros

 É pautado por diversos críticos, em especial por Antônio Candido (apud DANTAS, 2019), que uma das barreiras que impede que a Literatura Brasileira seja amplamente divulgada no exterior é a língua. O português ainda é pouco conhecido e é a língua inglesa que domina o mercado editorial, tendo altos índices de publicações em todo o mundo.

Por outro lado, os esforços para que a Literatura Brasileira fosse amplamente divulgada no exterior se concentram na segunda metade de 1970, momento em que a globalização diminuía a distância entre o Brasil e os mercados considerados preferidos, como Europa e Estados Unidos (ZILBERMAN, 2010). Devido a esse processo, a disseminação da literatura produzida por autores e autoras brasileiros no mercado editorial internacional tornou-se muito mais simples, uma vez que a barreira da distância havia sido superada.

Zilberman (2010) destaca que é através do estreitamento desses muros que torna-se possível a realização de diversos eventos internacionais, promovendo a exposição do que está sendo publicado no Brasil. Bienais e congressos internacionais são muito importantes no processo de internacionalização de obras de autoria brasileira, visto que esses eventos reúnem editoras de várias partes do mundo.

Conforme pontuado por Dantas (2019), as editoras que mais participam do processo de tradução de livros brasileiros para o exterior – Rocco, Companhia das Letras e Record – são editoras que já possuem um prestígio no cenário literário nacional. Além disso, existem algumas iniciativas governamentais que auxiliam no processo de publicação no exterior, dentre elas estão o Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior e o Brazilian Publishers.

Nesse sentido, foi por intermédio do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, vinculado ao Ministério da Cultura, que a Revista Granta foi publicada. A iniciativa tem como objetivo oferecer bolsas de incentivo para editoras estrangeiras que desejam traduzir obras brasileiras – inéditas ou não – para qualquer idioma e distribuir de forma física ou digital (FERES; BRISOLARA, 2016).

A Revista foi iniciativa de um grupo de alunos da Universidade de Cambridge que, em 1889, a fundou como veículo de disseminação de notícias dentro da Universidade. Após uma reformulação, ganhou o formato de revista literária, lançou livros com o selo Granta, “que rapidamente adquiriram status e prestígio, contribuindo para a sua consolidação como editora literária independente” (FERES; BRISOLARA, 2016, p. s151).

A primeira lista publicada pela Revista data de 1983 e lançou vinte nomes de autores britânicos com menos de quarenta anos de idade. Entre eles estavam escritores/as que, futuramente, viriam a ser grandes nomes da literatura.

Feith e Ferroni (2012) pontuam que a edição de Melhores Jovens Escritores Brasileiros foi uma iniciativa da Granta em Português a fim de divulgar grandes autores da literatura contemporânea produzida no Brasil. As inscrições para a seleção contaram com narrativas de diversas partes do país e aceitavam textos de autores nascidos após 1972 e que já tivessem publicado algum texto de ficção.

Os escritos que participaram da seleção deveriam ser inéditos e, após meses de avaliação, sete jurados escolheram, dentre os diversos textos, vinte contos que seriam publicados na edição especial da Revista Granta, no ano de 2012. Entre os jurados estavam escritores, tradutores, professores universitários, editores e críticos literários.

A Revista foi, inicialmente, publicada em português, mas ganhou traduções para o inglês – revistas que circulam pelo Reino Unido e Estados Unidos da América – e espanhol – Espanha e América Latina –, dando destaque para jovens escritores em busca da visibilidade internacional de sua literatura (FEITH; FERRONI, 2012).

Tais autores serão abordados na próxima seção, juntamente com os seus contos.

Os contos e as autoras[3]

Entre os vinte contos escolhidos para integrar a Revista, apenas seis são escritos por mulheres. São elas: Laura Erber, Luisa Geisler, Vanessa Barbara, Carol Bensimon, Carola Saavedra e Tatiana Salem Levy. Na presente seção, será apresentada uma breve biografia das autoras, seguida de uma análise dos contos de cada uma delas. Essa análise contemplará os temas presentes neles, as estruturas formais e as representações femininas que aparecem nas narrativas.

“Aquele vento na praça”, de Laura Erber

 Segundo o site Flip (2020), Laura Erber nasceu no ano de 1979 no Rio de Janeiro, é artista visual, escritora de ensaios, poesias e histórias curtas. Erber tem doutorado em Literatura pela PUC Rio e já foi escritora em residência na Pen Center de Antuérpia e na Akademie Schloss Solitude de Stuttgart, na Alemanha. Era professora do Departamento de Teoria do Teatro e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Tem publicado diversos contos e ensaios e foi finalista da categoria poesia do Prêmio Jabuti, com o livro Os corpos e os dias (2008).

“Aquele vento na praça” narra a história de um homem que vai em busca de relíquias e obras não conhecidas deixadas por Paul Neagu, artista que já é falecido. A jornada do personagem inicia quando ele é convidado a ir em busca dessas relíquias e se encontrar com Stefan Ptix, que guarda algumas obras inéditas do artista. Dessa forma, o homem vai até Bucareste a fim de encontrá-las.

No decorrer dessa viagem, o homem conhece Martina, única mulher que tem nome, rosto e voz, sendo, dessa maneira, a única personagem feminina que ganha amplo destaque durante a narrativa. A moça é uma camponesa que passa os seus dias cuidando do pai doente e das plantações, contudo, aos olhos de quem a descreve, neste caso, Paul, ela é vista como uma deusa, dona de uma magia inexplicável: “Havia um estranho magnetismo naquela moça […]. Pela devoção com que os vizinhos a cumprimentavam, entendi que não era só eu, o vilarejo estava sob o mesmo estranho feitiço” (ERBER, 2012, p. 31). A imagem de que a mulher precisa encantar os homens ganha destaque, tendo em vista que é essa história que nos é contada.

Outras duas personagens femininas aparecem na história, mas elas são descritas como dramáticas e desequilibradas: “contou sobre o divórcio litigioso, o tratamento psiquiátrico da filha, rocambolescas estórias da ex-mulher que, de tempos em tempos, ameaçava um suicídio à la Puccini” (ERBER, 2012, p. 30), fazendo o contraponto entre dois opostos: as bonitas e as desequilibras. As demais personagens mulheres que aparecem durante a história não ganham um amplo retrato físico ou psicológico, sendo a descrição limitada a poucas características, demonstrando a restrita importância que elas têm para a narração e para o narrador.

O conto é narrado através de recortes (separados em parágrafos), que dão a ideia de movimento dentro da narrativa, funcionando como saltos da história. Ele se passa em um ambiente em transição, pois as diversas “tomadas” das cenas são narradas em locais diferentes da cidade, mas com um enfoque ao vilarejo em que vivem Stefan e Martina Ptix.

Outro tópico importante a ser pontuado é a menção a outros artistas e escritores durante a narração, sendo a maioria deles homens, não demonstrando a profissão de nenhuma das mulheres que fazem parte da história.

 “O que você está fazendo aqui”, de Luisa Geisler

 Luisa Geisler nasceu no ano de 1991, na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, e, com base em Grillo e Rodol (2016), iniciou sua carreira literária bem cedo: aos dezenove anos foi finalista do Prêmio Jabuti, além de ser a mais jovem escritora mencionada pela Revista Granta (MUNDO ESCRITO, 2018).

Segundo o site Mundo Escrito (2018), Luisa já ganhou duas vezes o Prêmio SESC de Literatura: uma na categoria conto com seu livro de estreia Contos de Mentira (2011); e outro com sua novela de estreia – Quiçá (2012) – na categoria romance.

Geisler é tradutora, escritora, mestra em Processos Criativos pela National University of Ireland. Seus livros já foram publicados em diversas partes do mundo, como Alemanha, Estados Unidos, França, Japão e vários outros países (COMPANHIA DAS LETRAS, c2020). Foi escritora residente na OMI ART International, em Nova York, no ano de 2014, além de ter sido convidada para ministrar palestras em diversas universidades internacionais.

“O que você está fazendo aqui” é narrado através de flashes das viagens a trabalho de Lucas, representante de uma empresa que viaja o mundo em busca de novos clientes. Devido à impossibilidade de se fixar em um só lugar, Lucas não mantém nenhuma relação duradoura, tornando-se uma pessoa solitária e extremamente fria, que se dedica inteiramente ao trabalho. Apesar disso, em uma de suas viagens, ele conhece Meike, que é uma mulher muito bonita, e os dois acabam se relacionando. No entanto, eles se veem apenas quando Lucas viaja para Hamburgo, local onde ela mora. Em uma mescla de infelicidade e insuficiência, o personagem decide largar o emprego e cogita ir até Meike a fim de que eles possam construir uma relação duradoura.

Neste conto, todas as mulheres são personagens secundárias, uma vez que o protagonista é o próprio Lucas. Duas mulheres ganham um pouco mais de visibilidade no texto: Meike e a mãe do personagem principal.

Meike é caracterizada como uma mulher muito bonita, apaixonada, brincalhona, espontânea e que se preocupa com o protagonista, mas em diversas passagens do conto ela é sexualizada, reafirmando estereótipos de beleza: “As coxas dela se tocam quando ela fica em pé. Ela é linda. […] É linda, loira, aqueles olhos verdes. […] Abraço a cintura dela, macia e fina” (GEISLER, 2012, p. 55).

A mãe de Lucas é caracterizada como extremamente carinhosa, apegada e preocupada com o filho: “Minha mãe volta com uma toquinha chilena que ela comprou na última viagem e coloca em mim. […] Minha mãe diz pra eu usar a toquinha quando fizer frio, vai nevar em Paris” (GEISLER, 2012, p. 59). Ele, por outro lado, pensa de outra maneira “Ver minha mãe causa um incômodo físico, esse excesso de perguntas, esse excesso de interesse, cuidados […]” (GEISLER, 2012, p. 59), ou seja, dá pouca importância para os cuidados da mãe.

É muito perceptível que, em um primeiro momento, Lucas não retribui o carinho nem à mãe e nem à Meike. No entanto, ao final da narrativa, Lucas busca esse sentimento que negou durante a sua vida inteira. O personagem deseja voltar para os braços da amada, como quem volta para o colo da mãe, depois de uma grande decepção: “Buscar ela e buscar que ela seja o meu lugar no mundo […]” (GEISLER, 2012, p. 62). É pertinente frisar que as duas personagens são descritas como maternais e muito protetoras, com imensa graça e sutileza, sendo possível ver essa caracterização extremamente “feminina”.

O conto é estruturado em flashes, que versam sobre as viagens e as experiências de Lucas. Cada novo salto é interrompido pela palavra Weltanschauung, que serve como divisor de águas dentro do conto. Essa palavra aparece sempre duas vezes e no meio dela há sempre uma pergunta, como se o narrador estivesse mantendo uma conversa com o leitor. Baseando-se no significado da palavra – relacionada à cosmovisão –, ela pode remeter à ideia do mundo capitalista no qual vivemos, em que trabalhamos muito, aproveitamos pouco e criamos limitados laços durante a vida, pois não temos tempo para dar atenção a quem amamos.

Esses flashes, em sua maioria, passam-se em um ambiente urbano e extremamente movimentado: aeroportos, ruas, shoppings, entre outros. Um único cenário que destoa um pouco dos demais é a casa da mãe, que, com poucas descrições, pode representar o distanciamento que ele tem com ela.

O título do conto pode ser relacionado a diversos momentos da vida do protagonista: quando Lucas vai visitar a mãe e não a avisa que está indo; a dúvida que ele tem sobre a sua profissão e as diversas viagens internacionais que ele faz; a incerteza quanto ao que ele fará em seguida; a pergunta que Meike fará a ele no momento em que o protagonista chegar na casa da moça.

 “Noites de alface”, de Vanessa Barbara

 Vanessa Barbara nasceu em 1982 em São Paulo, é escritora, tradutora e jornalista, atualmente é colunista na Folha de S. Paulo e no The International New York Times.

Ganhou, no ano de 2006, o Prêmio Jabuti na categoria reportagem com O livro amarelo do terminal (2008), e o Prêmio Paraná de Literatura, no ano de 2014, com seu romance Operação Impensável (2014) (CÂNDIDO, [2014?]).

Como tradutora, lançou, em 2011, sua versão de O grande Gatsby (2011) pela Editora Companhia das Letras (PORTAL DOS JORNALISTAS, 2017).

Em “Noites de alface”, a história de amor de um casal de idosos é narrada. Em tese, são abordadas as lembranças que Otto têm ao pensar, com saudade, em Ada, grande amor do personagem, que faleceu antes do conto iniciar. É uma história de amor interrompida pela morte e um passeio para descobrir tudo aquilo que vem depois dela: “Eram bons amigos, de modo que a morte de Ada deixou silêncio nos corredores da casa amarela” (BARBARA, 2012, p. 127). A história nos guia pelas etapas do luto e pelas mudanças ocasionadas na vida de Otto em decorrência do falecimento da companheira.

Esse conto faz parte de seu romance homônimo, que foi lançado posteriormente pela Editora Alfaguara e traduzido para diversos idiomas (AGÊNCIA RIFF, c2018).

A história se passa em uma localidade tranquila, não podendo ser caracterizada como uma cidade no meio urbano. E é nesse ambiente que Otto narra a história de Ada, sua esposa. A mulher deste conto é uma senhora extremamente gentil – “[…] era ela quem resolvia os problemas e arrumava emprego aos que precisavam” (BARBARA,2012, p. 129) –, amável, respeitada e admirada por todos – “a vizinhança respeitou um luto de três dias” (BARBARA, 2012, p. 129) –, que viveu uma linda história de amor com o homem da sua vida. Embora a mulher só apareça no conto para ser amada e ser a estereotipização de “feminina”, não há como negar a importância que ela tem para a continuidade da narrativa, uma vez que ela é a temática principal do conto.

A história relata como a morte chega sem avisar, instaurando a dor e a saudade naqueles que ficam: “Quando Ada morreu, as roupas ainda não tinham secado. O elástico das calças continuava úmido, as meias grossas, as camisetas e as toalhas de rosto penduradas do avesso, nada estava pronto” (BARBARA, 2012, p. 127). A narrativa se desenrola por meio de lembranças que Otto tem da esposa, juntamente com pensamentos dele sobre a morte, o processo do luto e o imenso vazio que ficou na vida do personagem quando Ada se foi.

É um conto muito sensível, no qual são perceptíveis as mudanças durante as fases da vida, desde o namoro, o casamento, passando pela velhice – “Ada foi envelhecendo com Otto, e no fim das contas era quase impossível distinguir o tom de voz, a risada, o jeito de andar de um e de outro” (BARBARA, 2012, p. 127) – e finalizando com a saudade que fica quando o outro parte.

 “Faíscas”, de Carol Bensimon

 Carol Bensimon nasceu na capital do Rio Grande do Sul no ano de 1982 e reside atualmente na Califórnia. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural (2017), é mestra em Escrita Criativa pela PUCRS e doutora em Literatura Comparada pela Université Sorbonne Nouvelle, de Paris. Na literatura, destaca-se por ser contista, romancista e tradutora.

Seu romance Sinuca Embaixo d’Água (2009) foi finalista dos prêmios São Paulo de Literatura, Jabuti e Bravo! (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL, 2017). Segundo o site da Editora Companhia das Letras (c2020), o livro O Clube dos Jardineiros de Fumaça (2017) foi ganhador do Prêmio Jabuti na categoria romance.

Teve livros traduzidos nos Estados Unidos, Argentina e Espanha. Escreveu, também, para a editora norte-americana McSweeney’s (CAROL BENSIMON, [entre 2017 e 2021]).

O conto “Faíscas” inicia com a volta de Cora para a casa na qual ela cresceu e passou a infância e a adolescência. Quando maior de idade, decide abandonar esses laços e ir em busca da sua vida, sozinha e livre de qualquer amarra que a prendesse ao passado. A volta para a casa da sua infância se dá pela necessidade de buscar o seu carro, que havia ficado na garagem de sua mãe. Quando ela retorna para a casa na qual viveu, é nocauteada por uma série de recordações e relembra momentos importantes de sua vida.

A parceira de fuga de Cora é Julia e, embora elas sejam amigas de infância, a relação das duas foi abalada pela distância, pelo tempo e pelas escolhas de cada uma delas. A viagem inicia com um ar de lembranças e continua com a dúvida a respeito dos laços que mudaram e da insegurança que ainda permeia nelas: “Aquela viagem era mais um fracasso irresistível” (BENSIMON, 2012, p. 196).

Esse conto é o primeiro capítulo do romance Todos nós adoramos caubóis (2013). “Faíscas” é o primeiro conto, dentre os analisados anteriormente, que tem uma protagonista e narradora mulher. Na história, evidenciam-se três personagens femininas: Julia, Cora e a mãe de Cora.

Julia é extremamente simples, “[…] adaptável, que tirava o melhor de tudo o que você apresentasse a ela” (BENSIMON, 2012, p. 189), ficando feliz com pouco. É otimista, cresceu no interior do Rio Grande do Sul (Soledade), é despreocupada e mantém uma relação distante com a família, prezando pela liberdade que essa distância familiar traz.

Cora, que é quem narra a história, é uma mulher que vai atrás do que deseja, não é apegada às coisas, é livre, autossuficiente, corajosa, vem de família rica e já morou fora do país. Todas essas qualidades fazem dela uma protagonista forte e extremamente dona de si.

As duas meninas são extremamente livres, e não se prendem a estereótipos de como elas deveriam se portar, se vestir ou agir, tendo controle para decidir sobre as suas vidas e sobre os caminhos que desejam seguir. Ambas tiveram oportunidades muito significativas na vida: faculdade, viagens internacionais, liberdade, situações que não são mencionadas nos demais contos analisados até aqui.

Tendo em vista os conhecimentos guardados devido às vivências delas, em determinado momento da viagem um homem questiona sobre as botas que Cora usa: “Essas tuas botas são de homem” (BENSIMON, 2012, p. 191). A garota imediatamente revidou, demonstrando que ela não se prende a estereótipos daquilo que é ou não feminino: “Acho que o senhor não é um especialista em moda” (BENSIMON, 2012, p. 191). Isso só demonstra, mais uma vez, a diferença entre as protagonistas dos contos anteriores e as deste.

O carro é um elemento muito importante da narrativa, uma vez que ele é o pano de fundo da jornada das garotas em busca de liberdade, levando em consideração que ele é o meio de locomoção que elas utilizam para embarcar em sua viagem. Quando mais jovem, Cora justificava seu apreço por carros devido à possibilidade de “rodar pelas pistas livres da madrugada sem jamais chegar a um ponto B” (BENSIMON, 2012, p. 186). Foi esse mesmo desejo de liberdade que motivou Cora a ir em busca de outros lugares para desbravar, e, ao fazer isso, deixou para trás todo o seu passado (família, amigos, o carro, casa, a rua).

Ao retornar à casa onde passou sua infância e adolescência, ela relata que tudo está muito diferente: “Não era mais a mesma rua, quer dizer, era a mesma rua, mas no lugar das casas de meus amigos de infância – onde eles estavam agora? – tinham erguido um prédio” (BENSIMON, 2012, p. 186). É possível perceber uma espécie de arrependimento por ter deixado esse local, mas ao mesmo tempo é perceptível que ela deseja cada vez mais a liberdade que sair de lá lhe proporcionou, levando em consideração que ela “sequer considerava a possibilidade de voltar” (BENSIMON, 2012, p. 185).

A protagonista se encontra em constante batalha entre o presente e o passado, a razão e a emoção, uma vez que recorda os momentos felizes que viveu na casa e ao mesmo tempo tenta reconstruir a rua da sua infância, buscando vestígios que ainda permaneciam lá.

A mãe de Cora é uma mulher solitária, que mora sozinha em sua residência, de alguma forma ela é abandonada pela filha, a quem não reconhece mais, devido à distância e ao relacionamento limitado que elas mantêm. A mãe busca estreitar laços com Cora, mas não sabe muito bem como fazer isso, reafirmando o distanciamento que há entre elas.

A narrativa apresenta um ritmo acelerado, bem como a necessidade de mudança das personagens. Entre incertezas e lembranças, Cora desbrava o mundo e a si mesma. O conto é narrado de maneira linear, sendo inserido, em alguns momentos, lembranças das personagens, como quando Cora relembra do momento em que ela e Julia decidem desbravar o mundo: “Entre os dezoito e os vinte e um anos, acho que a gente tinha planejado a famosa Viagem Sem Planejamento uma centena de vezes” (BENSIMON, 2012, p. 195).

No conto há dois ambientes predominantes, uma cidade grande e uma cidade pequena, na qual o conto é finalizado. O espaço inicial é Porto Alegre, repleta de prédios e características típicas de cidades grandes, local em que Cora cresceu, mas tudo está diferente do que ela se lembra. As modificações, típicas de grandes centros urbanos, iniciaram depois que ela saiu da casa dos pais. A ambientação da viagem, cujo plano de fundo são “cidades desinteressantes” (BENSIMON, 2012, p. 196), é sempre permeada por casas menores e com características típicas de cidades banhadas à simplicidade e trabalho rural. Há a presença de alguns outros locais, mas eles dizem respeito a histórias ou a recordações das personagens.

Cora e Julia são personagens donas de si e de uma liberdade que muitas outras mulheres gostariam de ter. É extremamente importante pontuar que isso foi conquistado por elas mesmas, que tomaram as rédeas de suas vidas e batalharam para quebrar as muralhas que lhes eram colocadas. Até então, essas personagens são as primeiras, dentre os contos analisados, que são caracterizadas como mulheres-sujeito (ZOLIN, 2009).

 “Fragmento de um romance”, de Carola Saavedra

Nascida em 1973, no Chile, Carola Saavedra é escritora e tradutora do alemão e do espanhol. Veio para o Brasil quando tinha apenas três anos, formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Já morou na França, Espanha e Alemanha, sendo que neste último país finalizou seu mestrado em comunicação na Johannes Gutenberg-Universität em Mainz. É doutora em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) (UNIVERSITÄT ZU KÖLN, 2021).

Foi vencedora do Prêmio Rachel de Queiroz com seu romance Paisagem com dromedário (2010) e do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (Apca) de melhor romance, com seu livro Flores azuis (2008).

Saavedra foi uma das autoras convidadas a participar da Feira de Frankfurt em 2013, ano em que o Brasil era o país homenageado. Recebeu convite para participar de outros eventos literários nacionais e internacionais (UNIVERSITÄT ZU KÖLN, 2021).

Segundo o site da Biblioteca de São Paulo (2020), atualmente, Carola ministra aulas de Literatura e Cultura Brasileira na Universidade de Colônia, na Alemanha (UNIVERSITÄT ZU KÖLN, 2021).

“Fragmentos de um romance” narra a história de um escritor que se muda para o apartamento de Maike, mas como ela se vê impossibilitada de apresentar o local ao homem, pede para que sua irmã o faça. Quando o homem chega ao apartamento, os dois conversam por um tempo e o escritor a convida para jantar. Tal jantar é permeado por uma série de conversas aleatórias sobre as suas vidas, personalidades e ocupações, mas em especial sobre o que faz um escritor. Durante o jantar, os dois personagens flertam e a conversa acaba virando um jogo de sedução: “eu já te disse que você tem um jeito de olhar que me confunde? […] é, você olha pra mim como se você soubesse de alguma coisa” (SAAVEDRA, 2012, p. 238-239).

Neste conto, há a presença de duas personagens femininas, Maike e Lena, que são irmãs. Maike é a dona do apartamento alugado pelo escritor, é bastante organizada – “o lugar estava impecável como sempre, o apartamento de Maike” (SAAVEDRA, 2012, p. 233) –, atarefada, tendo em vista que não pode apresentar o apartamento para o homem, ansiosa, metódica, preocupada, inteligente e “gostara de livros” (SAAVEDRA, 2012, p. 234).

Já Lena é o oposto da irmã: é desorganizada – “Maike me conhecia bem demais, o telefone tocou, não vai esquecer, pelo amor de Deus […]” (SAAVEDRA, 2012, p. 233) –, despreocupada, não é pontual – “cheguei com meia hora de atraso” (SAAVEDRA, 2012, p. 233) –, é despojada, curiosa, levando em consideração que ela tem várias perguntas para fazer ao escritor. Pode-se afirmar que Lena também é espontânea, uma vez que no momento em que o hóspede chega ela está deitada na cama, “apoiando as costas nas almofadas, como se fosse a minha casa e ele uma visita” (SAAVEDRA, 2012, p. 234).

O conto se passa em um ambiente urbano, repleto de prédios, restaurantes e apartamentos, tendo sua narrativa linear e focada na interação entre Lena e o escritor. Quanto à pontuação, as falas não são sinalizadas com aspas ou travessão e estão mescladas ao texto; há, em alguns momentos, apenas uma vírgula separando as falas de ambos os personagens, fato que dificulta um pouco a leitura do conto, mas marca a estrutura que a autora escolheu para ele.

As personagens femininas presentes nessa narrativa são representações contemporâneas e condizentes com as realidades que vemos nos dias atuais, lembrando uma série de mulheres reais. É possível perceber, dessa forma, que a caracterização já diz respeito a sujeitos participantes da sociedade, desprendendo-se de personagens femininas que não representam ninguém. 

“O Rio sua”, de Tatiana Salem Levy

Com base no site Enciclopédia Itaú Cultural (2015), Tatiana Levy nasceu em 1979 em Lisboa e mudou-se aos nove meses com a família para o Brasil. É graduada em Letras – Português/Francês pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e mestra em Estudos de Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ).

Entrou para o programa de doutorado da PUC/RJ e teve a oportunidade de realizar parte dos estudos na Brown University (Estados Unidos) e na Universidade de Paris III (França). Suas experiências no exterior possibilitam que ela faça trabalhos de traduções das línguas inglesa e francesa (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL, 2015).

Segundo o site Letras In.verso e Re.verso (2012), com seu romance A chave de casa (2007), Tatiana ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria romance de estreia, e ficou entre os finalistas do Prêmio Jabuti. Esse título ganhou imenso destaque sendo publicado em outros países, como Romênia, Itália, Turquia, dentre outros (SEMPRE UM PAPO, 2021).

“O Rio sua” relata a relação de amor e de ódio que uma mulher tem com o Rio de Janeiro. A personagem do conto estava morando anos fora do Brasil e decide voltar para a sua cidade natal na tentativa de se reencontrar consigo mesma, mas para isso, foi necessário deixar para trás um amor. Essa narração é repleta de descobrimentos sobre si, sobre a cidade que morou por muitos anos e sobre os amores que viveu nessa longa jornada da vida.

A protagonista, cujo nome não é revelado, é uma mulher decidida, apaixonada, insegura até determinado ponto, mas corajosa por outro, apegada às memórias e recordações, livre, dona de si mesma, uma pessoa simples que fica feliz com os detalhes da vida, romântica, pragmática. A personagem tem uma relação de amor e ódio com o Rio de Janeiro, sentindo saudade em alguns momentos e desprezando tudo que há na cidade em outros.

É perceptível que a protagonista tem raízes muito profundas com o Rio – “Então percebo, sentada no sofá umedecido pelo suor, por que voltei: porque aqui, no Rio de Janeiro, meu corpo se sente em casa” (LEVY, 2012, p. 273) –, fato que origina essa relação dicotômica com o local, fazendo-a reclamar de aspectos da cidade, mas se encantando com outros. Devido a isso, ela retorna ao Rio de Janeiro em busca de fazer as pazes com ele, e acaba se apaixonando novamente pelo local – “E você sabe que, se porventura levantar o rosto e mirar o horizonte, não terá escapatória: você irá sorrir” (LEVY, 2012, p. 282) – e por si mesma, descobrindo-se novamente e enfrentando “os obstáculos de retomar uma história interrompida, de recomeçar uma vida deixada para trás.” (LEVY, 2012, p. 278).

A narrativa é estruturada através de parágrafos, com relatos, memórias ou descrições do Rio de Janeiro, que são interrompidos por três asteriscos, relatando a mudança de perspectiva ou de foco. O conto se passa nesta cidade, meio urbano, na qual as paisagens típicas, cultura, construções e oposições são relatadas. É um ambiente que é descrito com muito sentimentalismo, demonstrando a ambiguidade que nossas raízes podem despertar em nós. Com base nisso, Dalcastagnè (2012) descreve que o ambiente é um importante ponto constitutivo da personagem. Segundo Santos (apud DALCASTAGNÈ, 2012, p. 110), “a cidade surge como um agente determinante da significação da narrativa”, constituindo-se como personagem. Tal fato pode ser observado neste conto, uma vez que a própria cidade torna-se um elemento essencial para que a narrativa continue.

O clímax do conto ocorre no momento em que ela descobre amar a cidade e a nova versão dela mesma, deixando de lado amores que a prendiam em outras fases da vida: “Talvez você não queira evitar a resposta que, leve e simples pra mim, faz-se cruel pra você: sim, eu te troquei por uma cidade” (LEVY, 2012, p. 286). A protagonista se liberta de pessoas, costumes, localidades e dizeres, e recria uma versão de si mesma que aceita as suas origens e a beleza de ser quem se é: “Felicidade é isso: a beleza, o real” (LEVY, 2012, p. 285).

A protagonista relata o seguinte fato: “os homens que sussurram pornografias quando passa uma mulher de short e, em troca, em vez de pontapés, recebem sorrisos” (LEVY, 2012, p. 184). Com base nesse pensamento, é possível afirmar que a protagonista se posiciona contra essa atitude machista, demonstrando ter conhecimento de ideias feministas.

A personagem deste conto é dona de uma liberdade própria que a faz decidir sobre a sua vida, tendo coragem para tomar decisões que mudarão totalmente sua história, deixando narrativas e pessoas para trás – “nunca é fácil trocar um amor por outro” (LEVY, 2012, p. 274) –, mas fará dela mais dona de si mesma. A protagonista, em sua jornada de descobertas, descobre-se autossuficiente e passa a apreciar a sua própria companhia, ainda sentindo falta do amor que deixou em outro país, mas aprendendo a amar a solidão: “Copacabana nunca esteve tão cheia, e eu nunca me senti tão só. Mas a solidão não me incomoda” (LEVY, 2012, p. 279).

Considerações finais            

Conforme pode ser observado ao longo deste artigo, as mulheres precisaram vencer uma série de obstáculos que foram impostos a ela para que pudessem se afirmar enquanto sujeito no mundo, e somente após esse processo elas puderam, por meio de sua voz e de suas ideias, lutar por igualdade de oportunidade. No entanto, o meio literário mostra-se, até hoje, um lugar majoritariamente masculino, levando em consideração os números discrepantes de homens premiados nacionalmente em oposição a mulheres.

É pensando nesse cenário e na mulher enquanto escritora que Showalter (apud ZINANI, 2013) desenvolve o termo ginocrítica, que reflete sobre o processo criativo das autoras e possibilita que elas escrevam sobre os mais variados assuntos. Dessa forma, como pode ser observado nos contos analisados, as autoras dispõem de uma liberdade criativa que permite a produção dos mais variados personagens, abrangendo tanto mulheres que estão indo em busca de mais liberdade, quanto aquelas que vivem suas vidas monótonas, ou até na escolha por protagonistas masculinos.

É pertinente frisar, ainda, que a Revista Granta é um periódico de circulação mundial e ao publicar a edição de Melhores Jovens Escritores Brasileiros garantiu destaque internacional a escritoras brasileiras que já tinham uma carreira no cenário literário nacional, levando em consideração os prêmios que muitas delas já haviam conquistado.

À vista disso, a maioria das autoras publicadas pela Revista possuíam alguns pontos em comum, dentre eles: a boa instrução, sendo que muitas delas apresentam alguma formação na área de Letras ou Jornalismo, que trabalham muito com a escrita; as vivências internacionais, sejam elas no meio acadêmico ou profissional; os prêmios nacionais conquistados, que demonstram a visibilidade no cenário literário brasileiro. É importante pontuar que após a publicação da lista algumas delas tiveram suas obras traduzidas para outros países, outras foram morar ou trabalhar em universidades fora do Brasil, disseminando o conhecimento que dispõem sobre literatura.

Valendo-se de um comparativo entre as mulheres que apareceram nos contos, pode-se perceber que, dentre as seis narrativas que foram analisadas, apenas duas delas tinham mulheres que eram vistas como verdadeiras protagonistas nas histórias: Cora e Julia, no conto “Faíscas”, e a personagem do conto “O Rio sua”. A maioria das demais personagens femininas eram vistas como secundárias e algumas delas só estavam presentes nos contos para que fossem admiradas. Dessa forma, é de imensa importância que essa última representação feminina seja esquecida, uma vez que só dissemina estereótipos de beleza “padrão”, que devem ser superados.

É importante pontuar que uma característica que estava presente na maioria dos contos era o ambiente urbano como plano de fundo da narrativa. Em contraponto a isso, as estruturas formais dos contos e as temáticas abordadas por eles eram bem particulares em cada um. Dessa maneira, fica evidente a liberdade criativa que as escritoras contemporâneas dispõem, levando em consideração que elas não precisam se prender a nenhuma temática ou estrutura, como era muito comum antigamente, quando as autoras escreviam apenas sobre temas considerados “não polêmicos”.

Embora nem todos os contos tenham protagonistas femininas que têm liberdade para decidir sobre suas vidas e tomam seus próprio rumos, é importante ressaltar que as autoras, devido às mudanças proporcionadas pela crítica literária feminista e pelas contribuições de diversas outras escritoras, dispõem de liberdade para escrever sobre os mais variados assuntos, sendo da escolha delas contemplar, também, protagonistas masculinos ou outras representações de mulheres. Isso pode ser visto como um importante avanço, afinal, as escritoras não precisam escrever apenas histórias cujas protagonistas sejam femininas.

Tendo isso em vista, é importante pontuar que a questão não é criticar as obras que vieram anteriormente ao movimento feminista e à crítica literária feminista, porque elas fazem parte do nosso processo histórico e social. Por sua vez, é essencial olhar criticamente para as obras que estão sendo produzidas agora, a fim de que elas rompam com as representações defasadas de mulheres, versando, a partir disso, sobre personagens femininas condizentes com a realidade, que através dos próprios méritos se reafirmam enquanto sujeitos do mundo.

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Notas:

[1] Para selecionar os contos que a integrariam, houve um processo de inscrições. Neste, os autores e as autoras que gostariam de ter seus textos publicados na Revista precisavam mandar uma narrativa autoral. No entanto, algumas outras regras deveriam ser seguidas, as/os inscritas/os deveriam ter nascido depois de 1972 e já ter publicado algum texto de ficção.

[2] Neste artigo, o gênero conto e a inserção da mulher no ambiente literário será debatido, no entanto, é necessário pensar além do gênero, refletindo, também, sobre os lugares de fala da mulher na sociedade.

[3] Nesta análise não serão aprofundadas questões de raças e classes sociais. No entanto, ao longo da leitura das informações a respeito da vida de cada uma das autoras é perceptível a homogeneidade em ambos os termos: todas as autoras são brancas e tiveram ótimas oportunidades na vida, demonstrando, por meio disso, que são de classes sociais mais privilegiadas. Embora isso seja um fato incontestável, não podemos menosprezar a trajetória que fez cada uma dessas escritoras chegarem aos lugares de prestígio em que se encontram hoje.