Contos Azuis, de Chrysanthème

Isabela Melim Borges

Contos Azuis

Chrysanthème

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Quem, afinal das contas e de uma vez por todas, é Chrysanthème?

Cecília Moncorvo Bandeira de Mello Rebelo de Vasconcelos, autora de uma considerável obra literária que data do início do século XX, engordando o rol de escritoras invisibilizadas, é Chrysanthème. Filha de Carmem Dolores, pseudônimo da também escritora esquecida, Emília Moncorvo Bandeira de Melo, Chrysanthème nasce no Rio de Janeiro em 1869 e morre em 1948.

Na virada do século XIX para o XX, talvez um dos entresséculos mais profícuos da literatura brasileira, surgem novas perspectivas que impulsionam escrituras dedicadas a refletir sobre os indagações da modernidade. É nessa cena que aparece a figura de Chrysanthème, sobretudo no que se relaciona a uma consciência feminina/feminista de si mesma e de seu lugar na sociedade, tônica que desenvolveu em colunas de jornais como a semanal “Palestra Feminina”, em O País (RJ).

Temperando tudo com vasta ironia e bastante sarcasmo, Chrysanthème publica, em cerca de vinte obras, entre elas romances, peças de teatro, contos e artigos na grande imprensa, suas impressões e testemunhos sobre o que via e vivia naquele Rio de Janeiro da Belle Époque. De acordo com Maria de Lourdes Eleutério [1], a concepção sobre “trabalho e profissionalização é o cerne da trama de conflitos amorosos envolvendo uma variedade de estados civis: a casada, a divorciada, a viúva, a solteira, todas insatisfeitas, como podemos observar nas três obras publicadas entre 1921 e 1922: Flores Modernas, Enervadas, Gritos femininos.” Além desses dois primeiros romances e da peça de teatro (respectivamente), Chrysanthème publicou Contos Azuis (1906), coletânea de contos infantis; Uma estação em Petrópolis e Uma paixão, de 1923; os romances Almas em desordem, Memórias de um patife aposentado e Mãe, estes em 1924. Em 1926, Vícios modernos e História de São Paulo e, em 1927, Matar!: romance sensorial e moderníssimo. Minha terra e sua gente: comentário social e O que os outros não veem: romance moderno de psicanálise feminina vieram à luz em 1929. Em 1933, foi a vez de Famílias…: romance e, em 1935 e 1937, foram publicados A mulher dos olhos de gelo: novela e A infanta Carlota Joaquina: romance histórico respectivamente. Vale destacar que grande parte da sua produção foi publicada pelas casas editoriais “Leite Ribeiro & Maurillo”, “Monteiro Lobato” e “Costallat & Miccolis”.

Além de toda essa vasta produção em livros, Chrysanthème escreveu em distintos periódicos da época. Para se ter uma ideia, no intervalo entre 1914 e 1937, foram publicados 878 textos apenas no jornal O País (RJ), isso sem falar nos 295 do Correio Paulistano e nos 174 do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, ou seja, ela escreveu muito. Muito mesmo.

De acordo com a pesquisadora Rosa Gens, Chrysanthème inicia a sua carreira literária através dos livros infantis, muito influenciada por Figueiredo Pimentel [2]. Por ora apresentamos os Contos Azuis, livro infantil publicado pela editora e livraria “Leite Ribeiro”, em edição de 1922, composto de 104 páginas que se alternam entre: “A filha da sereia”, “A Fada e o Girassol”, “O Pescador”, “O rei da montanha de ferro”, “A princesa da montanha de vidro”, “Ó poço da verdade”, “Os dois irmãos”, “A Pequena Rosa”, “O filho do Paxá”, “O Enforcado”, “O Natal da Velhinha” e “O Padre Margarida de Jesus”. Inspiradas nos contos de fadas europeus, as narrativas entrelaçam elementos de fantasia e realidade, apresentando um forte apelo emocional através das histórias. Ricas em simbolismos e moralidades (opostos, em princípios, aos romances que escreve a partir da década de 1920), trazem à tona temas como a pobreza, a inocência, o sacrifício e a intervenção mágica. As estruturas dos contos são de ordem clássica, com uma introdução que apresenta os personagens principais, um desenvolvimento que detalha os desafios e as ações dos personagens, e um desfecho que resolve os conflitos e estabelece uma moral. Ou seja, são narrativas que dialogam intimamente com o que estava sendo publicado à época no Brasil, no que diz respeito à literatura infantil, à exceção talvez de Monteiro Lobato.

[1] Em “Elas eram muito modernas”, ANDRADE, Gênese (org). Modernismos 1922-2022 – 1 ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 247.

[2] Figueiredo Pimentel lança, pela “Livraria Quaresma”, os Contos da Carochinha, obra que divulga histórias de Charles Perrault, irmãos Grimm e Hans C. Andersen, em 1894.