RESUMO: Neste artigo, propomos uma análise do livro Aziyadé, de Pierre Loti, voltada para o estudo da representação do gênero e da raça como elementos que concorrem para a reprodução da ideologia colonial, adotando como suporte teórico os trabalhos de Said (2007), Lewis (1996) e Lugones (2020 [2008]).
PALAVRAS-CHAVE: Ficção francesa; Romance colonial; Pierre Loti.
ABSTRACT: In this article, we propose an analysis of the book Aziyadé, by Pierre Loti, focused on the study of the representation of gender and race as elements that contribute to the reproduction of colonial ideology, adopting as theoretical support the works of Said (2007), Lewis (1996) and Lugones (2020 [2008]).
KEYWORDS: French fiction; Colonial novel; Pierre Loti.
1 INTRODUÇÃO
Publicado em 1879,[1] o romance Aziyadé, escrito pelo tenente de marinha francês Julien Viaud sob o pseudônimo Pierre Loti, retrata a história da estadia de Loti, “um cristão vindo do Ocidente” (LOTI, 1879, p. 65),[2] em Istambul, a que também se refere como Constantinopla, onde é enviado para atuar como agente das políticas imperialistas mobilizadas pela Inglaterra frente ao “massacre de cônsules que mobilizou a Europa no começo da crise oriental”. Recém-chegado, Loti estabelece uma ligação amorosa com Aziyadé, uma jovem circassiana habitante da Turquia desde sua venda como escrava a um “velho turco que a levou para seu filho”.[3]
Na economia das relações proporcionadas pelo contato de Loti com o espaço orientalizado, o fato do Império e da colonização, que implicam a existência de uma ideologia basilar em favor da dominação, subsiste e subjaz no pano de fundo e na superfície das dinâmicas de contato, troca e envolvimento afetivo de Loti com os nativos do referido espaço. Isso ocorre porque a posição de Loti na Turquia é proporcionada pela sua locação em uma das instituições promotoras e outorgantes da dominação colonial, de forma que o mero fato de sua presença, a despeito de seus sentimentos ou opiniões pessoais, remete à manutenção, à proliferação e à execução da estrutura calcada na exploração justificada pela hierarquia de raça e de gênero, recorrentemente reforçada pela lógica colonial.
Disso decorre a impossibilidade de promover, sobre o texto literário de Pierre Loti, análises que desconsideram a repetição da superestrutura e os efeitos de sentido produzidos a partir dessa representação. Afinal, as políticas coloniais encetadas pelas potências hegemônicas da Europa ressoam, sob forma de reelaboração imaginativa (nesse caso, a ficção), na chegada de Loti à Turquia como resposta ao assassinato de cônsules europeus no país, com a função de supervisionar e garantir a execução coletiva, exigida pelos governos da França e da Alemanha.
No seminal Orientalismo, publicado em 1978, Edward Said postula que a estruturação do poder colonial-imperialista, condensada nas formas e nas práticas do orientalismo, se fundamenta sobretudo na inscrição discursiva dos saberes europeus e eurocêntricos, em torno dos quais orbitam as representações do espaço subalternizado produzidas pelo e para o Ocidente, ainda que seu alcance transcenda as limitações geográficas dos países ocidentais. Assim, Said entende que a própria categorização dos espaços físicos e de suas respectivas culturas em Leste e Oeste, Oriente e Ocidente, ressalta o movimento de classificação binária entre pessoas impositivamente categorizadas como brancas e não brancas, vencedoras e vencidas, dominantes e dominadas, superiores e inferiores. Partindo do entendimento de Michel Foucault sobre as relações entre poder e discurso, impostas através da demonstração do poder pela dominação e pelo acúmulo de capital oriundo da exploração dos ecossistemas e da força de trabalho dos seres não brancos, Said conclui que o processo de categorização hierárquica se institucionaliza por intermédio dos discursos hegemônicos e homogeneizantes produzidos pela intelectualidade eurocêntrica.
Sobretudo porque majoritariamente elaborada e ratificada pelos articuladores da ideologia colonial-imperialista, a discursividade orientalista fixa e imprime, no imaginário coletivo, imagens, critérios, estereótipos e entendimentos pautados na cosmovisão eurocêntrica. Disso decorre o alcance da estereotipia do Oriente e do sujeito oriental, frequentemente descritos pelos receptores da ideologia colonial como irracionais, exóticos, eróticos e imorais, contrastando, dessa forma, com o Ocidente que, ao assumir para si as características opostas àquelas que atribui aos espaços e seres subalternizados, oblitera as tensões internas causadas pelas hierarquias domésticas de gênero, raça e classe.
Como não poderia deixar de ser, a recepção de Orientalismo não ocorreu sem ressalvas. Com os estudos feministas focalizados na experiência não ocidental de gênero, especialmente em sociedades islâmicas, encabeçados pela especialista em estudos islâmicos de gênero, Leila Ahmed, no início da década de 1980, a recepção de Orientalismo por parte da audiência feminista especializada apontou lacunas e ofereceu diferentes perspectivas de exame dos discursos orientalistas. Com efeito, suscitando a reflexão sobre o androcentrismo na autoria da produção literária ocidental analisada por Said, em estudo de 1996, Gendering Orientalism: Race, Femininity and Representation, Reina Lewis evidencia como as mulheres britânicas foram assíduas contribuintes para a discursividade orientalista através de textos, ficcionais ou não, em que reproduziam e atualizavam discursos orientalistas mediante a adoção de uma postura femoimperialista, que consistia na reivindicação dos direitos das mulheres à condição de serem ocidentais.
No mesmo ensaio, Reina Lewis (1996, p. 18) indaga: “como pode uma mulher ocidental, que é feminizada como o Outro inferior e simbólico, exercer o olhar classificatório sobre o Oriente?”.[4] Com a pergunta, o objetivo de Lewis é inserir o gênero como categoria de análise nos estudos sobre o Orientalismo que, ao ver da autora, destinaram maior atenção à reprodução da ideologia orientalista por vozes masculinas. Dessa forma, Lewis aponta que as mulheres, além de passíveis reprodutoras da ideologia colonialista e de suas expressões orientalistas, principalmente por intermédio das narrativas ficcionais, também eram passíveis de figurar como elementos que, quando inseridos no contexto das dominações geopolíticas e suas consequências, atuam como símbolos articuladores da referida ideologia. Em tal contexto, a mulher e suas possíveis representações incidem como formas de significar a binariedade, isto é, a hierarquização do gênero fortalecida, reafirmada e constantemente recriada pelo discurso colonial-orientalista.
A esse respeito, entendendo que os discursos orientalistas sobre a “Mulher muçulmana” sejam sempre ambivalentes, Lamia Zayzafoon (2005, p. 8, tradução nossa) critica o que chama de “apresentação monolítica do Orientalismo como um discurso ocidental homogêneo”. Depreendendo que tal ambivalência decorre da compreensão freudiana empregada por Said (2007) ao diferenciar expressões manifestas e latentes do Orientalismo, Lamia Zayzafoon, no livro The production of the muslim woman: negotiating text, history, and ideology (2005), reproduz a crítica que Meyda Yeğenoğlu promove em Colonial fantasies: Toward a feminist reading of Orientalism (1998) diante da “relutância de Said em aprofundar o que ele chama ‘Orientalismo latente’”, que não seria senão, nas palavras do próprio Said (2007, p. 258), “uma positividade quase inconsciente (e com certeza intangível) do Orientalismo”, em que insere a relação entre o discurso dominante (orientalista) e a feminização do espaço orientalizado.
Dentro da ambivalência dos discursos orientalistas, nunca homogêneos, Meyda Yeğenoğlu (1998) defende que o gênero e suas representações, ao contrário do que postula Said, atua como elemento crucial para o Orientalismo manifesto que, nas palavras de Said (2007, p. 258), consiste nas “várias visões declaradas sobre sociedade, línguas, literaturas, história, sociologia orientais e outros tópicos afins”. Partindo de uma abordagem lacaniana, Yeğenoğlu postula que o gênero atua como dispositivo necessário para a criação da fantasia, que alimenta o imaginário associado ao Oriente, bem como todos os discursos que sustentam, reproduzem e mantêm a atualidade de tal imaginário, expressando uma forma de Orientalismo manifesto.
A partir de tais compreensões, propomos uma análise do livro Aziyadé em que focalizamos a representação da mulher orientalizada como forma de simbolização do inferior em função do gênero e da raça. Haja vista que o gênero e a raça são atribuições necessárias para a imposição do sistema colonial e de seus derivados métodos de dominação, a repetição e, no caso do romance de Loti, acentuação de tais classificações abre um leque de possibilidades para significar e representar, de forma criativa e produtiva, a superestrutura racializada, a ideologia que a sustenta e suas possíveis defesas ou contestações. Nesse sentido, almejamos principalmente refletir em que medida a representação do gênero, cruzado pela atribuição de raça, pode corroborar a ideologia e o discurso coloniais, bem como suas metamorfoses nas dependências do texto literário. Isto é, de pensar como, no romance, a intersecção de ambas categorias funciona como expressão não somente de um Orientalismo manifesto, mas de toda a ideologia colonial que o sustenta.
Dito de outra forma, pelo fato de que a elaboração imaginativa, formalizada na narrativa literária, pode corroborar categorias imaginadas absorvidas coletivamente a ponto de terem se tornado uma pseudoverdade, como é o caso da raça, interessa-nos pensar como as categorias de gênero e raça se entrecruzam, no romance de Loti, a fim de ressignificar ou criar novos significados visando a naturalização de tais categorias. Dito de outra forma, como fatos preexistentes e ditados não pela eleição e aceitação de valores e classificações de determinadas sociedades e culturas, mas resultados de leis naturais e pressupostos essencialistas.
2 AZIYADÉ: GÊNERO, RAÇA E COLONIALIDADE
Por entre as ruas de Istambul e ao redor das quatro paredes da casa situada no bairro de Eyoub, Loti atende pelo nome de Arif. Na Turquia, onde, afirma ele, sua “liberdade é ilimitada” (LOTI, 1879, p. 47), Loti veste “fez e caftan” e “brinca de effendi, como as crianças brincam com soldados” (LOTI, 1879, p. 43, grifo nosso).[5] No romance, a identidade de Loti é dividida entre duas performances pautadas numa oposição entre o eu ocidental assumido por Loti ao habitar, simbólica ou concretamente, o espaço dominante, isto é, sua terra natal, e o duplo fictício que toma a forma estereotipada do sujeito oriental.
No Oriente, a assunção dessa máscara é possibilitada pelo capital racial[6] do qual Loti fictício se beneficia, pois, a julgar pela caracterização e descrição dos personagens do entrecho, os entes e seres orientais são cingidos por noções de fixidez, atemporalidade, incapacidade cognitiva, banalidade, entre outros, ao passo que aos entes e seres ocidentais é concedida a possibilidade de transitar por diferentes e múltiplas performances identitárias. Isso não significa que, por esse motivo, o sujeito ocidental abandone seu estatuto de superioridade na hierarquia racializada. As assunções identitárias, porque tão somente performadas e não efetivamente uma forma de identificação, ou seja, porque se tratam de atuações, máscaras, não implicam a abdicação da posição na referida hierarquia. É por esse motivo que a transformação de Loti em Arif designa um modo de representação do Outro pela assunção teatrálica e estereotipada de sua identidade, nesse caso, da identidade do Outro racializado, do Oriental como expressão ontológica oposta ao Ocidental.
Na performance do Outro racializado, as representações dos sujeitos orientais atuam como possíveis dispositivos de ratificação do Outro de Loti, Arif. Nesse sentido, a performance da conduta atribuída ao sujeito oriental significa se aproximar de sua identidade, ainda que não de sua assunção efetiva. Dessa forma, o reconhecimento de Arif como sujeito oriental depende da medida em que sua conduta se aproxima à estereotipia do Outro oriental representado pelos personagens nativos do espaço orientalizado. E, por outro lado, essa mesma aproximação é o que confirma o contraste entre a orientalidade performática de Arif e a ocidentalidade (também performática, ainda que efetiva) de Loti. Pode ser esse o motivo por que a falta de desenvolvimento subjetivo de Aziyadé se amalgama ao excesso de importância conferido ao seu “singular charme oriental”, ao fato de ser “preguiçosa” ou de que suas “duas principais ocupações” são “pintar suas unhas em vermelho laranja” e passar “cada manhã uma hora em esforços absolutamente malsucedidos” a achatar seus “pequenos cabelos impalpáveis, rebeldes a todos os penteados” (LOTI, 1879, p. 68).[7] Loti, ao contrário, lidera ofensivas, toma decisões, adentra o Oriente, performa a existência como um de seus habitantes, constrói laços afetivos e, em seguida, abandona o mesmo espaço que passa a habitar como agente colonial.
O contraste de tais construções intersubjetivas, a despeito da forçada aproximação identitária entre Arif e Aziyadé, é permeado pela performance do Outro racializado como atividade recreativa da experiência oriental, o que revela, na estrutura da representação, as raízes da raça como mito da construção de linhas e estruturas imaginárias, se levarmos em conta que, para Loti, tornar-se Arif é, antes de tudo, performar o “papel turco”, na execução do qual, “por vezes”, afirma ele, “não consigo me levar a sério” (LOTI, 1879, p. 87).[8] Essa afirmação nos induz a constatar que a performance do Outro, porque baseada na performance do estereótipo do papel turco e da suposta essência da vivência oriental, ocorre em função de uma pretensa fixidez que não permite conceber o Outro racializado como identidade, mas como falta. Ao ser atribuído da raça não branca, o signo do Outro é automaticamente preenchido de atribuições que o situam na posição inferior da hierarquia racializada, transportada às dependências do texto literário pela voz narrativa de Loti ao representar o Oriente de acordo com as classificações e as categorias cunhadas através da dominação colonial.
Além da raça, essas categorias englobam a hierarquização e a binarização do gênero como forma de corroborar a dominação territorial, socioeconômica e subjetiva a fim de implantar o sistema de aquisição, produção, retenção e manutenção do capital (LUGONES, 2020). Destituída de maior desenvolvimento subjetivo, mediante o qual, na narrativa de Loti, poderia se diferenciar de seus iguais em gênero e raça, Aziyadé é reduzida a um elemento reificado que mimetiza o processo de exploração, dominação e dependência, tornando-se, assim, uma possível forma alegórica do espaço colonial. Tal leitura pode ser sustentada se vincularmos os termos empregados por Aziyadé ao descrever sua relação com Loti à noção de dependência real e/ou conotativa, geopolítica e/ou subjetiva, que define o processo de colonização, condensado nas dinâmicas relacionais estabelecidas entre Aziyadé e Loti. “Minha alma é tua, Loti. […] Quando fores embora, não existirá mais Aziyadé; seus olhos se fecharão, Aziyadé morrerá. […] Na verdade, quem é mais amado do que você, Loti? e quem poderias invejar? Invejarias até mesmo o sultão?” (LOTI, 1879, p. 74),[9] declara a personagem ao tomar conhecimento da volta de Loti ao Ocidente. “Quando te fores,” adiciona, “vou para as profundezas da montanha, […] E irei morrer de fome na montanha, cantando minha canção para ti” (LOTI, 1879, p. 74).[10]
Aziyadé, antes acostumada a viver “no [seu] apartamento, sentada no [seu] divã, a fumar cigarros ou haxixe, a jogar cartas com sua serva Emineh […] ou a escutar histórias muito engraçadas do país dos homens negros” (LOTI, 1879, p. 78),[11] se torna vítima da introdução de amostras metonímicas da cosmovisão ontológica ocidental proporcionada pelo assíduo contato com Loti. A personagem, que afirma nunca ter experienciado o tédio antes de conhecer Loti, passa, então, a experimentá-lo durante os “longos dias no harém”, antes dedicados à realização de atividades tais como visitas, costuras, serviços, passeios de carruagem e caminhadas. “Estou entediada. Penso em ti, Loti”, declara a personagem ao responder as indagações de Loti sobre sua vida no harém. “Olho para teu retrato; toco teus cabelos ou me divirto com pequenos objetos teus que levo para me fazer sociedade no harém” (LOTI, 1879, p. 77).[12] Se o harém era o lugar em que Aziyadé desenvolvia as práticas, os deveres e os afazeres de sua vida como membro da sociedade, é com a presença de Loti que ele se torna o lugar onde a personagem se depara com as atribuições do Ocidente ao espaço orientalizado, para o que a lembrança do sujeito ocidental se revela como solução ou consolação. Com isso, a exposição às referidas atribuições pode potencializar, no entendimento de Aziyadé, a percepção do harém como metonímia da concepção do Oriente pela cosmovisão ocidental, pois passa a remeter à falta e, assim reduzido, simbolizar a suposta fixidez, atemporalidade e estagnação do Oriente.
A representação do gênero como dispositivo articulador da ideologia colonial também incide no episódio ocorrido entre Loti e a “bela” Séniha. Loti, encantado pela beleza de Séniha, uma jovem “famosa nos haréns por seus escândalos e sua impunidade” (LOTI, 1879, p. 124), dispensa a companhia de Aziyadé. O encontro com Séniha, contrariamente às expectativas cultivadas por Loti, se revela uma grande decepção, pois a jovem turca, ao adentrar o apartamento em Eyoub, se apresenta vestida com acessórios franceses. As roupas de Séniha, ao ver de Loti, “de um gosto duvidoso, mais caro do que moderno” (LOTI, 1879, p. 125), empobrecem o charme da “esplêndida criatura da carne fresca e aveludada, com lábios entreabertos, vermelhos e úmidos” (LOTI, 1879, p. 125), que é mandada embora porque “a vista”, comenta o narrador, “não me encantou” (LOTI, 1879, p. 125).[13] Com efeito, a vista de Séniha como o sujeito oriental que se apropria da fantasia ocidental desloca ou desordena a organização classificatória das posições na hierarquia colonial, de que decorre a sensação de instabilidade de Loti ao se localizar frente a uma possibilidade de fluidez identitária em um sujeito previamente concebido pelas noções de fixidez e atemporalidade.
A interrupção da estereotipia performática do sujeito oriental suscita, em Loti, um inesperado estranhamento, por ele definido como “uma luta inesperada”, na qual seus “sentidos se debatiam contra esse algo de menos definido que se tem a convenção de chamar alma, e a alma se debatia contra os sentidos” (LOTI, 1879, p. 125). Isso explica a reação de Loti ao afirmar que a “bela criatura sentada perto de mim me inspirava mais desgosto do que amor; eu a tinha desejado, ela tinha vindo; só me faltava possuí-la. Mas eu não pedia nada mais, e sua presença me instigava ódio” (LOTI, 1879, p. 126).[14] Frente a tal episódio, é possível afirmar que a volubilidade do papel de Aziyadé é ratificada ao ser transferido a Séniha, ainda que de maneira malsucedida. Isso nos induz a constatar que, para Loti, o papel da mulher oriental é válido e admitido apenas se performático em relação às expectativas de estereotipação nutridas por ele. Talvez seja esse o motivo por que Séniha, ao demonstrar um começo de ruptura com tal repetição, é deslocada para o espaço da recusa, dentro do qual ao sujeito oriental são negadas as possibilidades de dinamismo identitário concedidas tão somente ao ser originalmente ocidental, o que se confere nas identidades assumidas por Loti ao longo do romance.
Em razão disso, o papel da mulher orientalizada só pode ser compreendido se estabelecermos, de antemão, que os dois fatores da equação “mulher” + “oriental” têm seus significados delineados pelas formas da dominação epistêmica e subjetiva da colonialidade. A esse respeito, no ensaio “Colonialidade e gênero”, de 2008, María Lugones (2020, p. 60) escreve:
as categorias são entendidas como homogêneas e […] selecionam um dominante, em seu grupo, como norma; dessa maneira, “mulher” seleciona como norma as fêmeas burguesas brancas heterossexuais, “homem” seleciona os machos burgueses brancos heterossexuais, “negro” seleciona os machos heterossexuais negros, e assim sucessivamente. […] Devido à maneira como as categorias são construídas, a intersecção interpreta erroneamente as mulheres de cor. Na intersecção entre “mulher” e “negro” há uma ausência onde deveria estar a mulher negra, precisamente porque nem “mulher” nem “negro” a incluem. A intersecção nos mostra um vazio.
Entendendo, como propõe Lugones, as categorias como um reagrupamento excludente e homogeneizante, compreendemos, no entanto, que o resultado da interseccionalidade entre “mulher” e “não branca”, no caso de Aziyadé, permite sobrepor as atribuições condensadas e predispostas nos signos “mulher” e “não branca”, de modo que, longe de revelar um vazio, a referida intersecção conjuga os significados construídos, impostos e institucionalizados pela cosmovisão patriarcal moderna. Assim, “mulher” e “não branca”, associados no eixo de intersecção do signo “Aziyadé”, se torna o ponto de fusão entre a gama de características cunhadas no intuito de subjugar o elemento feminizado na escala hierárquica da superestrutura moderno-patriarcal e racializada que, por sua vez, também está por trás da criação da raça e de todos os mitos biologizantes que a legitimam.
Nesse sentido, os eventos narrativos no romance de Loti, bem como as descrições ou construções das personagens orientalizadas, condensam e veiculam todo o imaginário cunhado pelos articuladores do patriarcado moderno. Ao repetir as características que corroboram a homogeneização dos grupos em categorias e exemplificar tais justificativas com eventos narrativos em que os membros dos referidos grupos performam ações reprodutoras da estereotipia, a narrativa de Loti confirma, repete, recria e mimetiza, pelas vias imaginativas da criação literária, todo o esquema de categorias e classificações elaboradas pelos mesmos articuladores do patriarcado moderno, não obstante também criadores das narrativas e dos discursos que advogam em favor da manutenção do capital, da exploração geno e ecocida, e da subdivisão hierarquizada em gênero e raça.
Do entendimento de que tais discursos se tratam, na verdade, de narrativas inventadas, é possível constatar, à leitura do excerto abaixo, que a representação do sujeito oriental como fantasia imaginada, mito, espectro, fantasma, fantasia, também se faz presente no romance de Loti:
Aziyadé fala pouco; ela sorri frequentemente, mas nunca ri; seu passo não faz nenhum barulho; seus movimentos são flexíveis, ondulados, calmos, e não se ouvem. Ela é, de fato, essa pessoinha misteriosa, que, o mais das vezes, desaparece quando raia o dia, e que a noite traz de volta, na hora do gênio e dos fantasmas (LOTI, 1879, p. 67).[15]
O léxico do excerto, por estar associado à representação do ente racializado, concorre para a denúncia da raça como mito, ainda que, conforme inserida no texto, a repetição de raça tenda, aparentemente, à sua naturalização. Ao desaparecer sob a luz e aparecer à noite, conotação de mistério e ocultismo, a evocação de Aziyadé parece alegorizar a raça como conceito bilateral: do lado exposto, um mito imbuído de consenso social, uma posição histórica que se destaca na luz não-branca corpos e, do lado oculto, silenciado, um conceito forjado para hierarquizar corpos, subjetividades, cosmologias e formas anticompetitivas de relação com a natureza (FERDINAND, 2022). Símbolo metafórico da raça e signo que condensa as categorias inferiorizantes segundo a classificação ocidental moderna, Aziyade ressurge como aparição noturna, fantasma, fantasia, invenção: na inscrição como personagem dentro do romance, Aziyadé parece se tornar menos a representação de um sujeito oriental do que a fantasia ocidental do que um sujeito oriental deveria ser.
Na instância do inventado, a comunicação entre Aziyadé e Loti parece ocorrer mais por sugestões do que por trocas concretas. Loti relata a impressão de que “Aziyadé […] comunica seus pensamentos mais com seus olhos do que com sua boca […]. É tão boa com suas pantomimas do olhar que poderia falar ainda menos e, até mesmo, não falar absolutamente nada” (LOTI, 1879, p. 68).[16] Assumindo a metáfora da boca como posse na economia das relações permeadas pela ideologia colonial moderna, como propõe Grada Kilomba (2019) no livro Memórias da plantação, podemos refletir sobre a afirmação de Loti como exemplo de uma das práticas fantasistas que cingem o mito da raça e que instauram uma demarcação entre as posses simbólicas da raça dominante sobre a raça dominada. “Fantasia-se que o sujeito negro quer possuir algo que pertence ao senhor branco: os frutos, a cana-de-açúcar e o cacau”, escreve Grada Kilomba (2019, p. 33). “Ela ou ele querem comê-los, devorá-los, desapropriando, assim, o senhor de seus bens”: o resultado são os dispositivos de tortura que têm a obstrução da boca como instrumento de controle e imposição do silêncio, bem como as inúmeras representações que repetem a recusa ou a contenção da voz do subalterno. Pode ser esse um dos sentidos subjacentes à declaração de Aziyadé ao dizer a Loti: “Eu queria comer as palavras da tua boca! […] Loti! Eu queria comer o som da tua voz!” (LOTI, 1879, p. 67),[17] no que parece ser uma tentativa de Aziyadé de reivindicar a propriedade ou a possibilidade da palavra, da fala ou daquilo que, inserido no discurso, a inventa e a representa segundo categorias e classificações que a reduzem à categoria de sujeito não branco, equalizando, como signo, sua representação à compreensão ocidental de inferior simbólico em função da dinâmica geopolítica de colonização, dominação e apropriação da tecnologia de racialização para os mesmos propósitos.
A tentativa de apreensão da palavra também parece estar sugerida quando Loti afirma que Aziyadé é “preguiçosa, como todas as mulheres criadas na Turquia. No entanto, sabe costurar […] e escrever seu nome. Ela o escreve sobre as paredes, com a mesma seriedade de uma operação importante. E quebra a ponta de todos os meus lápis com esse trabalho” (LOTI, 1879, p. 68).[18] A importância atribuída à escrita do nome próprio, para Aziyadé, pode ser um possível indício de reivindicação da identidade própria frente à imposição da hierarquia de raça e gênero que inscreve, sobre seu corpo e sua subjetividade, a marca de sujeito feminino oriental. Por outro lado, também pode atuar como um contraste da generalidade com que é representada pela voz enunciativa de Loti, em que seu nome atua como metonímia das mulheres orientais e, por consequência, um signo que representa a homogeneidade dessa categoria. Afinal, Aziyadé é, de acordo com Loti, exatamente como todas as mulheres criadas da Turquia, “sempre ociosas, devoradas pelo tédio, fisicamente obcecadas pela solidão dos haréns, […] capazes de se entregar ao primeiro que chega” (LOTI, 1879, p. 123),[19] noção que está textualizada e exemplificada nos eventos narrativos do romance.
Frente à morte de Aziyadé, Loti leva a cabo a assunção da máscara oriental ao se engajar no serviço militar da Turquia e morrer na batalha de Kars sob o nome de Arif. Adotando uma perspectiva freudiana, é possível interpretar a reação de Loti como forma de enfrentamento do luto através da incorporação do objeto perdido ao eu (FREUD, 2019 [1919]; AGAMBEN, 2007). Nesse contexto, a ascensão do duplo Arif sobre a identidade ocidental pode sugerir que a referida incorporação compreende, também, seus sentidos metafóricos. Em outras palavras, uma vez que Aziyadé figura no romance como signo representativo da orientalidade, uma das formas de enfrentamento do luto seria a apropriação da raça não branca por parte de Loti. Sua morte, no entanto, revela que, na falta do referencial mediante o qual pode se confirmar como forma positiva da alteridade, isto é, como sujeito ocidental, a justificativa da hierarquia de dominação é perturbada. Por isso, a morte de Aziyadé como perda simbólica do Oriente implica o desordenamento da experiência de Loti, pois sua posição como elemento dominante é condicionada à existência de um referente oposto, dominado, inferior, subalterno, orientalizado. Assim, a morte de Aziyadé e de todas as metáforas a ela associadas equaciona, por fim, a morte de Loti, mimetizando o fato de que sem Oriente não há Ocidente, sem Colônia não há Metrópole e que, finalmente, a dissolução da Colônia equivale à dissolução da Metrópole.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O romance de Loti é exemplo de como a voz do subalterno é silenciada e sobreposta pela voz do sujeito dominante e sua possibilidade de representar. E, com isso, de cunhar fantasias, imagens, espaços e narrativas que confirmam a alteridade como Outridade, o Outro como recusa, e o mito da raça como justificativa da dominação em suas múltiplas dimensões. É por esse motivo que analisar Aziyadé com base na representação da superestrutura e das categorias impostas pela dominação colonial implica debruçar-nos sobre os critérios e valores emanados da voz narrativa de Loti e, principalmente, compreender as metamorfoses da dominação em forma de discurso e elaboração estética. Em contrapartida, ao presumirmos que, no romance, o discurso colonial-orientalista é consensual e unanimemente tomado como verdade, podemos despropositadamente obliterar as contrapedagogias e a resistência dos grupos subalternizados ao pensamento hegemônico tanto no objeto estético quanto na vida.
No processo de análise literária, ao priorizarmos a análise da voz de Loti e obliterarmos as falas de Aziyadé, corremos o risco de cometer o mesmo equívoco. E de, involuntariamente, preservamos, como faz Loti, a estereotipia do sujeito colonial, as categorizações semânticas que estruturam o poder e o imaginário que defere humanidade a uns enquanto questiona ou despoja a de outros. Diante de tais reflexões, retomamos a pergunta feita por Gayatri Spivak (2018): pode o subalterno falar? Mais especificamente, com o objetivo de nomear a hierarquia que subjaz a essa pergunta, poderíamos reformular o vocabulário da frase e indagar: pode a subalterna falar? Com efeito, a subalterna, malgrado sua inserção na estrutura que a marginaliza, pode falar. A subalterna, na verdade, tem falado por muito tempo, ainda que sua voz tenha sido silenciada, invalidada, questionada, diminuída, ressignificada e conscientemente ignorada.
Frente à impossibilidade de ser ouvida, a subalterna, ao exercer sua possibilidade de fala, põe em prática o poder de não crer, o que bell hooks (2019) define como forma de subversão ao poder como equivalência da hierarquia. Semelhante enfoque interpretativo dá ensejo a um movimento contrário ao da colonialidade, pois, analisado como elemento autodenunciativo, o objeto estético impregnado pela ideologia colonial pode transformar sua possibilidade de ratificar as posições binário-hierárquicas em possibilidade de evidenciação e, consequentemente, de problematização e desconstrução, das metamorfoses da colonialidade na forma do discurso. Afinal, a despeito da interpretação de Loti, para quem o sentido principal se reduz à impressão de que “Aziyadé não era como as outras, e nunca poderia me esquecer”, é Aziyadé quem declara, referindo-se ao episódio ocorrido entre Loti e Séniha: “Loti, as criaturas de Alá, que são muito mais numerosas, não são todas iguais. Todas as mulheres não são as mesmas. E nem os homens” (LOTI, 1879, p. 129).[20]
REFERÊNCIAS
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FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. Tradução de Letícia Mei. São Paulo: Ubu Editora, 2022.
FREUD, Sigmund. O infamiliar [Das Unheimliche]: seguido de O Homem da Areia, de E. T. A. Hoffmann. Tradução de Ernani Chaves, Pedro Heliodoro Tavares e Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
HOOKS, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. Tradução de Rainer Patriota. Rio de Janeiro: Perspectiva, 2019.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
LEWIS, Reina. Gendering Orientalism: Race, Femininity and Representation. Oxon/Nova York: Routledge, 1996.
LOTI, Pierre. Aziyadé. Paris: Calmann-Lévy, 1879.
LUGONES, María. Gênero e colonialidade [2008]. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloísa (Org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020. p. 59-93.
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. Tradução de Rosaura Eichenber. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SEGATO, Rita. Crítica da colonialidade em oito ensaios: e uma antropologia por demanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa e André Pereira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018.
YEĞENOĞLU, Meyda. Colonial fantasies: Toward a feminist reading of Orientalism. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
ZAYZAFOON, Lamia Ben Youssef. The production of the muslim woman: negotiating text, history, and ideology. Nova York: Lexington Books, 2005.
[1] A edição consultada se encontra disponível em formato digital no site da Biblioteca Nacional da França, Gallica.
[2] No original: “[…] un chrétien venu d’Occident” (LOTI, 1879, p. 65). Todas as citações do romance Aziyadé foram traduzidas por nós.
[3] No original: “[…] massacre des consuls qui fit du bruit en Europe au début de la crise orientale” (LOTI, 2003, p. 9); “ […] vieux Turc qui l’avait élevée pour la donner à son fils” (LOTI, 2003, p. 22).
[4] No original: “[…] how can a Western woman, who is feminized as the symbolic inferior other at home (a placement that is also class-specific), exercise the classificatory gaze over the Orient that Said describes?” (LEWIS, 1996, p. 18).
[5] No original: “L’Orient a du charme encore ; il est resté plus oriental qu’on ne pense. J’ai fait ce tour de force d’apprendre en deux mois la langue turque ; je porte fez et cafetan, – et je joue à l’effendi, comme les enfants jouent aux soldats” (LOTI, 1879, p. 43-47, grifo nosso)
[6] Por capital racial, entendemos o que Rita Segato (2021, p. 316) define como efeito principal da racialização: “a constituição de um capital racial positivo para a população branca e um capital racial negativo para a não branca”, em cuja execução as possibilidades acessíveis aos povos não brancos são balizadas pelos articuladores do poder colonial. A legitimação de tais imposições, elaborada pela casta de entes autodenominados dominantes, está na presença da ideologia colonial no ordenamento jurídico, científico, interpessoal e institucional das sociedades atravessadas por ela.
[7] No original: “singulier charme oriental […] paresseuse,, comme toutes les femmes elévées en Turquie […] deux principales occupations […] teindre ses ongles en rouge orange […] une heure en efforts tout à fait sans succès pour […] aplatir […] petits cheveux impalpables, rebelles à toutes les coiffures” (LOTI, 2003, p. 68)
[8] No original: “rôle turc […] parfois […] je ne réussis plus à me prendre au sérieux” (LOTI, 2003, p. 87).
[9] No original: “Mon âme est à toi, Loti […] Quand tu seras parti, ce sera fini d’Aziyadé ; ses yeux seront fermés, Aziyadé sera morte. […] En effet, qui est plus aimé que toi, Loti ? et qui pourrais-tu bien envier ? Envierais-tu même le sultan ?” (LOTI, 1879, p. 74).
[10] No original: “Quand tu seras parti, je m’en irai au loin sur la montagne, […] Et je m’en irai mourir de faim sur la montagne, en chantant ma chanson pour toi” (LOTI, 1879, p. 74).
[11] No original: “[…] dans [son] appartement, assise sur [son] divan, à fumer des cigarettes, ou du hachisch, à jouer aux cartes avec [sa] servante Emineh, ou à écouter des histoires très drôles du pays des hommes noirs” (LOTI, 1879, p. 78).
[12] No original: “Je m’ennuie ; je pense à toi, Loti […] Je regarde ton portrait ; je touche tes cheveux, ou je m’amuse avec divers petits objets à toi, que j’emporte d’ici pour me faire société là-bas” (LOTI, 1879, p. 77).
[13] No original: “célèbre dans les harems pour ses scandales et son impunité” (LOTI, 2003, p. 124); “d’un goût douteux, plus coûteuse que moderne […] splendide créature, aux chairs fraîches et veloutées, aux lèvres entr’ouvertes, rouges et humides […] la vue […] ne me charma pas » (LOTI, 2003, p. 125).
[14] No original: “une lutte inattendue […] [ses] sens se débattaient contre ce quelque chose de moins défini qu’on est convenu d’appeler l’âme, et l’âme se débattait contre les sens” (LOTI, 1879, p. 125); “[…] belle créature assise près de moi m’inspirait plus de dégoût que d’amour ; je l’avais désirée, elle était venue ; il ne tenait plus qu’à moi de l’avoir ; je n’en demandais pas davantage et sa présence m’était odieuse” (LOTI, 1879, p. 126).
[15] No original: “Aziyadé parle peu ; elle sourit souvent, mais ne rit jamais ; son pas ne fait aucun bruit ; ses mouvements sont souples, ondoyants, tranquilles, et ne s’entendent pas. C’est bien là cette petite personne mystérieuse, qui le plus souvent s’évanouit quand paraît le jour, et que la nuit ramène ensuite, à l’heure des djinns et des fantômes” (LOTI, 2003, p. 68).
[16] No original: “Aziyadé me communique ses pensées plus avec ses yeux qu’avec sa bouche ; son expression est étonnamment changeante et mobile. Elle est si forte en pantomime du regard, qu’elle pourrait parler beaucoup plus rarement encore ou même s’en dispenser tout à fait” (LOTI, 1879, p. 68).
[17] No original: “Je voudrais manger les paroles de ta bouche ! Senin laf yemek isterim ! (Loti ! je voudrais manger le son de ta voix !)” (LOTI, 1879, p. 67).
[18] No original: “Elle est paresseuse, comme toutes les femmes élevées en Turquie ; cependant elle sait broder, faire de l’eau de rose et écrire son nom. Elle l’écrit partout sur les murs, avec autant de sérieux que s’il s’agissait d’une opération d’importance, et épointe tous mes crayons à ce travail” (LOTI, 1879, p. 68).
[19] No original: “Toujours oisives, dévorées d’ennui, physiquement obsédées de la solitude des harems, elles sont capables de se livrer au premier venu” (LOTI, 1879, p. 123).
[20] No original: “Aziyadé, n’était pas comme les autres, et ne pourrait jamais m’oublier ; que Achmet lui-même m’aimerait certainement toujours” (LOTI, 1879, p. 129); “Loti, les créatures d’Allah, qui sont beaucoup plus nombreuses, ne sont pas toutes semblables ; toutes les femmes ne sont pas les mêmes, ni tous les hommes non plus…” (LOTI, 1879, p. 129).