“É não morrer – ainda”. A resposta de Aline Bei para a pergunta “Para você, o que é Literatura?”, elucida-retrata-escancara o que de mais bonito existe na escrita: salvamento. Aline, nascida em São Paulo, graduada em Letras pela PUC-SP e Artes Cênicas pelo Teatro Escola Célia-Helena, traz isso para o mundo também: uma escrita que salva. Com uma prosa-poética que escorre pelas páginas e, muitas vezes, pelos olhos dos leitores, suas obras falam de dores, abandonos e traumas em um ritmo que encanta e dói. Tanto em O Peso do Pássaro Morto, de 2017 (Editora Nós), quanto em Pequena Coreografia do Adeus, de 2021 (Companhia das Letras), esses elementos transparecem por meio de vozes femininas e fazem da Aline uma escritora única. Ainda bem. A Literatura agradece, e nós também.
Com sua primeira obra, a autora venceu o Prêmio São Paulo de Literatura de 2018, na categoria Melhor Romance de Autor com Menos de 40 anos.. Com seu segundo livro, Aline foi novamente finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, e ficou entre os cinco finalistas do 64º Prêmio Jabuti, na categoria Romance, demonstrando que, sim, a sensibilidade salva o mundo. Aline, obrigada!
1. Entre os desdobramentos e enlaces da vida, como surgiu a Aline escritora? Por que você escreve?
o que em mim escreve acordou somente depois que fazer teatro já não era mais possível. acordou no primeiro ano da faculdade de letras, comigo de luto por não estar em nenhuma peça. tive pequenos vislumbres antes disso, quando por exemplo decidi escrever um livro de poesias para ajudar meu pai durante uma crise financeira. achei que era isso o que os filhos faziam, quer dizer, quando os pais realmente precisavam deles. outro vislumbre foi uma redação de muitas páginas que escrevi quando estava no colegial. me lembro do modo como eu não conseguia parar, me lembro do fluxo. mas nunca disse nada, nunca disse a palavra (escritora).
2. Tanto em O Peso do Pássaro Morto quanto em Pequena Coreografia do Adeus, a narrativa é, ao mesmo tempo, poesia-prosa-dramaturgia-arte. Como você descobriu esse estilo e, principalmente, descobriu e abraçou seu próprio estilo? Como é seu processo criativo?
meus textos não se encaixavam em um gênero, eram muito esquisitos. pareciam o começo de alguma coisa que não se concretizava totalmente. mas tinham bons momentos, algumas imagens e logo depois eles morriam. e para morrer menos eu comecei a abraçar no texto a palavra texto – e não conto, não poema. abracei também a oralidade. e o teatro, a música. e soltei adeusinho para a coisa que eu estava segurando e que chamava de poesia, mas era medo, a coisa que eu segurava, e depois que soltei ele continuou existindo.
3. Em seus dois livros a dor humana é retratada com força, juntamente com tamanha delicadeza que emociona tantos leitores. Principalmente as dores femininas escorrem pelas páginas, seja na personagem sem nome de O Peso do Pássaro Morto, seja em Júlia Terra de Pequena Coreografia do Adeus. Para você, como foi a escolha/encontro com essa temática?
é inconsciente. acontece assim: eu faço
e então vejo o que fiz. dou alguns passos para trás e fico olhando, mas sempre terei um ponto cego. ou os anos precisam se passar ferozmente na coisa e em mim, para que eu possa ver com alguma clareza, acho que estou vendo: nos primeiros anos. o corpo, sim.
4. Além de formação em Letras, você também possui formação em Artes Cênicas. Como essas e outras diversas artes coexistem na Aline e como elas impactam a Aline escritora?
o teatro impacta não apenas na teoria ou na metafísica ou na construção de repertório ou na máscara ou na leitura de peças ou na devoção à palavra. o teatro impacta como lugar – o palco, as poltronas, o camarim. o silêncio, a coxia, os olhos no escuro. o modo como o tempo e a luz deslizam por esse lugar.
5. Assim como o conselho do vizinho escritor de Júlia Terra, qual conselho você daria para quem quer escrever?
Faça teatro – ou não faça. sobretudo não seja apenas escrita. procure a escrita em algo que parece estar bem longe dela. por exemplo: adote um inseto. assista um raio. quebre aquela coisa que é fundamental para você: Escreva.
6. Quais produções culturais, como livros e filmes, marcaram sua vida e por qual motivo?
Tantas coisas. escolho a peça Luís Antônio Gabriela. o filme Os catadores e eu. o poema A arte de perder não é nenhum mistério.
7. Para você, o que é Literatura?
É não morrer – ainda.
Obrigada.