Diário do hospício e o cemitério dos vivos, de Lima Barreto: uma leitura da relação entre testemunho e ficção

Cíntia Maria Vicente

Resumo: Com este trabalho , propomos uma análise das obras de Lima Barreto, Diário do hospício e O cemitério dos vivos (1953), recuperando aspectos da ficcionalidade e não ficcionalidade desses escritos. Além dos temas sociais indissociáveis de seus contos e romances, Lima Barreto, em sua obra Diário do hospício (1953), que combina memórias e reflexões do seu diário íntimo do período em que esteve internado em um manicômio, na Praia Vermelha (RJ), questiona e reflete sobre os loucos e a loucura. O autor faz o mesmo no romance não acabado, O cemitério dos vivos (1953), que, apesar de seu caráter ficcional, resgata inúmeras vezes observações contidas no diário. O romance é fruto dos escritos de Lima durante seu tempo internado, e sempre foi publicado paralelamente ao diário, desde a primeira edição reunida por Francisco de Assis Barbosa, o que faz com que muitas vezes os fatos e a ficcionalidade se confundam. Como aporte teórico, nos embasamos em Antonio Candido, Literatura e sociedade (1965). Este trabalho busca contribuir com a construção de uma crítica literária da obra de Lima Barreto que não se prenda totalmente à visão do autor como autor confessional, analisamos sua obra e buscamos relacionar ficção e realidade sem determinismos e sem esquecer o valor estético para além da obra como constructo social.

Palavras-Chave: Loucura; Literatura; Lima Barreto; Ficção; Testemunho.

Abstract: With this work we propose an analysis of the works of Lima Barreto’s Diário do hospício and O cemitério dos vivos (1953), recovering aspects of the fictionality and non-fiction of these writings. In addition to the social themes inseparable from his short stories and novels, Lima Barreto, in his book Diário do hospicio (1953), which one combines memories and reflections from his intimate diary from the period in which he was hospitalized in an asylum, in Praia Vermelha (RJ), questions and reflects about mad people and madness. The author does the same in the unfinished novel, O cemitérios dos vivos (1953), which, despite its fictional character, retrieves observations contained in the diary numerous times. The novel is the result of Lima’s writings during his time in this asylum and has always been published in parallel with the diary, since the first edition compiled by Francisco de Assis Barbosa, which often causes facts and fiction to be confused. As a theoretical contribution, we base ourselves on Antonio Candido, Literatura e Sociedade (1965). This work seeks to contribute to the construction of a literary criticism of Lima Barreto’s work that is not completely tied to the author’s vision as a confessional author, we analyze his work and seek to relate fiction and reality without determinism and without forgetting the aesthetic value beyond the work as a social construct.

Keywords: Madness; Literature; Lima Barreto; Fiction; Testimony.

Introdução[1]

Afonso Henriques de Lima Barreto, ou apenas Lima Barreto, o autor que ganhou notoriedade pelo clássico Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), nascido e “estragado” no Rio de Janeiro, tem papel marcante na literatura brasileira. O boêmio autor que transitou dos subúrbios ao centro e que em sua riquíssima obra desenha com palavras os mais diversos cenários do Rio, conta com uma vasta produção de contos, romances, cartas e escritos que têm sido objeto de pesquisa de diversas áreas, além da literatura, com grande destaque na atualidade nos temas de resistência no jornalismo, consciência e autoria negra, por exemplo. Lima Barreto, jornalista e escritor que dedicou muitos dos seus anos como funcionário público, na função de amanuense na Secretaria de Guerra, declarava abertamente sua aversão a esse trabalho e certo desprezo à categoria. Romancista, contista, cronista com intensa atuação na imprensa carioca, Lima era mesmo dado à literatura, que parecia ser tanto sua paixão quanto sua ruína, como ele mesmo escreveu “Ah! A Literatura, ou me mata ou me dá o que eu peço dela” (Barreto, 2017, p. 36). Publicou seu primeiro livro em 1909, Recordações do escrivão Isaías Caminha, seguido do conhecido Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), entre outros.

Lima Barreto, o escritor negro, nascido em 13 de maio de 1881, exatamente sete anos antes do dia e mês da abolição da escravidão, fez jus a essa data se mostrando sempre uma voz que ecoava mesmo silenciada pelo preconceito. Filho de João Henriques de Lima Barreto, também funcionário público, mulato, quase preto. De fato, parecia que a loucura sempre esteve muito presente na vida dos Lima Barreto, o tipógrafo João Henriques, pouco antes de seu casamento, precisou passar por um longo tratamento e reabilitação após uma crise nervosa gerada pelo pedido de casamento feito à sua jovem amada. Não só na loucura se parecia com o filho, também em seu desejo por grandeza, João Henriques sonhava em ser doutor, e essa primeira manifestação de desequilíbrio mental pareceu ser uma previsão cruel de um futuro não tão brilhante como sonhava para ele e o medo da pobreza e da desgraça para qual poderia estar arrastando sua noiva. A mãe de Lima, Amália Augusta Pereira de Carvalho, nome de solteira, também mulata, recebeu excelente educação, chegando a se tornar professora de um pequeno colégio para meninas, fundado por ela mesma.

O início da infância de Lima, vivendo com a família, pai, mãe e seus irmãos em Laranjeiras (RJ), foi alegre, mesmo com as constantes mudanças e as dificuldades financeiras que a saúde da mãe ocasionava. Em 1887, morre Amália, vítima de uma tuberculose galopante, deixando viúvo o tipógrafo e órfãos os quatro filhos pequenos: Afonso, nem havia completado 7 anos, era o mais velho, e o menor, Eliézer, nem tinha 2 anos ainda. A sombra da morte da mãe marcaria para sempre o coração de Lima Barreto e, ao pai, João Henriques, a dor irremediável resgatou a loucura dos anos passados.

Lima Barreto parecia ter um encontro marcado com as desgraças da vida logo cedo. Desde jovem, o autor sempre se destacou, e, se por um lado, a dor fundamentava os primeiros traços depressivos de sua personalidade, também era um estudante brilhante, seu pai o contava como “Doutor”. Lima ingressou na Escola Politécnica em 1897, embora as principais biografias sobre o autor parecem falar com descaso de suas notas e mais descaso ainda de sua letra, neste trabalho, nos restringiremos a não replicar esses comentários. Lima prestou exame para a Politécnica em 1897, matriculou­se no curso de Engenharia Civil. Se naquele contexto suas notas não pareciam brilhantes, nas raras fotos, era sempre um dos, senão o único negro nos ambientes dados aos intelectuais. Nosso brilhante literato sempre fora um peixe fora d’água e sempre testavam nele sua habilidade em subir em árvores. Felizmente, nos deixou todo um oceano de imensidão em palavras. Todavia, o período acadêmico de Lima não foi longo nem bem­sucedido, ele não terminou o curso.

Nessa época, seu pai era almoxarife da Colônia de Alienados da Ilha do Governador. Assim que, parece estar a loucura sempre à espreita da família Lima Barreto, tanto foi que, João Henriques veio a adoecer, em 1902. Em muitos de seus escritos, Lima relata o quão doloroso fora para ele aquele episódio, não se preocupava apenas com a doença, pensava financeiramente não serem suficientes os recursos para auxiliar ao pai e aos irmãos. Medo, insegurança, insucesso na academia, a loucura do pai, a morte tão precoce da mãe, esses elementos foram culminando no Lima não de Policarpo, mas do Cemitério dos Vivos.

Em 1914, a primeira internação de Lima Barreto, o abuso do álcool e a depressão ocasionavam episódios de delírios no autor. Assim, internado pela família, na ficha de internação, o funcionário público registrado como branco, tratado para alcoolismo por quase dois meses. No Natal de 1919, Lima dá entrada novamente no Hospital Nacional de Alienados, na Praia Vermelha (RJ). Dessa vez, o homem na ficha antropométrica é outro, caracterizado como pardo, e com os deméritos de um negro alcoólatra, Lima escrevia em precários pedaços de papel e esses compunham seu diário. Os sensíveis escritos desse segundo período no inferno parecem ter servido a Lima como uma ilha nesse oceano de miséria e desgraças. O diário o ajudou a resistir à internação, por vezes, outras vezes, à solidão.

Como frutos desse doloroso desfecho da vida de Lima, nascem as obras: Diário do hospício e O cemitério dos vivos. Publicadas juntas desde sua primeira edição, em 1953, porém editadas paralelamente, pois são dois textos de gêneros literários diferentes. O primeiro, fruto dos relatos em forma de diário de Lima Barreto da época em que esteve internado em um hospício no Rio de Janeiro; o segundo título, um romance inacabado escrito a partir das memórias e do diário do autor. Nesses dois textos, muitas vezes autor e personagem se fundem, se confundem, se borram e “se atropelam”. Assim que, literalmente em alguns fragmentos manuscritos do romance, os nomes estavam rabiscados e reescritos, indicando a confusão do autor, em outros, a confusão inclusive nem sofreu reescrita e foi editada apenas postumamente. Esse aspecto serviu de fonte a várias pesquisas [2] sobre Diário do hospício e Cemitério dos vivos, e uma ênfase à similaridade entre ficção e realidade sempre é evidenciada.

Entre as principais biografias sobre o autor, está o famoso trabalho de pesquisa e preservação da obra de Lima Barreto realizado por Francisco de Assis Barbosa e a primeira edição da obra completa reunida de Lima em 1952. Depois, dentre os importantes estudos, destaca­se um, relativamente recente, de Lilia Schwarcz, em 2017, e uma ressurreição de uma nova imagem do nosso “triste visionário”. Embora Lima tenha ganhado certo destaque nos últimos tempos, e obras como O triste fim de Policarpo Quaresma (1915) sejam vistas como clássicos de nossa literatura, tem-se muito a explorar em seus textos. Diário do hospício e O cemitério dos vivos nunca foram as obras mais conhecidas de Lima Barreto. Tampouco chegaram aos louvores dos livros obrigatórios das cadeiras escolares, e embora atualmente os dois títulos sejam bastante prestigiados, assim como seu autor, há muito a conhecer deles.

Em 1952, Francisco de Assis Barbosa publicava a primeira edição da biografia que daria uma primeira voz a Lima Barreto, além de reunir toda a obra escrita do autor. Barbosa, que não chegou a conhecer pessoalmente Lima, foi um grande admirador e dedicou boa parte de sua vida ao estudo e pesquisa da vida de Lima Barreto. Seu livro A vida de Lima Barreto (2017) é fruto de uma longa pesquisa e de conversas com a própria irmã de Lima, D. Evangelina de Lima Barreto. A obra é, sem dúvida, um dos materiais mais completos sobre Lima que temos, juntamente com o trabalho da antropóloga Lilia Schwarcz: Lima Barreto ­ triste visionário (2018). Os dois estudos têm vieses distintos, mas reúnem fatos importantes para compreendermos a vida de Lima Barreto e sua obra como produto. Embora Schwarcz se dedique principalmente à obra que sugere o nome de sua biografia, o Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), a autora aborda com precisão os períodos de internação de Lima, que nos foram úteis na construção desse trabalho. Da mesma forma, da rica biografia de Barbosa nos ativemos às passagens relativas à relação Lima e loucura para traçarmos caminhos que evidenciem as congruências do real com o ficcional.

Escritores do escritor: as biografias de Lima Barreto e os relatos das internações

Na biografia de Francisco de Assis Barbosa faz­se difícil o discernimento de quando de fato a loucura entrou na vida de Lima, fica claro que bem antes de seu nascimento, quase como uma premonição, seu pai já havia passado por uma internação por causa de uma crise nervosa ainda antes de se casar. Um fator importante a se destacar sobre a aparição da loucura é que antes de ser interna ao autor, ela foi externa e estava espalhada em sua vida. Para além desse episódio que aconteceu com seu pai, Lima viveu em uma casa de alienados na infância, onde seu pai era almoxarife, como já citado. Assim, como descreve Barbosa: “vivendo num asilo de loucos desde cedo, o menino hipersensível começou a sentir as injustiças do mundo” (2017, p. 1220). Sensibilidade, loucura e injustiças são palavras frequentes na obra, e com razão, a biografia se torna de dolorida leitura e causa grande empatia por Lima.

Lima Barreto é mais frequentemente ligado ao alcoolismo do que à loucura, e de fato, teve mais de alcoólatra do que de louco, o próprio autor tinha ciência de que sua loucura fora resultado do seu vício: “De mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido ao álcool, misturado com toda espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material há seis anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: deliro” (Barreto, 2017, p. 34).

Mas se a insanidade fora produto do vício, foi porque não faltaram também fatores que levassem ao vício o escritor. Em sua biografia, Barbosa enfatiza que foi a profunda infelicidade de um jovem que necessitava cuidar de uma numerosa família e de um pai ensandecido que levou aos primeiros pensamentos e desejos de recorrer ao álcool. Na época, o jovem estudante da Politécnica teve que abandonar os estudos com a preocupação maior por sua família que padecia de inúmeras dificuldades.

Lilia Schwarcz traz em sua biografia de cunho principalmente histórico e focada nas questões de raça e desigualdade social e como aparece Lima nesse contexto, muitos fragmentos da própria obra de Barbosa, tanto de sua biografia, que é norteadora nos estudos sobre Lima, quanto nos escritos de Lima por Barbosa reunidos e editados. As duas biografias são compilados valiosos de dados sobre Lima Barreto que trazem um panorama histórico e social que nos serve para entender a posição do autor na sociedade e o impacto deste e de sua obra, no passado e ainda hoje. Schwarcz, em seu livro, apresenta os dois momentos que culminaram nas duas internações de Lima, em 1914 e 1919, sempre resgatando notas e escritos do autor. Em concordância com Barbosa, Schwarcz relembra todas as mazelas que acabaram por levar Lima pela primeira vez ao Hospital de Alienados:
 

Pode­se dizer que Lima se sentia “estrangeiro” onde quer que estivesse. Em primeiro lugar, seu grau de formação levava­o a se apartar dos vizinhos de Todos os Santos. O escritor gostava de reconhecer sua educação e dela se gabar, e assim guardava certa quilometragem dos personagens que tão bem descrevia. Em segundo lugar, na sua roda de amigos boêmios conservava uma separação cautelar, ainda mais quando se tratava de “socializar com as moças”. Conhecia demais aquilo que chamava de “limitações” trazidas pela cor que estampava em sua pele, ou ao menos mantinha esse tipo de obstáculo bem delineado quando tentava medir­se ou medir os outros (Schwarcz, 2018, p. 6738).

 

Como se pode perceber nesse pequeno fragmento, a comparação da personalidade de Lima com seus personagens é muito marcante nessa biografia também. Outro ponto muito ressaltado é o sentimento de a nada pertencer de Lima, e de fato, em seu Diário Íntimo, muitas vezes Lima Barreto pareceu se sentir muito frustrado, principalmente pelo não reconhecimento de sua inteligência, por ser rotulado por sua cor e ignorado em sua genialidade. Essa insatisfação com o que tinha na vida e as aspirações de sucesso, de reconhecimento afetaram em tudo o autor. Como observa a antropóloga, “diferente” de seus personagens, Lima desejava a grandeza a qual se sentia destinado por merecimento.

O que não faltava em Lima era aspiração de sucesso, sonhos de reconhecimento e grandeza, que aparentemente não remetem a soberba, e aqui também não caberia a expressão “se gabar” num sentido esnobe. Lima Barreto somente desejava trilhar de pé um caminho pelo qual se arrastava enquanto muitos pareciam ser carregados nas costas. A tristeza de Lima Barreto, que ele levou ao túmulo, era de perceber um mundo no qual não cabia, não por incapacidade, mas por sua vastidão para um espaço tão limitado. Ainda sobre o vício e a melancolia em que vivia o autor, Schwarcz (2018) escreve sobre a primeira internação de Lima Barreto em 1914:
 

Lima não escolhia mais lugar, dia da semana ou horário para beber. Acabaria internado pelo próprio irmão em 1914, sendo obrigado a afastar­se da repartição. Essa não foi, aliás, a primeira vez que se viu forçado a ausentar­se do trabalho por motivo de saúde, mas a terceira (Schwarcz, 2018, p. 6946).

 

Esses outros dois afastamentos que escreve Schwarcz referem­se a três meses em que Lima se afastou do trabalho, precisamente em 3 de novembro de 1910, para tratar malária, e, a segunda vez, em 20 de novembro de 1911, atestava “reumatismo poliarticular, hipercinese cardíaca”. Nessa segunda recuperação, de 90 dias, os sintomas já indicavam doenças decorrentes do abuso de álcool. Algo a se atentar sobre a primeira internação, como pontua Lilia Schwarcz, é que na ficha antropométrica, abaixo de uma foto preto e branco, Lima Barreto é descrito como branco, profissão como empregado público, diagnóstico: alcoolismo, tratamento com ópio, purgativo. Em sua segunda internação, o mesmo diagnóstico, alcoolismo, porém, agora Lima era descrito como pardo, como traz a antropóloga Schwarcz (2011) em seu artigo sobre as internações de Lima:
 

Dessa vez, o funcionário o caracteriza como pardo (e não branco); o que só indica como no país a determinação a cor é sujeita a muitas variações e condicionantes. Lima pode ter alterado a sua definição, ou a definição foi externa e, nesse caso, o escrivão anotou uma coloração mais escura; indefinida, como são os pardos: quase coringas da classificação. Quem sabe, por fim, nessa versão tão brasileira do racismo, em que se embranquece ou escurece dependendo da situação social, Lima tenha ficado “evidentemente” negro, ou melhor, pardo (Schwarcz, 2011, p. 142).

 

Essa segunda internação, relatada por Lima Barreto, em Diário do hospício, evidenciou o caráter dos hospitais de alienados e como esses serviam quase como um depósito humano. A obra também foi documental em questões históricas e na luta antimanicomial, por exemplo. Ao escrever para se salvar do tédio, da loucura, Lima produz uma sensível memória com reflexões ainda atuais como racismo, internação compulsória e higiene social disfarçada de ajuda aos viciados mais vulneráveis e seus familiares.

A maior parte da biografia escrita por Barbosa está pautada não só nos relatos de D. Evangelina, irmã de Lima, mas está principalmente relacionado aos escritos e personagens do autor. Tanto Francisco quanto Lilia em sua biografia, e muitos dos estudos sobre a obra de Lima Barreto, entendem seus personagens como confessionais. Assim, Barbosa e Schwarcz muitas vezes utilizam a ficção para retratar os acontecimentos reais na vida de Lima, como se nas entrelinhas de seus livros, o autor tivesse resenhado sua vida. Essa leitura das obras de Lima é a mais popular entre os estudiosos do autor e de sua obra, entende­se Lima como um autor que se confessa em sua ficção.

Se por um lado Francisco de Assis Barbosa teve papel fundamental para o reconhecimento da produção de Lima Barreto, na verdade, ele foi responsável pela visibilidade e popularização desta; sem ele, talvez, Lima ainda estivesse no esquecimento de um cânone elitista e branco. Por outro lado, Lilia veio para revitalizar e relembrar a importância de Lima no cenário de resistência na história brasileira. Os estudos relativos a autores como Lima, Cruz e Souza, e até do próprio Machado de Assis, têm demandado um novo olhar dos pesquisadores, de várias áreas do conhecimento humano, não apenas com cunho literário para suas obras. Essa importância resgata os aspectos muitas vezes não aparentes numa história brasileira que tem sido contada pelos vencedores. O caso de Lima é bastante singular, uma vez que diferente de Machado de Assis, a branquitude projetada por sua genialidade não foi suficiente para seu sucesso como escritor e nem seu reconhecimento na Academia Brasileira de Letras (ABL). Inclusive, tentou três vezes sua candidatura à ABL, as três foram negadas.

A historiadora e antropóloga traz em sua biografia uma redação sensível sobre a vida de Lima Barreto juntamente com um panorama histórico­social do contexto do autor. Inegavelmente a literatura tem papel importante como ponte nos estudos antropológicos, históricos, documentais e sociais da construção de nosso país. Mas, por outro lado, toda a natureza dessas produções evidenciou uma revisão literária das obras que temos lido (e algumas esquecidas à margem da fama ou reconhecimento) pensando não puramente, mas essencialmente na estética dos textos. Essa revisão traria novas análises e a possibilidade de novas leituras sobre trabalhos que por vezes parecem esgotados em discussões e de obras que muitas vezes passam longe dessas discussões. Compreender a necessidade de uma análise literária que se faça pelo âmbito literário, com base no texto e pelo texto, proporciona uma nova descoberta do estudo da literatura como criação e não como um simples pretexto. Por isso, ao analisarmos os dois escritos de Lima Barreto, o diário e seu respectivo romance, buscamos nos desvincular de leituras já propostas, não as ignorando, mas buscando uma nova proposta de ensaio.

Diário do hospício: relato e testemunho de dentro do asilo de alienados

O texto editado que hoje corresponde a Diário do hospício, é composto pelos escritos e anotações de Lima Barreto durante sua segunda internação, em 1919­1920. Embora sempre publicado em conjunto ao romance inacabado O cemitério dos vivos, trata­se de relatos reais do autor sobre seu tempo no asilo de alienados na Praia Vermelha, na ilha do Governador no Rio de Janeiro. Os manuscritos correspondentes às duas obras encontram­se disponíveis na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional, Coleção Lima Barreto, e felizmente também já estão digitalizados. A dificuldade em escrever no ambiente em que se encontrava fica explícita nas 79 tiras de papel, nem sempre pautadas, rascunhadas na frente e no verso e encontradas em péssimas condições. Apenas os dois primeiros capítulos foram escritos em folhas com linhas, e em sua maior parte foram escritos a lápis. Apesar de toda a adversidade, nota­se a preocupação do autor em ordenar o material, utilizando datas, numerando páginas e títulos. Nos manuscritos também se pode perceber uma espécie de revisão, com algumas notas e observações como: “vide notas”, “já falei”.

A edição das obras da Companhia das Letras, além de muitas notas de rodapé com explicações sobre os manuscritos e informações que envolvem o contexto da obra e da vida do autor, conta também com um prefácio escrito por Alfredo Bosi. Além do diário e do romance, o livro também traz alguns contos, crônicas e entrevistas relacionados à experiência do autor com o asilo de alienados e a loucura.

As primeiras anotações do diário datam de 4 de janeiro de 1920, embora Lima tenha sido internado na véspera do Natal de 1919. O diário de Lima fornece um panorama real, não apenas da sociedade da época, mas também um bom esboço da psiquiatria e dos profissionais da época. Sendo assim, o relato é valioso também aos estudos da história antimanicomial no Brasil. Os escritos trazem uma forte crítica aos métodos adotados que mais se pareciam com uma higienização social do que um tratamento às doenças psiquiátricas. As questões raciais muito presentes no texto revelam a natureza da construção desses locais e o que eles representavam para a sociedade. Como traz Bosi (2007):
 

Desde o início dos seus apontamentos Lima Barreto mostra que a polícia é um instrumento que serve de veículo para encaminhar o suposto demente a um lugar apartado, na medida em que ele é confundido com o marginal. Por algum tipo de comportamento considerado anormal, deve ser retirado da sociedade e encerrado em uma espécie de depósito onde os seres “normais” não o vejam nem mantenham com ele qualquer contacto. O aparelho policial aparece, mais de uma vez, como a primeira triagem, que separa o joio do trigo social. O joio será em seguida peneirado: de um lado, o meliante, que vai para a delegacia e a cadeia; de outro, essa figura estranha, paradoxal, quase inclassificável, o réu sem culpa, mas igualmente forçado à reclusão (Bosi, 2007, p.14).

 

Também Lima, no primeiro capítulo do diário, intitulado “O pavilhão e a Pinel”, datado de 4 de janeiro de 1920, relata sua aversão ao comportamento policial e sua internação compulsória:
 

Estou no Hospício ou, melhor, em várias dependências dele, desde o dia 25 do mês passado. Estive no Pavilhão de Observação, que é a pior etapa de quem, como eu, entra aqui pelas mãos da polícia […] Não me incomodo muito com o Hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida (Barreto, 2017, p. 34).

 

Nesse capítulo, Lima deixa claro que tinha ciência de sua situação, citando, inclusive, que sabia que se voltasse ao hospício outra vez futuramente, seu destino era o cemitério São João Batista: “estou seguro que não voltarei a ele pela terceira vez; senão, saio dele para o São João Batista que é próximo” (2017, p. 35). Cemitério esse onde o autor foi enterrado em 1° de novembro de 1922, situado em Botafogo. Lima também escreve sobre o descompromisso com o senso crítico dos médicos da época, que seguiam sem questionar os métodos europeus, sem buscar maior entendimento de cada caso clínico, generalizando todos os pacientes. No meio desses médicos, Lima encontra um aparentemente disposto a ser diferente, trata­se de Juliano Moreira, frequentemente designado o fundador da psiquiatria no Brasil. Lima relata que o médico o tratou “com grande ternura, paternalmente”. [3]

Lima, que fora internado nessa segunda vez a pedido de seu irmão, compreendia sua loucura e seu alcoolismo, e em plena sanidade escreve, de forma clara, um texto coeso e com uma linguagem transparente. O diário reflete muitas vezes a loucura e a própria lucidez do autor:
 

[…] penetrei no Pavilhão calmo, tranquilo, sem nenhum sintoma de loucura, embora toda a noite tivesse andado pelos subúrbios sem dinheiro, a procurar uma delegacia, a fim de queixar­me ao delegado das coisas mais fantásticas dessa vida, vendo as coisas mais fantásticas que se possam imaginar (Barreto, 2017, p. 53).

 

Além de suas reflexões sobre a loucura, Lima várias vezes expõe seu amor à literatura e fica transparente em seus escritos a sua memória de leitor. Um leitor sensível de livros e da vida:
 

Estou entre mais de uma centena de homens, entre os quais passo como um ser estranho. Não será bem isso, pois vejo bem que são meus semelhantes. Eu passo e perpasso por eles como um ser vivente entre sombras ­ mas que sombras, que espíritos?! As que cercavam Dante tinham em comum o stock de ideias indispensável para compreendê­lo; estas não têm mais um para me compreender, parecendo que têm um outro diferente, se tiver algum (Barreto, 2017, p. 47).

 

São inúmeros os episódios em que Lima Barreto cita suas leituras, as traz em conversa com seu contexto, as usa como uma “boia” para não afundar nesse naufrágio no mar da loucura, da depressão e da solidão no hospício. O autor várias vezes relata com doloroso pesar todos aqueles fatores que o levaram ao hospício, após uma de suas visitas ao médico, ele revela seu total descontentamento com a vida: “Não quero morrer, não; quero outra vida” (2017, p. 46). Do início ao fim, o Diário do hospício é um texto lúcido, minado de citações e referências a obras e autores a quem recorre a memória de leitor do escritor. Há uma repetição em toda obra da palavra “mistério”, talvez por mais sagazes que fossem suas considerações, Lima Barreto, por fim, definiria a insanidade como um mistério, o que ainda o é. No Capítulo IV, o autor analisa alguns dos doentes que estavam internados com ele, e concluí:
 

Todas essas explicações da origem da loucura me parecem absolutamente pueris. Todo problema de origem é sempre insolúvel; mas não queria já que determinassem a origem, ou explicação; mas que tratassem e curassem as mais simples formas. Até hoje, tudo tem sido em vão, tudo tem sido experimentado; e os doutores mundanos ainda gritam nas salas diante das moças embasbacadas, mostrando os colos e os brilhantes, que a ciência tudo pode (Barreto, 2017, p. 55).

 

A intenção do autor de publicar seus relatos daquele período é previsível, pois há até trechos em que Lima fala diretamente com seu (possível) leitor: “Os leitores hão de dizer que não era possível encontrar isso numa casa de loucos. É um engano; há muitas formas de loucura e algumas permitem aos doentes momentos de verdadeira e completa lucidez” (Barreto, 2017, p. 59). Também entrega sua intenção de transformar sua experiência em romance em vários episódios nos quais realidade e ficção se misturam, ou se fundem. Assim, Lima Barreto parece escrever uma nova história, a partir da realidade, uma história onde relata, de forma fictícia, o que poderia ser verdade.

O cemitério dos vivos: o romance ficcional e narração do que foi e do que poderia ter sido

Os manuscritos do romance inacabado produzido a partir dos relatos do diário, escritos a caneta de tinta preta e em folhas pautadas, também se encontram conservados na Seção de manuscritos da Biblioteca Nacional. Em janeiro de 1921, a revista Souza Cruz, n. 49, publicou as páginas iniciais do romance, com o título: “As origens”, infelizmente o manuscrito que se refere a esse trecho se perdeu. Algo interessante a se mencionar, é que o sobrenome do protagonista, Vicente Mascarenhas, é o nome da rua onde morou Lima, Major Mascarenhas. Mas esse nome final, assim como o nome do romance, que Lima cogitou como “Sepulcro dos vivos”, também mudou muito entre escritos, edições e reedições. Na primeira aparição do personagem, ainda no Diário do hospício, Lima­autor e Lima­personagem se chamava Tito Flamínio. Quase ao final do Capítulo V, no testemunho de Lima Barreto, o autor revela sua intenção de ficcionalizar sua própria experiência no hospício. Esse é o primeiro indício na obra de que real e ficcional estavam dispostos em um mesmo plano na escrita do autor, sendo o projeto do texto baseado na sua própria vivência.

O romance inacabado, dividido em cinco capítulos, começa com a morte da esposa do protagonista, Vicente Mascarenhas. A esposa, Efigênia, no leito de morte, pede ao marido que escreva “aquela história da rapariga” em um livro. É a morte da esposa que impulsiona o desenvolvimento do romance; assim, o autor começa por explicar, no primeiro capítulo, como e porque se casou com Dona Efigênia. Nas palavras de Bosi:
 

A matéria­prima do diário será trabalhada pelo regime da invenção romanesca. Uma esposa à beira da morte, a sombra de um filho de quatro anos que passa quase despercebida, e um casamento consumado sem paixão. Mas o interesse maior, se não exclusivo, do enredo está na história da formação intelectual rebelde e autodidática de Vicente, com toda a sua aversão ao culto bacharelesco, ao status dos doutores “brancos” e à prática do “pistolão”, que vigorava naquela sociedade entre burguesa e tradicional do Rio de Janeiro em plena belle époque (Bosi, 2007, p. 20).

 

É notável, na escrita do romance, uma linearidade maior do que no modo de linguagem empregado no diário. Inclusive, é possível relembrar as demais obras romanescas do autor, escritas nesse tom que é tão característico de Lima, uma linguagem rebuscada que sugere um leitor assíduo, que o autor o era.

No segundo capítulo, Vicente já está no hospício, assim como Lima, internado no Natal e o trecho inicial é quase igual ao início do diário:
 

Entrei no Hospício no dia de Natal. Passei as famosas festas, as tradicionais festas de ano, entre quatro paredes de um manicômio. Estive no pavilhão pouco tempo, cerca de vinte e quatro horas. O Pavilhão de Observação é uma espécie de dependência do Hospício a que vão ter os doentes enviados pela polícia, isto é, os tidos e havidos por miseráveis e indigentes, antes de serem definitivamente internados (Barreto, 2017, p. 143).

 

Fica evidente também a aversão do personagem às formas de tratamento da polícia em relação aos doentes; no romance, se torna ainda mais evidentes e fortes as críticas sociais, principalmente em relação ao racismo, à violência policial e à desigualdade social:
 

A Polícia, não sei como e porquê, adquiriu a mania de generalizações e as mais infantis. Suspeita de todo o sujeito estrangeiro com nome arrevesado; assim os russos, polacos, romaicos são para ela forçosamente caftens; todo cidadão de cor há de ser por força um malandro; e todos os loucos hão de ser por força furiosos e só transportáveis em carros blindados (Barreto, 2017, p. 143­144).

 

No romance, tal qual fez Lima em vida, o personagem também escritor, sonhava com a grandeza, com o devido reconhecimento, também sua tristeza que o levou ao hospício:
 

Veio­me repentinamente, um horror à sociedade e à vida; uma vontade de absoluto aniquilamento, mais do que aquele que a morte traz; um desejo de perecimento total da minha memória na terra; um desespero por ter sonhado e terem me acenado tanta grandeza, e ver agora, de uma hora para outra, sem ter perdido de fato a minha situação, cair tão, tão baixo, que quase me pus a chorar que nem uma criança (Barreto, 2017, p. 148).

 

O romance parece de fato se fundamentar nos escritos do diário, e brilhantemente trazer ao personagem Vicente, não só a experiência de Lima, mas também uma visão que o autor tinha de si próprio. Muito coincide o texto, que parece ter sido um projeto ou esboço com o romance que deixa inacabado o Capítulo V. Apesar de muito bem escrito e coerente, O cemitério dos vivos parece acabar bem no mesmo ponto do diário, deixando algumas lacunas e muita curiosidade a respeito do desenrolar da trama. Alfredo Bosi escreve:
 

A novela ficou inacabada. Foi pena, pois a substância autobiográfica (evidente nos episódios transpostos das páginas do diário) começava a resolver­se em uma prosa enxuta e pensada, só comparável às boas passagens dos romances levados a termo. De todo modo, impressiona a figura da mulher que morre na primeira frase do livro. E ainda mais intriga a sua última palavra ao marido, a quem pede que escreva um texto de ficção, que ele apenas esboçara (Bosi, 2007, p. 20­21).

 

Mesmo tendo apresentado inúmeros trechos repetidos, não se torna em nada tediosa sua leitura. Os dois textos sempre publicados juntos, em uma leitura sequencial, permitem muito mais que a percepção dos limites entre ficção e realidade: proporcionam um desnudamento do autor como homem e como personagem, ambos de carne e osso. Além do mais, as discussões que constam no diário muitas vezes são esmiuçadas e aprofundadas, o que prova um aprimoramento do texto. A possibilidade de ler tanto o produto quanto o esboço, propicia, aos leitores atentos, perceber a construção dos textos a partir das diferentes posições do autor, primeiro como exilado e injustiçado, e depois, como voz ativa contra as desigualdades sociais.

Diário e o romance: testemunho versus ficção

A crítica sempre teve Lima Barreto como um autor confessional, ou seja, a análise de seus romances, contos e crônicas sempre foram muito atreladas à sua vida pessoal. Obviamente que são análises, críticas e suposições sobre suas obras, porém, no caso do Diário do hospício e O cemitério dos vivos, as referências são explícitas. Como cita Alfredo Bosi no artigo que hoje serve de prefácio à edição mais recente dos livros:
 

Embora a literatura brasileira já conte com um alto número de memórias e escritos autobiográficos, são raras as obras que possam valer como testemunhos diretos e coerentes de um estado de opressão e humilhação. Esse é o caso do Diário do hospício de Lima Barreto (Bosi, 2007, p. 13).

 

Ainda no capítulo V do diário, há uma passagem que revela já alguns indícios da construção do romance com base em sua experiência e nos acontecimentos por ele testemunhados:
 

Não amei, nem mesmo minha mulher que é morta e pela qual não tenho amor, mas remorso de não tê­la compreendido, mais devido à oclusão muda do meu orgulho intelectual; e tê­la­ia amado certamente, se tão estúpido sentimento não tivesse feito passar por mim a única alma e pessoa que me podiam inspirar tão grave pensamento. Li­a e não a compreendi… (Barreto, 2017, p. 68).

 

Esse trecho se revela como prévia de informações do romance, já que é sabido que Lima Barreto nunca foi casado, e mesmo em seu Diário íntimo, raramente se referia a episódios amorosos, também revelava sua dificuldade com as mulheres. O trecho do diário demonstra que já havia um projeto de texto­romance mesmo quando internado no asilo de alienados.

No capítulo V de Diário do hospício, mais fragmentos demonstram uma transferência exata para o romance posterior, como no trecho no qual o autor relata que um rapaz entra em seu quarto perguntando por Tito Flamínio, pergunta a qual responde “sou eu”. Como citado anteriormente, Tito Flamínio foi um dos nomes cogitados para o protagonista do romance, Vicente Mascarenhas. Em seguida, ao final do capítulo VI, Lima Barreto escreve a observação que serviria de inspiração futuramente para seu romance:
 

Não há dinheiro que evite a Morte, quando ela tenha de vir; e não há dinheiro que arrebate um homem da loucura. Aqui no Hospício, com as suas divisões de classes, de vestuário etc., eu só vejo um cemitério: uns estão de carneiro e outros de cova rasa. Mas, assim e assado, a loucura zomba de todas as vaidades e mergulha todos no insondável mar de seus caprichos incompreensíveis (Barreto, 2017, p. 74).

 

No romance, embora não conste esse brilhante fragmento, o autor recorre novamente a sua memória de leitor para falar de onde veio a ideia do “cemitério de vivos”. Após descrever o triste cenário do hospício, o protagonista lembra:
 

Parece tal espetáculo com os célebres cemitérios de vivos que um diplomata brasileiro, numa narração de viagem, diz ter havido em Cantão, na China.
Nas mediações dessa cidade, um lugar apropriado de domínio público era reservado aos indigentes que se sentiam morrer. Dava­se­lhes comida, roupa e o caixão fúnebre em que se deviam enterrar. Esperavam tranquilamente a morte (Barreto, 2017, p. 168­169).

 

O texto a qual se refere Lima é A China e os chins: recordações de viagem, de Henrique C. R. Lisboa (1888). Se por um lado o diário é rico em informações puras e sucintas, apesar das reflexões mais breves, por outro, o romance penetra filosoficamente em várias discussões e brilhantes indagações do protagonista. No romance, Lima Barreto mostra uma voz um pouco diferente da conhecida imagem quixotesca de Policarpo Quaresma. Em O cemitério dos vivos, a preocupação e o cuidado com elementos como desigualdade social, preconceito racial, a loucura e até o amor e a morte são gritantes.

Toda a descrição dos ambientes, da própria ilha e da paisagem são muito fúnebres e nebulosas, é possível sentir a atmosfera pesada que envolvia o autor. O mais marcante nas descrições é justamente esse espaço com ar noturno, privado de luz, onde tudo é escuridão. Essa escuridão está no meio trágico e público e nas pessoas que ali estavam, de forma a denunciar a cor do hospício em geral: negro. Lima relata que grande parte dos pacientes eram negros ou pardos, e descreve assim o triste cenário do período pós­abolição que perpetua até os dias de hoje. De um lado, hospícios, assim como nas prisões onde prevalece a cor negra, e no outro, universidades ou instituições de ensino tem como estampa a cor branca.
 

Devido a pigmentação negra de uma grande parte dos doentes aí recolhidos, a imagem que se fica dele é que tudo é negro. O negro é a cor mais cortante, mais impressionante; e contemplando uma porção de corpos negros nus, faz ela que as outras se ofusquem no nosso pensamento. É uma luz negra sobre as coisas, na suposição de que, sob essa luz, o nosso olhar pudesse ver alguma coisa […]
Assim me pareceu pela primeira vez que deparei com tal quadro, com repugnância que provoca a pensar mais profundamente sobre ele, e aquelas sombrias vidas surgem a noção em torno de nós, de nossa existência e nossa vida, só vemos uma grande abóbada de trevas, de negro absoluto. Não é mais o dia azul­cobalto e o céu ofuscante, não é mais o negror da noite picado de estrelas palpitantes; é a treva absoluta, é toda ausência de luz, é o mistério impenetrável e um não poderás ir além que confessam a nossa própria inteligência e o próprio pensamento (Barreto, 2017, p. 168­169).

 

Em vários trechos do romance, os editores pontuam que nos manuscritos havia confusão de nomes e até mesmo de papéis. O protagonista Vicente Mascarenhas entrou no hospício levado por seu sobrinho, diferente de Lima, que foi internado por seu irmão Carlindo, porém, nos escritos deixados pelo autor, há ocorrências em que ele escreve “irmão” em vez de sobrinho, denunciando a própria confusão em relação aos fatos e à ficção. A consideração de Antonio Candido a respeito da documentalidade no romance Memórias de um sargento de milícias (1852) consegue abarcar também o caso do fator social na escrita de Lima Barreto. Em Dialética da malandragem (1970), Candido explica como no romance, de cunho fictício, há a transposição dos fatos sociais e como esses se incorporam ao ficcional na construção dos enredos:
 

Romance profundamente social, pois, não por ser documentário, mas por ser construído segundo o ritmo geral da sociedade, vista através de um dos seus setores. E sobretudo porque dissolve o que há de sociologicamente essencial nos meandros da construção literária. Com efeito, não é a representação dos dados concretos particulares que produz na ficção o senso da realidade; mas sim a sugestão de uma certa generalidade, que olha para os dois lados e dá consistência tanto aos dados particulares do real quanto aos dados particulares do mundo fictício (Candido, 1970, p. 82).

 

Para entendermos melhor os limites entre ficção e realidade nas obras de Lima Barreto, e em especial em Diário do hospício e O cemitério dos vivos, sem nos deixar levar pela observação simplista de literatura como espelho do social externo, precisamos compreender como de fato se delimitam no texto a imaginação e testemunho. Candido cita esse modo de análise literária na qual se procura “verificar a medida em que as obras espelham ou representam a sociedade, descrevendo seus vários aspectos. É a modalidade mais simples e mais comum, consistindo basicamente em estabelecer correlações entre os aspectos reais e os que aparecem no livro” (Candido, 2014, p.18). Para distanciar­nos desse tipo de crítica, busquemos observar as obras e fugir do determinismo dessa relação de obra que reflete a sociedade e de autor que se espelha e descreve (simplesmente) o fato social.

Antonio Candido aborda em sua crítica um importante fator que se mostra como ferramenta para análise das obras, que é o entendimento do que são fatores internos e externos à obra. Para isso, o autor faz uma citação que parece instigar a reflexão sobre artista e meio: “O poeta não é uma resultante nem mesmo um simples foco refletor; possui o seu próprio espelho, a sua mônada individual e única. Tem o seu núcleo e o seu órgão, através do qual tudo o que passa se transforma, porque ele combina e cria ao devolver à realidade (Saint­ Beuve apud Candido, 2014, p. 27).

Nas obras de Lima Barreto, uma, um diário com testemunho, outra, que parece ser produto do diário, um romance inacabado, pode parecer fácil reconhecer o que é ficção e o que é realidade. Em alguns momentos, se pode pensar que apenas um estudo da biografia do autor e das obras é suficiente para discernir ou delimitar um véu entre o que de fato foi vivenciado pelo autor e o que é ficcional ou invenção. E essas percepções simplistas, as quais tomam em sua maioria a análise da obra de Lima, parecem não dar conta de envolver todas as facetas de como a obra é influenciada pelo meio social, e, por outro lado, como exerce influência nesse mesmo meio. Assim, se faz necessário, em um primeiro momento, reconhecer a arte como social em dois sentidos:
 

Depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo; ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais. Isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os receptores de arte (Candido, 2014, p. 29).

 

A partir disso, cabe ao estudioso ou pesquisador conhecer os três principais aspectos do texto (ou obra) como expressão, ou melhor, comunicação expressiva: o artista, a obra, e o público, e por fim, gerado pelo público, um quarto elemento desse processo, o seu efeito. Esse quarto elemento que parece escapar muitas vezes da crítica ou análise nos estudos dos textos de Lima e que é obviamente relevante, porém há de se complementar que:
 

Este caráter não deve obscurecer o fato da arte ser, eminentemente, comunicação expressiva, expressão de realidades profundamente radicadas no artista, mais que transmissão de noções e conceitos. Neste sentido, depende essencialmente da intuição, tanto na fase criadora quanto na fase receptiva, dando a impressão a alguns, como Croce, que exprime apenas traços irredutíveis da personalidade, desvinculados, no que possuem de essencial, de quaisquer condicionantes externos (Candido, 2014, p. 31).

 

Dessa maneira, como exemplifica Candido (2014), a poesia, vista aqui como um tipo de linguagem, “manifesta o seu conteúdo na medida em que é forma, isto é, no momento em que se define a expressão. A palavra seria pois, ao mesmo tempo, forma e conteúdo, e neste sentido não se separa da linguística” (Candido, 2014, p. 31).

Ainda, considerar a obra como comunicação expressiva implica questionar a intenção do autor na condução da prosa em suas obras e, por fim, o efeito causado (ou não) na recepção dessa intenção pelo leitor. Essa condução na prosa do romance se mostra diferente dos relatos e fragmentos do diário, por motivos claros: um deles se trata de um romance ficcional construído a partir de recursos disponíveis ao autor no momento de sua produção que não estavam ao alcance do mesmo autor em sua posição como escritor do diário. Assim, contrapor realidade e ficção exige, para além das comparações dos escritos, a compreensão da posição de Lima como autor do diário, de dentro de um hospício, escrevendo em folhas não pautadas e em péssimas condições muitas vezes. E, em outro momento, Lima como escritor que transfere ao romance seus valores sociais e ideologia a partir de sua perspectiva e vivência no hospício. Não obstante, cabe ainda uma terceira posição do autor, atualizada à sociedade do momento de leitura e estudos das obras, na qual o escritor não é mais nem louco do asilo de alienados, nem escritor suburbano do Rio de Janeiro. Essa terceira posição do autor exige­nos que desloquemos Lima Barreto à atualidade para que compreendamos o porquê da necessidade de estudarmos suas obras e refletirmos sobre sua escrita.

Essa “atualização” à sociedade do momento atual implica uma discussão que muitas vezes toma espaço com um ar despretensioso de desmerecimento a autores que em suas épocas não tiveram devido reconhecimento. Os debates sobre as injustiças e preconceitos sofridos por muitos artistas que parecem terem sidos apagados da história ou quando são lembrados muito pouco se adentra em suas contribuições artísticas, deixou um espaço para argumentações perigosas. Essas argumentações consistem em muitas vezes resumir o trabalho de pessoas marginalizadas, não só pela sociedade, mas também pelo cânone, a uma simples “cota” de reconhecimento tardio. Desta maneira, mulheres, negros, indígenas e outras minorias que muito produziram e contribuíram no âmbito da arte e literatura são minimizados em sua importância e apenas lembrados em contextos específicos que ainda os deixam em segundo plano no reconhecimento. Por isso, entendemos ser relevante enfatizar que atualizar as leituras de escritores negros como Lima, que lutaram e se posicionaram contra o racismo, significa não somente se aproximar de sua obra pelo fato de ele ter sido negro e marginalizado, mas sim lê­lo em sua complexidade, sem esquecer do valor estético de seus textos.

A necessidade de uma revisão e uma releitura do que se tem como valor estético dentro da literatura se fundamenta principalmente na urgência dessa atualização quanto à sociedade e quanto à posição do artista em si. Essa mudança de visão se faz necessária para que se compreenda não somente o conteúdo das obras e como eles se demonstram como verdades no contexto do momento de produção e de recepção, mas, também, como sincronicamente transpassam aspectos sociais e temporais. Para a reflexão sobre a composição dos textos e sua respectiva recepção, ou como produto dessa, seu “efeito”, como descreve Candido, é importante perceber como se configuram as obras partindo do artista em relação ao meio social:
 

A obra depende estritamente do artista e das condições sociais que determinam a sua posição. Mas por motivo de clareza preferi relacionar ao artista os aspectos estruturais propriamente ditos. Quanto à obra, focalizemos o influxo exercido pelos valores sociais, ideologias e sistemas de comunicação, que nela se transmudam em conteúdo e forma, discerníveis apenas logicamente, pois na realidade decorrem do impulso criador como unidade inseparável. Aceita, porém, a divisão, lembremos que os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma (Candido, 2014, p. 39).

 

Essa citação parece contribuir também à distinção, ou melhor, para a busca da segregação do que é fato e do que é ficcional no romance O cemitério dos vivos, de Lima Barreto tendo como comparativo o Diário do hospício. O romance inacabado tem como esboço ou projeto de texto o diário que documenta o período de internação do autor. Percebe­se que nesse contexto as obras se configuram, ambas segundo ideologias e vivências do mesmo escritor e diferem em forma quanto a intencionalidade da comunicação, ou seja, a modalidade de comunicação que visa o autor tendo em conta o leitor.

Assim sendo, a composição do romance juntando informações do diário e propondo uma leitura ficcional com diversas imersões filosóficas do autor a respeito de si e de sua obra não se presume ficcional apenas por se organizar como um romance, mas também por passar pelo filtro do autor. Esse filtro do autor compreende não só a técnica de escrita ficcional, mas também a intenção do autor durante o processo de composição, ou seja, a literatura que se propõe como comunicação expressiva, levando em conta o leitor de romances para qual o livro seria publicado. Por outro lado, o diário também é atravessado ou peneirado pelo filtro do autor, o que não desautoriza em nada o testemunho e nem anula a veracidade dos escritos, porém também os põe em um patamar não só de pura literalidade com os fatos ocorridos. A condição da obra como gênero diário traz arraigada em sua própria produção e leitura (como configuração) o pressuposto da realidade, dos fatos como ocorreram. Porém, como produto literário, o permear do autor e seu imaginário não são dissociáveis da obra. Nesse caso, mesmo sendo a escrita do diário algo íntimo e aparentemente individual, demandou de todo um ambiente e experiências, vivências que não se podem julgar individuais. Todo o relato da experiência no hospício é atravessado por trocas com os outros doentes, com médicos e enfermeiros. Ainda, todas as reflexões sobre os fatores externos à internação (alcoolismo, depressão, insatisfação com sua própria condição) se tornam internos ao autor e respectivamente são distribuídos na obra. Para concluir, citamos Candido novamente:
 

Mas, justamente porque é uma comunicação expressiva, a arte pressupõe algo diferente e mais amplo do que as vivências do artista. Estas seriam nela tudo, se fosse possível o solipsismo; mas na medida em que o artista recorre ao arsenal comum da civilização para os temas e formas da obra, e na medida em que ambos se moldam sempre ao público, atual ou prefigurado (como alguém para quem se exprime algo) é impossível deixar de incluir na sua explicação todos os elementos do processo comunicativo, que é integrador e bitransitivo por excelência (Candido, 2014, p. 31).

 

Isso quer dizer que, simples comparações entre diário, romance e vida do autor não dão conta de delimitar testemunho e ficção, pois tanto uma obra quanto a outra não exprimem, estritamente ou efetivamente o eu e suas sensações somente. Outro fator a se acrescentar, é que são leitura independentes e mesmo sendo congruentes em muitos trechos, ambas fazem sentido se lidas separadamente. Da mesma maneira que, resumir Lima Barreto a um escritor confessional e buscar em seus textos e romances as “coincidências” com sua vida e pessoas que viviam com ele, não dá conta de uma análise efetiva de suas obras. Inclusive, essa busca por semelhanças pode ofuscar o deleite de seus escritos que são por si, esteticamente ricos e capazes de incorporar novas leituras e significados às suas histórias.

Considerações finais

Chega­se ao fim deste trabalho com a certeza de que há ainda muito a ser dito e estudado sobre Lima Barreto e sua obra, tanto quanto ao aspecto “confessional” de seus textos quanto ao papel do autor como voz ativa e ainda atual nos temas de racismo e desigualdade social. Lima carrega em sua escrita o mérito de falar dos subúrbios ao centro, de falar como povo ao povo e exige um leitor sensível. Ler sua obra é um convite ao descontentamento e desconforto com a sociedade e os problemas estruturais que ela apresenta. O Diário do hospício escrito durante sua estada no asilo de alienados se apresenta não só como uma boia salva­vidas para o autor na época, mas também como uma bússola com norteamentos ainda muitos atuais para compreender sua posição como autor negro e marginalizado. Atuais, infelizmente, pois assim como Lima Barreto, muitos artistas ainda são marginalizados no cânone. Inclusive, o próprio Lima, que é a prova de que leituras rasas de uma obra como Triste fim de Policarpo Quaresma nos livros didáticos ainda é insatisfatório para o reconhecimento, tão tardio, do autor.

É inegável o papel importantíssimo do autor em várias áreas do conhecimento, tais quais história, antropologia, ciências sociais e impossível não pensar em seu nome em estudos aprofundados dentro do jornalismo, da luta antimanicomial e na construção histórica de um cânone literário ainda constituído quase integralmente por homens brancos de classes privilegiadas. O autor foi, como cita uma das suas principais biografas, Lilia Schwarcz, uma voz solitária contra o racismo e a desigualdade social em seu tempo, sofreu com o preconceito e viveu seus quarenta anos por quase insistência. Insistência pelo seu amor à literatura, à arte e, principalmente, à humanidade. Lima sonhava com a grandeza em sua vida, mas almejava também o bem comum e aos seus iguais. Estudar suas obras, hoje, não faz justiça ao reconhecimento merecido que não veio em seu tempo, não apaga de sua história as três recusas à sua entrada à Academia Brasileira de Letras, mas arrefecem discussões que não devem serem vistas como superadas. Discussões essas, que muitas vezes são ofuscadas por conversas despretensiosas que tentam desmerecer a importância de figuras como o Lima.

Lima Barreto, ao escrever uma vasta obra, contribui para uma documentação da sociedade através de seu olhar tão atento e sensível, e nesse sentido, seu testemunho é documental. Mesmo seus romances ficcionais carregam consigo o traço indissociável de um autor que não se calou diante das injustiças e que fez o possível para ecoar em suas obras uma voz verdadeira e preocupada com a sociedade. O documental e ficcionalidade em sua obra se apresentam não como antagônicos, mas sim como complementares. O autor não faz refletir nada exterior em sua obra, pelo contrário, ele torna interior em sua obra os aspectos sociais ao tecer obras que costuram ficção e realidade, que relatam o acontecido, e que, muitas vezes, esperançosamente, almejam o que poderia ter acontecido. Talvez o verbo refletir, aqui, não nos caiba relacionado ao substantivo masculino espelho que reflete tal qual, sem modificar, mas sim como ação, substantivo feminino reflexão, que transforma o objeto em algo novo.

Quando lemos o texto de Bosi sobre o diário e o romance inacabado, parece­nos que também aquele está inacabado, o crítico termina seu ensaio abruptamente com a citação de fragmentos de um poema que diz pensar que talvez Lima se identificasse com eles, se os pudesse ter lido. Também nosso trabalho não se dá como acabado, mas finaliza com a intenção de que mais e mais seja dito e que reescrevamos coletivamente, não um fim para o romance de Lima, mas um novo caminho para a literatura brasileira, mais justo e plural.
 

Eu sou dado ao maravilhoso, ao fantástico, ao hipersensível; nunca, por mais que quisesse, pude ter uma concepção mecânica, rígida, do Universo e de nós mesmos. No último, no fim do homem e do mundo, há mistérios e eu crio neles. Todas as prosápias sabichonas, todas as sentenças formais dos materialistas, e mesmo dos que não são, sobre as certezas da ciência, me fazem sorrir e creio que este meu sorriso não é falso, nem precipitado, ele me vem de longas meditações e alanceantes dúvidas (Barreto, 2017, p. 52).

 

Referências

BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 11. ed. São Paulo; Rio de Janeiro; Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017, Edição Kindle, 8776 posições.

BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Diário do hospício; O cemitério dos vivos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de editoração. Biblioteca Carioca, 1993.

BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Diário do hospício; O cemitério dos vivos. Prefácio de Alfredo Bosi.
Organização e notas de Augusto Massi e Murilo Marcondes de Moura. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

BOSI, Alfredo. O cemitério dos vivos. Testemunho e ficção. Literatura e Sociedade, [S. l.], v. 12, n. 10, p. 13­25, 2007. DOI: 10.11606/issn.2237­1184.v0i10p13­25. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ls/article/view/23606. Acesso em: 4 jul. 2022.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 13. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2014.

CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem. Revista do Instituto de estudos brasileiros, n. 8, p. 67­89, 1970.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto e a escrita de si. Estudos Avançados, v. 33, p. 137­154, 2019.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo; Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2018, Edição Kindle, 20376 posições.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O homem da ficha antropométrica e do uniforme pandemônio: Lima Barreto e a internação de 1914. sociologia & antropologia, v. 1, n. 1, p. 119­150, 2011.

[1] Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Curso de Graduação em Letras Português e Espanhol – Licenciatura, UFFS, Campus Chapecó, como requisito parcial para aprovação no CCR Trabalho de Conclusão de Curso II. Orientador Prof. Dr. Luciano Melo de Paula”.
 

[2] Entre os principais trabalhos estão:
BOSI, A. O cemitério dos vivos. Testemunho e ficção. Literatura e Sociedade, [S. l.], v. 12, n. 10, p. 13­25, 2007. DOI: 10.11606/issn.2237­1184.v0i10p13­25. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ls/article/view/23606. Acesso em: 13 jul. 2022.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto e a escrita de si. Estudos Avançados, v. 33, p. 137­154, 2019.
SILVA, João Gonçalves Ferreira Christófaro. Edição e ficção. Em Tese, [S. l.], v. 19, n. 1, p. 276­287, abr. 2013. ISSN 1982­0739. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/emtese/article/view/5148.
Acesso em: 13 jul. 2022. doi: http://dx.doi.org/10.17851/1982­0739.19.1.276­287.

[3]Juliano Moreira (1873­1933), o baiano que frequentemente é designado como pai da psiquiatria no Brasil, era mulato e de família pobre. Ingressou aos treze anos na Faculdade da Bahia, se graduando aos dezoito anos. Dirigiu o Hospício Nacional de Alienados entre 1903 e 1930, tendo em seu currículo a proposta da criação de uma colônia específica aos alcoólatras e aos epiléticos. Além de outras inúmeras contribuições, o médico reuniu profissionais que desempenharam papel central para o rumo da psiquiatria no Brasil, apresentando­se como fundamental à luta antimanicomial. Também foi essencial no cenário médico eugenista ao se posicionar totalmente contrário à posição racista sobre a miscigenação. Juliano Moreira é muito presente nessa obra e em outros escritos de Lima Barreto que mostra verdadeira admiração ao médico. Os dois tornaram­se amigos e o escritor sempre se remete ao médico de forma elogiosa e afetiva em seus escritos.